Era uma manhã de muito calor em São Luís, capital do Maranhão, estado situado na região Norte do Brasil, na zona limítrofe com a Amazônia. A poucos quilômetros do centro da cidade, no cais de Itaqui, eu tentava localizar algum pescador ou barqueiro que pudesse me levar à misteriosa Ilha dos Caranguejos. “Não, de modo algum. Ainda que você pague muito bem pela viagem. Ninguém deseja deixar seus ossos ali”, me disse um mulato robusto que mordia a ponta de um cigarro de palha. “E por que não?”, insisti. “Creio que não saiba que a Ilha dos Caranguejos é um lugar encantado. Ali existem coisas do além. Muita gente morreu naquele local e não se sabe exatamente a causa. Você pode perguntar por aqui no porto, mas ninguém o levará”, enfatizou. E o marinheiro tinha razão. Apesar da minha obstinação, ninguém quis me levar — e eu sabia por quê, mas preferi me calar.
É que algo verdadeiramente insólito e pavoroso ocorreu na ilha na madrugada de 26 de abril de 1977. Dois homens despertaram dentro de uma embarcação de madeira com várias queimaduras pelo corpo, e um terceiro estava morto. Nenhum dos sobreviventes, incluindo um rapaz que escapou ileso, foi capaz de recordar o que havia causado aquela tragédia. Na época cogitou-se a hipótese de que José Correia, 29 anos, teria sido morto por um disco voador, já que estava sendo registrada uma intensa onda de aparições de UFOs não somente na ilha, mas também em quase toda a chamada Baixada Maranhense — zona cheia de pântanos e mangues próxima à costa atlântica. Naquele mesmo ano também aconteceram ataques de naves a pessoas, ocasionando queimaduras e até mesmo a morte de algumas vítimas no estado vizinho do Pará, em plena Região Amazônica.
Queimados por uma luz
Os fenômenos, conhecidos como chupa-chupa, foram investigados pela Força Aérea Brasileira (FAB), que até hoje não se pronunciou de forma conclusiva sobre o assunto, nem mesmo emitiu qualquer comunicado oficial. Mas, de volta a São Luís, busquei informações que pudessem desvendar o mistério sobre meu objetivo principal: os fatos na Ilha dos Caranguejos. Na biblioteca municipal, situada em uma praça repleta de vendedores ambulantes, dediquei-me a tirar o pó de antigos exemplares de periódicos locais. Antes disso, tinha tentado localizar os médicos que examinaram os corpos das vítimas, mas ou já haviam falecido ou não se sabia deles no Conselho Regional de Medicina. A primeira notícia que encontrei, no Jornal Pequeno, de 29 de abril de 1977, trazia no título Misterioso Acontecimento na Ilha dos Caranguejos. No texto havia a foto dos três sobreviventes da tragédia. O comissário de polícia José Argolo foi informado por Apolinário Correia, o único que escapou sem feridas ou queimaduras, que José estava morto — mas sem marcas no corpo, e que seu outro irmão, Firmino, estava em coma.
Aureliano, o cunhado dos irmãos Correia, apenas mexia a boca, sem emitir qualquer som — além de queimado, estava muito debilitado. No barco de madeira, o comissário não encontrou nenhum vestígio de luta ou de objetos queimados. Apolinário Correia conduziu heroicamente o barco Maria Rosa, de 15 m de comprimento e com 15 toneladas, com uma só vela, até o cais de Itaqui. Outro jornal, O Estado do Maranhão, noticiou em 01 de maio daquele ano Sobreviventes da Ilha dos Caranguejos Estão Incomunicáveis”. A matéria informava que médicos do Hospital Municipal de São Luís haviam proibido a entrada de pessoas estranhas que quisessem ver e conversar com Aureliano e Firmino, este último ainda em coma. No mesmo texto também foi relatado que o delegado José Argolo não tinha encontrado policiais voluntários, à exceção do escrivão Moacy Barros, para realizar pesquisas na ilha. Todos tinham medo de ir a um lugar considerado maldito.
Algum tempo depois, O Estado do Maranhão noticiou um fato no mínimo engraçado. Outro delegado, Marcelino Ewerton, do 3º Comissariado da Capital, havia se comprometido a ajudar seu colega Argolo em uma expedição até a ilha. E explicava os preparativos: “Além de balas normais, levarei uma cartucheira com balas devidamente preparadas com palha de alho que, segundo os mais antigos, têm o poder de apartar as coisas do anticristo”. Como se a força desconhecida que atacou os marinheiros fosse o tal “homem lobo”. Apesar das explicações, a expedição não aconteceu e nenhum outro policial foi à Ilha dos Caranguejos na ocasião. No dia seguinte voltei à biblioteca municipal e soube da recuperação de Firmino Correia, que havia oito dias estava internado no Hospital da Cruz Vermelha.
“Bola de fogo”
A vítima não sabia que seu irmão José tinha morrido e não se recordava de nada do que sucedeu naquela madrugada. O já falecido doutor Carneiro Belfort visitou o enfermo e ouviu Firmino murmurar, em pleno delírio, ter visto “um fogo passando fora do barco”. O relato, no entanto, não foi verificado na hipnose regressiva realizada nele e em outras vítimas. Para o policial técnico Jucilmo Salazar, a causa da morte de José foi uma “descarga elétrica procedente de um fenômeno natural”, semelhante a uma “bola de fogo entrando na atmosfera”. Salazar não pôde explicar porque tal manifestação não queimou a cortina que tampava a entrada do sótão do barco onde dormiam José, Firmino e Aureliano — nem tampouco esclareceu porque a tal descarga elétrica não chamuscou a bermuda de Aureliano, visto que ele possuía uma ampla queimadura na nádega direita.
Folheando O Estado do Maranhão de 07 de junho de 1977, descobri uma notícia que me deixou perplexo: Chispa Cósmica Causa a Morte de um Pescador. A princípio pensei que se tratava do caso dos irmãos Correia, mas na realidade a matéria abordava outra ocorrência, em que o pescador José Pinheiro veio a falecer. Ele residia na Baixada Maranhense e, junto com um amigo, foi pescar a bordo de um barco, em 03 de junho, quando acabou sendo lançado ao mar por uma “faísca cósmica”, morrendo no mesmo local. Um cadáver em adiantado estado de putrefação foi encontrado nas águas da Baía de Ribamar três dias depois. Sua identidade, entretanto, não foi confirmada e nada mais se soube sobre esse misterioso acontecido. Posteriormente, o ufólogo Húlvio Brant Aleixo nos informou sobre um caso ocorrido em Minas Gerais — tratava-se de uma mulher que vivia em um povoado e que um dia despertou com um braço
queimado, sem saber como tinha sucedido aquilo. Dias antes, os vizinhos viram bolas de fogo sobrevoando a região. Rodeada por mangues, a Ilha dos Caranguejos está situada na Baía de São Marcos, a 75 km ao sul de São Luís. A área tem extensos campos e lagoas onde somente habitam animais selvagens, como o jaguar e enormes serpentes.
Sequelas permanentes no corpo
Mas talvez os piores de todos sejam os cruéis mosquitos e os caranguejos gigantes. A região é relativamente grande, com cerca de 20 km de extensão e largura entre 11 km e 16 km. Segundo os moradores do povoado de Penalva, próximo à ilha, os poucos pescadores e madeireiros que ali se atrevem a navegar escutam à noite cantos religiosos, semelhantes aos salmos, além de lamentações, como se fossem vozes de fantasmas que retumbam das selvas da localidade. Desesperançado de encontrar os sobreviventes do caso e outras pessoas diretamente envolvidas nas pesquisas policiais, quase retrocedi na expedição. Felizmente, dois dias antes de deixar São Luís, consegui localizar três tradutoras de inglês que haviam trabalhado para o jornalista e ufólogo norte-americano Bob Pratt, à época no National Enquirer, e que entrevistaram as vítimas.
Na ocasião consultei Ana Teresa Brito, Mônica Carneiro e Ângela Haddad, que me trouxeram valiosas informações e pistas. “Em novembro de 1978, Bob Pratt veio a São Luís para investigar o caso. Fomos até o cais de Itaqui, onde estava o barco Maria Rosa, e não vimos nenhum vestígio de fogo dentro ou fora dele. Nós entrevistamos os sobreviventes”, contou Mônica. Em seguida, ao ser questionada por mim, ela explicou como eram os ferimentos de Firmino Correia. “Ele tinha várias queimaduras de segundo grau, muito graves, no lado esquerdo do tórax e na parte interna do braço esquerdo, que estava todo cheio de edemas. Também tinha uma queimadura de 3 cm de diâmetro e uma mancha roxa na frente”. Impressionante.
Quando Firmino saiu do estado de coma, seus braços estavam sem força e sua mão esquerda, paralisada. “Esta sequela na mão ficou para sempre. Com o tempo foi debilitando-se, cremos que em função do que lhe sobreveio”, afirmou Mônica. Já José Correia, segundo Mônica, não apresentava sinais visíveis de queimaduras ou qualquer outro tipo de agressão. “Ele estava semirrígido. De acordo com os médicos, o rigor mortis ocorre três ou quatro horas depois da morte. Quando Apolinário encontrou o corpo do irmão, ele já estava morto havia, no mínimo, três horas”, disse a tradutora. Ela lembrou também que, na ocasião, o médico legista não fez a autópsia. A causa mortis, segundo os documentos do Instituto Médico Legal (IML), foi um acidente vascular cerebral causado por hipertensão arterial, como consequência de um choque emocional — mas os médicos não souberam dizer o que teria desencadeado tal processo.
“Faísca cósmica”
Especulou-se que poderia ter sido uma “faísca cósmica”, o que também não foi comprovado. Ademais, fomos ao aeroporto de São Luís e verificamos com o serviço meteorológico que não houve mal tempo por aqueles dias. Ângela mencionou que o diretor do Departamento de Meteorologia, Natalino Filho, alertou para a possibilidade de um raio ter caído no mar e atravessado o barco, já que a água é uma boa condutora de eletricidade. No entanto, se assim houvesse ocorrido, Apolinário, que estava no convés dormindo, também teria morrido ou, no mínimo, sido queimado. Ângela explicou que o grupo estava indo cortar árvores para construir casas palafíticas.
Sua narrativa era excruciante: ‘Foi horrível. Eu apresentava queimaduras muito grandes no braço esquerdo. Por um momento me desesperei, pois só eu tinha condições de levar o barco ao Porto de Itaqui para pedir auxílio. Foi muito difícil’
À meia noite deviam começar os preparativos para levantar âncora e sair um pouco mais tarde, com a subida da maré. Mas isso não ocorreu porque Apolinário, o único que dormia no convés, só despertou às 05h00, com os primeiros raios de Sol. José dormia em uma rede na entrada do sótão, que estava coberta por uma cortina para evitar a entrada dos mosquitos, junto com Aureliano e Firmino. O curioso é que José não tinha nenhum arranhão e, segundo a hipótese do raio esférico, este teria que passar pela cortina e queimá-lo primeiro, o que não aconteceu. Os exames médicos realizados em Aureliano comprovaram que ele tinha sofrido queimaduras de segundo grau, com bordas enegrecidas, nos ombros direito — 14 cm de comprimento por 2 cm de largura — e esquerdo, 17 cm.
Sem sensibilidade nos membros
Também havia outra queimadura de segundo grau sobre a nádega direita, embora a bermuda dele estivesse intacta. Ninguém soube explicar como isso poderia ter acontecido. Ângela prosseguiu seu relato: “Apolinário dormiu sobre a coberta, ao ar livre, enquanto José, Aureliano e Firmino ficaram no sótão. Apolinário despertou somente às 05h00, com os gemidos de Aureliano, que estava de bruços no convés, já sem sensibilidade nos braços e pernas”. Durante a conversa, Ana Tereza procurou em um guia telefônico o nome de Pedro Correia, o único dos irmãos que possuía telefone — a esperança dela era de que, através dele, pudéssemos encontrar Apolinário e entrevistá-lo. Sem mais tardar, Tereza chamou Pedro e ficamos de nos ver naquela mesma noite para combinar como localizaríamos Apolinário. O homem vivia fora da cidade, em um bairro muito pobre. A intérprete colocou sua filhinha adormecida no assento traseiro de seu automóvel e fomos até a casa de Pedro, em meio a uma perigosa favela de São Luís.
Ali combinei de pegar, no dia seguinte, a esposa de Pedro, Nazareth, para que me acompanhasse até a casa de Apolinário. No dia seguinte contratei um taxista para levar-nos, Nazareth e eu, até a testemunha. “Pobre Apolinário. Depois daquilo ficou com uma perna endurecida e um dos braços sem força. E para piorar sua situação, ganha mensalmente uns 200 reais. Metade do dinheiro usa para comprar medicamentos para um filho de 9 anos que tem problemas mentais”, disse a intérprete. Ela comentou também que havia tempo não tinha notícias de Firmino, que passou a viver em um povoado do interior do estado.
Contou Nazareth: “Cuidei dele vários meses depois que saiu do hospital, onde esteve em coma. Eu lhe dava banho, punha-o para dormir. Ele mal podia falar. Com o tempo foi melhorando, recuperou os movimentos. Mas hoje fala como uma criança, sua voz muda de um tom agudo para grave, e sua mão esquerda ficou torcida. Sua esposa o levou e o ajuda em um pequeno comércio”. A intérprete lembrou também que quando visitou Firmino no hospital ele tinha várias
bolhas d´água no braço esquerdo. “Haviam lhe arrancado a pele debaixo do braço, nas costelas. As bolhas secaram, mas até hoje ele têm as cicatrizes. E o braço afetado pelas queimaduras ficou seco”, explicou. Já Aureliano, segundo ela, teve danos na visão e precisou deixar de trabalhar no cais, onde era estivador.
Uma vida de sofrimento
Na pobre habitação, pouco mais que um barracão feito com tijolos e barro, fomos recebidos pelo filho enfermo de Apolinário. Logo veio o pai, coxeando, rodeado por outras quatro crianças e, amavelmente, nos convidou para entrar em sua humilde residência. O sobrevivente da Ilha dos Caranguejos era um sexagenário de tez morena, que vestia somente uma bermuda branca e que se apoiava em um bastão para caminhar — a mão esquerda estava torcida para trás e parecia paralisada. Sentamo-nos para falar em um salão escuro e sem outros móveis além das cadeiras. “Agora tenho 62 anos. Firmino, meu irmão, tem 64. Estou casado em segundas núpcias. Com a primeira esposa tenho oito filhos e com a segunda, seis. Este pequeno, a quem amo muito, jamais vai melhorar, segundo os médicos”, contou.
Logo em seguida, Apolinário passou a narrar o que aconteceu em abril de 1977 na Ilha dos Caranguejos. “Ainda que soubéssemos que a ilha estava encantada, tínhamos ido muitíssimas vezes lá, sempre para buscar madeira para construir palafitas. Naquele dia chegamos muito tarde, cortamos os troncos e os deixamos no convés para regressar no dia seguinte com a maré alta. Depois, José, que era nosso cozinheiro, nos preparou alguns caranguejos sobre uma grelha improvisada. Ficamos batendo papo por uns momentos. Eu e meu cunhado, Aureliano, fumamos um cigarro cada um e logo todos fomos dormir, por volta das 20h00. Eu dormi sobre o convés e os demais, no porão”, disse.
Manejando o grande barco
Segundo cronograma, ele deveria despertar à meia-noite, mas só o fez ao amanhecer. “Até estranhei, porque sempre acordo sozinho, sem despertador. Escutei a voz de Aureliano, que me chamava na proa. Pareceu-me estranho, pois não o havia visto sair do sótão. Estava muito assustado e dizia que não sentia os braços e as pernas e, como não tínhamos nenhum medicamento, friccionei uma cabeça de alho no corpo dele. Então notei que tinha várias queimaduras”, completou. “E o que aconteceu quando você entrou no sótão?”, perguntei. “Encontrei José na rede, com uma camisa no rosto. Estava com o corpo roxo e a boca cheia de espuma, como quando se mata um porco. Tentei dar-lhe água com açúcar, mas, meu Deus, estava morto”. Já Firmino, conforme Apolinário, estava de bruços próximo a José e gemia em tom muito baixo. “Tinha um pedaço de carne arrancado e se podiam ver suas costelas. Era como a carne de porco em salmoura”.
Sua narrativa era excruciante de se ouvir: “Foi horrível. Ademais, apresentava queimaduras muito grandes no braço esquerdo. Por um momento me desesperei, pois só eu tinha condições de levar o barco ao Porto de Itaqui para pedir auxílio. Foi muito difícil manejar aquele barco entre os mangues, mas consegui”, lembrou Apolinário. Um detalhe, porém, chamou a sua atenção. Antes de levantar âncora, ele notou que todos os troncos que tinham sido cortados, assim como uma lata grande cheia de caranguejos, haviam desaparecido do barco. E não tinha nem mesmo qualquer rastro na areia. “Eram mais de 100 troncos de 3 m de comprimento por uns 10 cm de diâmetro. Não pude explicar como sumiram sem que ninguém percebesse a presença do ladrão”. Era uma terça-feira, 26 de abril, e o grupo chegou a Itaqui às 18h30. Um taxista levou Apolinário à casa de seu irmão Pedro e da cunhada Nazareth.
A testemunha contou: ‘Por isso não consigo sentar direito. Retiraram um líquido da minha coluna. Essa enfermidade surgiu faz pouco tempo. Mas quando ocorreu aquilo na ilha, eu me senti muito frouxo. Até hoje não posso movimentar bem a mão’
Os irmãos então retornaram ao porto, levaram Firmino ao pronto-socorro e deixaram Aureliano — que, apesar das queimaduras, estava consciente —, velando o corpo de José. Eles voltaram somente às 23h00, já com a polícia, e levaram Aureliano ao hospital. Apolinário negou ter visto algo estranho, alguma luz, naquela trágica noite. “Não vi nada. Surgiram uns rumores de que era um tal disco voador, mas não sei bem o que é isso. Dizem que na ilha se ouvem vozes, gente chorando, mas lá não vive ninguém”, afirmou.
A testemunha contou que recentemente fez exames médicos que apontaram uma enfermidade em sua espinha dorsal. “Por isso não consigo sentar direito. Retiraram um líquido da minha coluna. Essa enfermidade surgiu faz pouco tempo. Mas quando ocorreu aquilo na ilha me senti muito frouxo durante um bom tempo. Até hoje não posso movimentar bem a mão e a perna esquerda”, explicou. “E a polícia, como tratou o caso?”, perguntei. “Doze dias depois da morte de José, um sargento da polícia militar me levou a um barracão no cais de Itaqui, tirou seu revólver e me disse: ‘Tu tens que me contar a verdade! Diga-me se estavas fumando marijuana’. Falei que nem eu nem meus irmãos e cunhados éramos fumadores de maconha. Mas ele insistiu muito, ameaçando-me com a arma”, revelou.
“Sobrevivente todo queimado”
O pobre Apolinário ainda surpreendeu com outra notícia, que derrubava em definitivo a hipótese da morte de seu irmão ter sido causada por algum fenômeno natural. “Meu irmão José não foi o único que morreu lá na ilha por algo raro. Em 1986, ocorreu outra desgraça, também em um barco onde havia três homens. Um deles, jovem, morreu. Não sei seu nome, mas era parente de um amigo meu. Um dos sobreviventes ficou todo queimado”, relatou. Nesse momento, notamos que Apolinário se sentia um pouco cansado. Ele se levantou com dificuldades com a ajuda do bastão. Apolinário estava quase sempre rodeado pelas crianças, que lhe tinham apreço. Deixamos sua humilde residência e seguimos pelas ruas barrentas do bairro quando me senti duplamente inquieto. Afinal, Apolinário era mais um brasileiro nas estatísticas demográficas da pobreza do país, sem recursos, sobrevivendo a duras penas.
Por outro lado, todos os sobreviventes padecem de algum transtorno até hoje. E a pergunta ainda persiste — o que era aquela força desconhecida que fez desaparecer os troncos de árvores, as latas cheias de caranguejos, que feriu os homens e matou um deles sem deixar qualquer vestígio? Um dos aspectos mais importantes da investigação de Bob Pratt em relação ao Caso da Ilha dos Caranguejos foi a regressão hipnótica que realizou nos três sobreviventes. Segundo a intérprete Ana Teresa Brito, que participou das sessões, Pratt convidou para ir a São Luís um médico, parapsicólogo e ufólogo do Rio de Janeiro, o já falecido doutor Sílvio Lago, membro da Sociedade Americana para Pesquisa Psíquica, de Nova York, reconhecido mundialmente.
Conforme Teresa, Apolinário, Aureliano e Firmino ficaram hospedados num hotel em São Luís entre os dias 14 e 17 de dezembro de 1978. Lá o doutor Lago os entrevistou, primeiro individualmente, e depois passou a sessões com os três. Foram 10 horas de trabalho no total. “Aureliano foi quem entrou em transe mais profundo. Todos podiam lembrar perfeitamente o que haviam feito até o momento de atracar, mas não se recordavam de nada do que sucedeu em seguida, até o momento em que Apolinário os viu feridos. Era como se lhes houvessem esfregado com força uma borracha na mente e apagado a recordação daquelas horas”, contou a intérprete. Com mais de 40 anos de experiência em hipnose, o doutor Lago disse que a amnésia poderia ter sido provocada por uma forte emoção. Ele levantou ainda outra hipótese: os homens poderiam ter sido condicionados hipnoticamente a não se lembrar de nada. Ainda assim, permanece o questionamento sobre a autoria de tal violência.