
Em seu primeiro livro, o coronel Percy Fawcett, conhecido como “o caçador de civilizações intraterrenas”, referiu-se à América do Sul como O Continente do Espanto, e o fez por uma ótima razão: a incrível quantidade de fatos e fenômenos extraordinários que ocorrem neste espaço territorial. Em 07 de outubro último, o jovem Armando Henríquez e sua família tornaram-se celebridades e elementos de um novo caso a ser solucionado por cientistas e estudiosos do fenômeno ufológico mundial, mais um na longa lista de espantosos acontecimentos da América Latina. Residente em Santiago, Armando estava de férias com seus familiares na localidade de Las Lagunas, em Concepción, a 500 km da capital chilena. Em meio a um matagal, Armando encontrou um ser pequenino, com cerca de 7,2 cm, e deu início a uma incrível história.
A criatura encontrada, para surpresa do rapaz, ainda estava viva, apresentando um grande crânio, dois braços, dedos compridos com garras e duas pernas. Tinha um aspecto bastante frágil. Sem hesitar, Armando o envolveu cuidadosamente em papel e o levou para casa. Segundo declaração de testemunhas, o ser permaneceu vivo por durante pelo menos oito dias, sendo que, em certos momentos, chegava a abrir os olhos, sem emitir qualquer som. Durante este tempo, não aceitou água e muito menos comida. Já morto, se mumificou rapidamente, sem entrar em decomposição. No dia 22 do mesmo mês, a criatura foi apresentada à imprensa, sendo seu aspecto, naquele instante, muito similar às múmias, tendo leves sinais de queimadura e ressecamento e estando quebradiço.
Especialistas da Universidade do Chile foram consultados e, após rápido exame, declaram ser possível que se tratasse do feto de algum felino da região. No entanto, nenhuma confirmação final poderia ocorrer naquele momento, sendo necessários vários exames – inclusive o de DNA. O doutor em Zoologia e professor da Universidade de Concepción, Juan Carlos Ortiz, descartou categoricamente a teoria de que o minúsculo animal poderia se tratar de um alienígena, como alegavam de imediato os ufólogos, e explicou que neste tipo de tema as pessoas tendem a misturar as observações com certa imaginação mitológica. O acadêmico disse ainda que o estranho corpo teria mais relação com o feto de um animal doméstico, como muita gente supôs.
Corpo Mirrado — “À primeira vista, poderia se tratar do feto de um gato, principalmente pela forma achatada do crânio e do corpo mirrado. Nos cães, por exemplo, a forma da cara é mais alargada”, explicou o cientista, acrescentando que o ser não se assemelhava a nenhuma espécie nativa do setor onde foi encontrado, a chamada Oitava Região chilena. Quanto à forma incomum do esqueleto, Ortiz assegurou que “em geral, os fetos de animais têm a cabeça maior do que o corpo”. Ele explicou que quando se congela uma criatura, esta se desidrata, sua massa muscular se contrai e encolhe, mas o crânio e ossos não sofrem transformações.
Esta poderia ser a razão que explicaria o tamanho desproporcional da cabeça do ser em relação ao corpo. Jorge Artigas, curador do Museu de Zoologia da Universidade de Concepción, preferiu não se referir ao tema sem antes realizar análises no cadáver e lamentou que não poderia levá-lo para estudos, posto que conta com todo o equipamento e pessoal necessário para examinar este tipo de fenômeno em seu laboratório. E assim a polêmica seguiu, aquecida por ufólogos, que defendiam a origem extraterrestre para a criatura, e cientistas, que dividiram-se entre hesitantes e decididos a atribuir origem zoológica para o estranho ser. Enquanto isso, as notícias sobre o assunto corriam o mundo, principalmente através da internet. Em 23 de outubro veio a público o médico cirurgião e psiquiatra Mário Dussuel, um dos correspondentes da Revista UFO no Chile e especialista em abduções, que analisou o ser encontrado, declarando que o mesmo apresentava composição biológica distinta de um ser humano e de felinos. “Estaríamos diante de um caso que poderia causar uma revolução internacional de repercussões inesperadas”, assegurou.
“Tive este estranho ser em minhas mãos”, disse o doutor Dussuel. “Estava mumificado, mas seus olhos me chamaram atenção. Eles estavam localizados na laterais do crânio, que tinha os lóbulos temporais muito marcados e uma composição harmônica. Os dedos não têm nada a ver com os de animais e possuem uma cobertura muito fina”, explicou. Dussuel disse ainda que seria necessária a realização de uma microscopia eletrônica para estudar suas células e tecidos. “É muito importante realizar este tipo de estudo, assim como tomar uma amostra de DNA. Com isso se poderia confirmar se o cadáver tem ou não uma composição biológica distinta da do ser humano”, precisou.
Como psiquiatra, entrevistou cada membro da família, tentando procurar sinais de que tudo não passasse de um truque ou montagem, mas nada encontrou. Alguns dias depois, em 26 de outubro, o veterinário e professor da Universidade Sant Tomás, Arturo Mann, após estudar o organismo desconhecido, declarou se tratar do animal Monito del Monte, vulgarmente chamado de Chimaihuén, um mamífero marsupial semelhante a um rato que habita cerrados e bosques úmidos, com rotinas noturnas. O doutor Mann declarou à imprensa que se arriscava a dizer que, pelo tamanho, forma e mandíbulas, seria o tal marsupial, ainda que no Chile seja muito raro de se encontrar. “Não temos a sorte da Austrália, que tem marsupiais como os cangurus, pois os nossos são mais parecidos com ratos. As pessoas não os conhecem e para capturá-los seria necessário colocar armadilhas”, afirmou Mann. Em sua opinião, o exemplar em poder da família Henríquez não seria um feto humano. Poderia ser um recém nascido ou muito jovem, mas para se ter absoluta certeza seria necessária a realização de uma radiografia.
Conjecturas sem Resultados — A pergunta que se faz é simples: por que tais exames, tão corriqueiros no mundo científico, não foram realizados para se sanar as dúvidas de uma vez por todas? Ao contrário, apesar dos intensos debates que mobilizaram parte do país, só foram apresentadas conjecturas e nenhum resultado de exames, que encerraria de vez com a polêmica. Tomou parte dos debates a Ovnivisión [http://www.ovnivision.cl], uma entidade ufológica dedicada a investigar avistamentos de UFOs e analisar este tipo de ocorrência em vários países da América Latina. Mas, curiosamente, seus membros deram-se por satisfeitos com as lacônicas explicações científicas e consideraram encerrado o enigma. “Apesar de toda a
dúvida que se gerou, porque o ser é realmente estranho, sempre no final as pistas se apontam para a Ciência. Essa é a idéia”, declarou o jornalista e ufólogo Christian Riffo, titular da entidade no Chile.
A respeito das conclusões veterinárias apresentadas à imprensa, Riffo reconheceu que “às vezes é complicado aproximar-se dos cientistas. Mann me conhece e a ele interessam os temas que podem ser resolvidos”. Como era de se esperar, a explicação dada pelo doutor Mann levantou uma série de controvérsias entre os ufólogos do país. O mesmo cientista declarou noutro programa, em rede nacional, quando indagado a respeito de várias mortes de gado no norte do Chile, que os culpados seriam cães, informação que oficialmente nunca foi confirmada. Sem realizar qualquer análise, Mann descartou totalmente o mistério que envolveu uma das maiores ondas mundiais de mutilação de animais, tema da edição 81 de UFO. Tal onda se concentrou na Argentina, mas também se manifestou no Paraguai, Chile e Uruguai, entre abril e setembro de 2002. Mais de 800 animais foram mortos de maneira misteriosa e inexplicável, mas para o veterinário chileno, que agora encerrava a polêmica da estranha criatura de
Armando, tudo foi obra de cães…
As lacunas nas explicações oficiais motivou uma equipe de profissionais do Instituto Neurológico e Diagnóstico Veterinário a iniciar, em 31 de outubro, novos estudos do misterioso ser. As diligências foram solicitadas por uma corporação chefiada pelo proeminente médico Enzo Bosco. “O que nós vamos fazer éprimeiro, um estudo sério para determinar e elucidar de uma vez por todas aquilo que estamos observando”, declarou Bosco, que afirmou que reuniria uma equipe de especialistas para realizar todos os exames que forem necessários. “O fato parece muito interessante. Pude ver e crer que existem vários detalhes que chamam a atenção na criatura. Mas, para chegar a uma conclusão, teremos de usar o método científico”, declarou o médico.
Entretanto, para surpresa de todos, uma semana depois, através de um comunicado oficial, o Instituto Neurológico anunciou estar deixando de lado a investigação do Caso Toy – nome com o qual ficou conhecido o pequeno ser. Em reunião da diretoria da entidade e por decisão unânime, decidiu-se o encerramento das investigações, que mal haviam começado. Funcionários do Instituto Neurológico declararam que tal decisão se fundamentava no acúmulo de pressões que estavam sendo feitas sobre a família Henríquez, assim como sobre o diretor de investigações. “As pressões são contraproducentes para levarmos a cabo uma investigação séria, como requer este caso em particular”, declarou Enrique Sepúlveda Sariego. Erick Martinez, membro da entidade, em entrevista ao programa Mundo Espacial, da Rádio Portales, disse em 11 de novembro que, “na verdade, a razão é especificamente econômica, pois não temos condições de trabalhar com a urgência que nos está sendo cobrada”.
O comunicado não esclareceu quais teriam sido, realmente, as pressões exercidas sobre os envolvidos no caso, mas comenta-se que se tratou de uma série de contatos telefônicos com ameaças para não se seguir adiante com as investigações. Nada foi confirmado, no entanto. De qualquer forma, o caso deixou repentinamente de ser pesquisado também pelos grupos ufológicos locais e, logo, nenhuma nova notícia se conseguia a respeito do estranho ser, que misteriosamente sumiu da imprensa local. Muitas perguntas, no entanto, começaram a circular. O que estariam tentando ocultar? Por que nenhuma instituição de pesquisa chilena seguiu com a investigação? Por que exames rotineiros neste mundo tão tremendamente tecnológico e globalizado deixaram de ser aplicados, para se confirmar ou desmentir a afirmação de Arturo Mann? Poderia se tratar de uma nova espécie de animal, ainda desconhecida da Ciência? Ou de uma criatura alienígena?
Entidade Desconhecida — Em novas entrevistas realizadas e confrontado com indagações emitidas por outros cientistas e especialistas, o doutor Mann concordou que havia a possibilidade de 10% de estar enganado em suas opiniões anteriormente emitidas. Então, sua afirmação de que o ser seria apenas o marsupial Monito del Monte não poderia ser tomada como um fato definitivo. Outros cientistas, como o doutor Sebastián Jiménez, veterinário e diretor do Zoológico de Santiago, declarou no programa Megavisión que, sem exames apropriados, nenhuma conclusão científica poderia ser obtida sobre a natureza da criatura. Outro veterinário, Pedro Katún, da Universidade do Chile, também disse que não podia determinar de que espécie se tratava o bicho. Ora, sabe-se que o único exame realizado por Mann foi visual, sem auxílio de microscópio ou de outro instrumento óptico. Como pode ser aceita a opinião de um só cientista, se todos os outros declaram não poder fazê-lo?
O mistério sobre o Caso Toy continuará intrigando aqueles que verdadeiramente se interessam em investigar (ou desmistificar) intrigantes descobertas, como foi este episódio, que irá somar-se a muitos outros sem solução. Mas seria realmente um Monito del Monte, cujo nome científico é Dromiciops australis? Existem duas espécies de marsupiais nos bosques temperados e ambas se encontram nas áreas costeiras e andinas. A Dromiciops gliroides (ex australis) pode ser encontrada no sul do Chile, vivendo em ambientes cerrados, bambuzais e bosques úmidos. Os bichos dessa espécie têm hábitos noturnos e se alimentam de pequenos insetos. Este pequeno marsupial também é considerado um “fóssil vivo”, o único representante de uma ordem de marsupiais agora extintos. Esta espécie é o remanescente vivo exclusivo da fauna do super continente Gondwana e sua origem remonta ao período Mesozóico, aproximadamente 100 milhões de anos atrás, quando o continente gondwanico se encontrava unido. O outro marsupial, ou Comadreja Trompuda (Rhyncholestes raphanurus) é muito raro e só tem sido observado em uma localidade perto do Vulcão Osorno, também no Chile.