Pela primeira vez na história uma nave espacial entrou na atmosfera do Sol e sobreviveu para contar. Na quarta-feira foram publicados os primeiros resultados científicos reunidos pela Sonda Solar Parker da NASA durante suas duas primeiras aproximações do astro. Os dados revelam uma estrela muito mais violenta e enigmática do que se pensava.
A principal missão da Parker é entender por que as camadas mais superficiais da atmosfera solar, a coroa, podem chegar a temperaturas de 1.000,000 de graus enquanto muito mais para dentro, na superfície, são somente de 5.000 graus. Resolver esse enigma é essencial para entender o comportamento da estrela e do vento solar, uma rajada de partículas subatômicas carregadas que vai em todas as direções. As tempestades solares podem ser uma ameaça aos astronautas e causar danos importantes na fiação elétrica e nas comunicações por satélite.
A sonda explorou a área a uma distância de 24 milhões de quilômetros da superfície, seis vezes mais próxima do que a Terra está do Sol. A espaçonave segue uma órbita muito alongada de modo que, após se aproximar ao máximo do Sol, se afasta até ultrapassar Vênus, o segundo planeta mais próximo ao astro. Além disso tem um escudo térmico que está sempre de frente para o Sol e que é capaz de suportar temperaturas de 1.400 graus. Do outro lado dessa couraça os instrumentos científicos se mantêm a 30 °.
Os primeiros resultados da missão foram publicados na quarta-feira em quatro estudos na revista científica Nature. Um deles demonstra que o fluxo de partículas é muito mais rápido do que havia sido observado. “Verificamos que o vento solar avança formando enormes ondas que, em questão de minutos, duplicam sua velocidade chegando aos 150 km/s”, diz Justin Kasper, físico da Universidade de Michigan e coautor de vários dos estudos publicados. “É algo nunca visto até então”, frisa o pesquisador.
As rajadas de vento solar “vêm em grupos e parecem ter uma estrutura coerente”, afirma Kasper. De acordo com sua equipe, esses padrões podem ocorrer pelo fato de o Sol gerar um campo magnético que marca o caminho seguido pelas partículas e as acelera. Essa espécie de rodovia tem formato de S, de modo que os elétrons e os prótons carregados não viajam em linha reta, e sim fazendo esses em seu cada vez mais rápido caminho em direção à Terra.
Da mesma forma que na atmosfera terrestre, o plasma de partículas carregadas da coroa solar gira no mesmo sentido que a estrela. Em teoria, a velocidade de rotação deveria diminuir à medida que o plasma se afasta da superfície, mas os dados da Parker mostram que, nas camadas mais superficiais da coroa, o plasma vai “20 vezes mais rápido do que deveria de acordo com as previsões”, diz Kasper. Por enquanto não há muitas respostas sobre os fenômenos observados, reconhece o físico, mas sim a esperança de que nos próximos anos eles possam ser entendidos, até mesmo prognosticados.
O escudo térmico da Parker, feito de carbono e com espessura de 11 centímetros e meio.
“Estamos falando de uma região do Sistema Solar que nunca havia sido explorada dessa forma e, somente por isso, esses estudos significam um feito”, ressalta Javier Rodríguez, destacado cientista da Missão Solar Orbiter (SolO) da Agência Espacial Europeia e membro da equipe de coordenação com a missão da NASA. Em pouco mais de um mês a Parker usará a gravidade de Vênus para mergulhar mais profundamente na atmosfera do Sol. Irá fechando sua órbita até alcançar dentro de cinco anos sua maior aproximação, a 6,9 milhões de quilômetros da superfície. Quando isso ocorrer, suas observações terão se somado às da Solar Orbiter, uma missão europeia com quantidade bem maior de instrumentos que será lançada em fevereiro do ano que vem e observará o Sol a uma distância de 42 milhões de quilômetros.
Para Rodríguez é muito cedo para saber se o observado pela Parker é a regra ou um fenômeno pontual, algo que será confirmado primeiro durante as próximas órbitas solares e depois com as observações da Solar Orbiter. A sonda europeia será a primeira a observar os polos do astro, invisíveis da Terra e que são fundamentais para entender os ciclos solares de atividade magnética, que duram 11 anos. Com os dados reunidos por essas duas espaçonaves talvez seja possível começar a explicar o mistério de nossa estrela e o de milhões de astros como ela.
Matéria publicada originalmente em El País