Valeu à pena a missão de nosso astronauta para o espaço ao custo de 10 milhões de dólares?
Tão intenso quanto à divulgação da viagem de Marcos Pontes ao espaço, semanas atrás, foi o debate que se criou em torno da validade do projeto, ao custo de 10 milhões de dólares, pouco mais de 22 milhões de reais. A contenda dividiu a Nação, com expressivos segmentos dos meios científicos e militares defendendo publicamente suas posições. O primeiro grupo, com a alegação de que o custo da missão foi exorbitante e seus resultados, pífios. “Astronautas já plantaram feijão no espaço há mais de 30 anos”, disse Enio Candotti, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e um dos maiores críticos da viagem de Pontes.
“O astronauta apenas pegou uma carona com os russos e seus experimentos são desimportantes”, afirmou o astrônomo Ronaldo Rogério de Freitas de Mourão. Para ele, que já foi fervoroso crítico da Ufologia, a viagem não passou de “manobra política do governo Lula para desviar a atenção de nossos reais problemas”. Será? Já o segundo grupo avaliou a missão de Pontes como extremamente positiva, um marco significativo para incentivar o crescimento da paixão pela ciência entre nossos jovens. Não há dúvidas quanto a isso, como se viu nos noticiários. Mas, afinal, o que pensar sobre a Missão Centenário, que recebeu este nome justamente em homenagem a outro pioneiro brasileiro, Santos Dumont?
Uma visão mínima da questão mostra que Marcos Pontes sonhou em ser astronauta a vida toda e lutou incansavelmente até realizar seu sonho, sem desistir dele. Só por isso, sua tenacidade e persistência já servem de grande exemplo à Nação, pouco habituada a casos assim. O governo Lula entrou com a verba de 10 milhões de dólares para a realização da viagem, e ele, nosso astronauta, entrou com seu sonho. Muitos integrantes da comunidade científica brasileira o criticaram por insistir no projeto, com a argumentação de que seria meramente pessoal e financiado com dinheiro público, em um país onde há tantas mazelas. Ocorre, entretanto, que não é Pontes o culpado pelo estado de miséria nacional. E além disso, que mal há em que seu sonho seja pessoal, desde que seus resultados sejam benéficos à tanta gente?
Enfim, das muitas acusações feitas, nenhuma se sustenta verdadeiramente. Aliás, para falar francamente, o que importa se os experimentos científicos realizados pelo astronauta são essenciais ou não, se já foram feitos antes ou não? E daí que Pontes tenha tomado carona com os russos? Além disso, a afirmação de que sua ida ao espaço teve a finalidade política de despistar a atenção dos brasileiros das acusações de corrupção que pairam sobre o “bando dos 40” – a esforçada equipe do presidente Luís Inácio Lula da Silva em se apropriar de recursos públicos –, não tem fundamento. Ora, Pontes foi para o espaço seguindo um cronograma dos russos, e não uma agenda?definida por Duda Mendonça, José Dirceu ou Antonio Palocci, todos do referido bando. O governo Lula simplesmente não teve o poder de interferir na data de lançamento do foguete e em sua agenda de atividades.
Verdadeira pechincha — A verdade sobre a contenda é que estes foram provavelmente os 10 milhões de dólares melhor empregados pelo governo Lula em todos os tempos. Em meio à tanta sujeira que as CPIs e a imprensa têm revelado nos últimos meses – em que se constatou que o valérioduto do PT drenou R$ 1,4 bilhão dos cofres públicos, cerca de 650 milhões de dólares –, os 10 milhões de dólares gastos com a viagem de Pontes são uma verdadeira pechincha. Ainda mais se comparada ao que tal investimento significou para o Brasil e para os brasileiros.
Ora,qual de nós não ficou orgulhoso com o feito de Pontes, sentindo uma emoção que acabaria por transformar sua conquista na de cada brasileiro? Muito adulto chorou na frente da TV ao ver o lançamento da Soyuz [Paz em russo] e um homem honesto realizar seu sonho. Este autor, inclusive. Muita gente se emocionou ao ver Pontes, espremido durante dois dias e duas horas dentro da minúscula nave – com espaço menor que o de um fusca –, apontar para a bandeira do Brasil bordada no macacão e, depois, para cima. Este autor, inclusive. Vê-lo finalmente entrando na Estação Espacial Internacional (ISS), portando uma bandeira brasileira maior ainda, foi simplesmente arrebatador. Uma emoção sem igual, que lembrou Ayrton Senna e alguns poucos brasileiros que também admiramos, ontem e hoje.
Há muito tempo não tínhamos um patriota como nosso astronauta para admirar. Há muito tempo não víamos um bom exemplo de cidadão honesto e lutador, que subiu um a um todos os intermináveis degraus que separam os mortais dos astronautas. Com isso, Pontes subiu também todos os degraus que o conduziram?à realização de seu projeto, mostrando a cada um de nós que sonhos existem para ser concretizados. O astronauta realizou o dele não às custas dos 10 milhões de dólares do governo Lula, uma gota d’água no oceano da corrupção nacional. Mas sim graças à sua tenacidade, persistência e honestidade para com os próprios princípios. Se não fossem estes valores primordiais, nem 10 bilhões de dólares o levariam ao espaço.
E o que importa se o governo Lula tentar se beneficiar com este feito? Ele já não leva vantagem em tudo, sem precisar de astronautas? O que importa saber é que milhões de jovens brasileiros tiveram no sucesso de Pontes um estímulo, um incentivo, um empurrão! Ver meninos e meninas de escolas do Brasil inteiro agora sonhando em ser astronautas, físicos, engenheiros, cientistas etc, seguindo o exemplo de Pontes, vale bem mais que 10 milhões de dólares. Aliás, não tem preço! O que o astronauta brasileiro proporcionou à Nação é de tal relevância e terá um impacto tão positivo nas próximas gerações, que o preço pago é mesmo um trocado. O esforço pessoal de Marcos Pontes para vencer as dificuldades, ultrapassar obstáculos e chegar lá também vale muitíssimo mais do que o valor pago pelo governo Lula.
Saindo da rotina — Em um país onde homens públicos se corrompem abertamente e negam os fatos com a maior desfaçatez em rede nacional de TV, em que direitos básicos do cidadão são solenemente ignorados e violados por aqueles que são pagos para defendê-los, em que a Justiça distribui imunidade para corruptos se protegerem de si mesmos em CPIs, em que se comemora o desvio de caráter e a impunidade com ofensas que vão desde dança em plenário a jantares suntuosos pagos com dinheiro público, em que o próprio presidente da República e sua família estão envolvidos em pesadas acusações e fingem que nada sabem, ter algo para quebrar a rotina – como a ida de um de nossos conterrâneos ao espaço – até que é muito bem-vinda.
Precisávamos nos sentir melhor e mais capazes no meio de tanta impossibilidade de mudar este pavoroso quadro que o país apresenta. Precisávamos nos sentir dignos e respeitados, no meio de tanta sujeira que estamos assistindo a cada dia. Precisávamos, enfim, ter exemplos renovados de patriotas de quem nos orgulhar. Por isso, obrigado Marcos Pontes! Obrigado por nos distrair a atenção de nossas inúmeras mazelas e nos fazer lembrar que sonhar vale à pena.