Em 1960, o astrônomo Frank Drake apontou um único radiotelescópio para duas estrelas próximas do Sistema Solar buscando algum sinal de civilizações alienígenas. Desde então, a procura se tornou consideravelmente mais tecnológica através de iniciativas como o Projeto SETI, o programa de busca por vida extraterrestre inteligente. Hoje, entre os principais nomes nessa área, que já teve como patrono ninguém menos do que Carl Sagan, está Gerry Harp, do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos dos Estados Unidos. No meio desse ano, ele assumiu o cargo de diretor de pesquisa do programa, antes ocupado pela famosa astrônoma e pesquisadora Jill Tarter, e promete impulsionar suas atividades [Veja artigo sobre a aposentadoria da astrônoma nesta edição].
A mudança no SETI pode de fato ser benéfica para o programa, pois o novo diretor de pesquisas traz consigo uma visão renovada para dar continuidade às tentativas de “ouvir” sinais inteligentes do espaço. Como se sabe, o SETI vem sendo duramente questionado pela comunidade científica e, sobretudo, pela sociedade por não apresentar resultados em quase seis décadas de atividades. Mas se estas são as críticas dos cientistas e da população em geral — que agora podem ser atenuadas com novos procedimentos iniciados por Harp —, os ufólogos têm questionamentos ainda mais contundentes quanto ao uso de tanta verba para um programa que não dá resultados, enquanto os avistamentos de UFOs abundam e as evidências de que estamos sendo visitados por outras espécies cósmicas são inquestionáveis.
Gerry Harp não entra na discussão com os ufólogos, ao contrário, por exemplo, de Seth Shostak, astrônomo do programa, e Neil Tyson, um de seus astrofísicos, que argumentam simplesmente que não existem informações de credibilidade sobre o que alegam os estudiosos dos discos voadores. Harp acha que a busca por sinais de vida inteligente é uma atividade diversa que pode ser aperfeiçoada. Nesta entrevista, ele comenta o histórico do SETI e o que pretende fazer para melhorar seus resultados, mas dá um sinal de ceticismo com relação ao seu próprio trabalho, quando diz que “devemos refletir sobre o papel do ser humano na galáxia e no universo, mesmo que não encontremos outra espécie como a nossa”.
O SETI dispõe, entre seus instrumentos, do Allen Telescope Array [Arranjo de Telescópios Allen, ATA], que é o único projetado especificamente para procurar sinais de rádio gerados por inteligências extraterrestres. Como ele funciona? O ATA é um arranjo de 42 antenas parabólicas sincronizadas, cada uma delas fazendo a medição das ondas eletromagnéticas que nos chegam do espaço. Os sinais são recolhidos e combinados para montar um panorama instantâneo de um vasto campo espacial — é como se o conjunto de antenas fosse uma só, gigante. Mas podemos também repartir as antenas em até três diferentes grupos e depois voltá-las para pontos distintos no céu e termos, assim, três diferentes alvos sendo pesquisados de uma só vez. Isso não apenas acelera a nossa busca, como nos dá a vantagem de receber sinais de rádio diferentes. Todos os dias detectamos muitos sinais artificiais, mas ainda não conseguimos “ouvir” nada que venha de fora…
De que maneira se captam estes sinais terrestres, que vocês no SETI chamam de interferência? Quando detectamos um sinal em um determinado ponto e depois encontramos este mesmo sinal em outro local, apontando para uma direção distinta, concluímos que deve ter saído da Terra. Temos muitas fontes que podem causar interferências, como centenas de satélites geossíncronos [Cujas órbitas acompanham a rotação da Terra], além dos milhares de satélites normais que têm órbita a baixa altitude.
Que tipo de sinal inteligente vocês procuram, exatamente? Procuramos um sinal típico de banda muito baixa, de cerca de um hertz de amplitude. Isso porque não existe sinal natural tão estreito quanto o de um hertz. Portanto, se um deles chegasse até nós, vindo do espaço, isso significaria que tem origem extraterrestre ou, no mínimo, que seria um artefato astrofísico muito interessante. A procura sempre foi um jogo de apostas. Desde o início do SETI, Frank Drake imaginou que outras espécies cósmicas nos mandariam um sinal de banda muito estreita — uma boa suposição que depois viria a ser sustentada pela ciência. Mas descobertas mais recentes nos têm feito perguntar de que outra forma elas poderiam nos mandar sinais e como deveríamos procurá-los? Precisamos desenvolver métodos para descobrir isso.
Por que seria uma boa aposta supor que uma civilização alienígena nos mandaria sinais em banda estreita? Isso tem a ver com o que acontece com esses sinais quando se propagam entre as estrelas, no que chamamos de meio interestelar — isso é, o gás residual da formação das estrelas. Como parte desse gás é ionizado, há elétrons livres nele. A luz interage com esses elétrons e tem sua velocidade alterada, sendo que as frequências altas são menos afetadas e viajam mais rápido, chegando antes das frequências mais baixas — isso se chama dispersão. Quando há um sinal muito estreito, temos apenas uma frequência envolvida, e então não importa que ele demore mais a chegar, porque estará intacto ao atingir seu destino, a Terra.
E por que essa aposta passou a ser tão questionada recentemente? Nos últimos anos trabalhamos em novos projetos para utilizar nossos telescópios de modo diferente, a fim de expandir o SETI para além do que ele tem sido desde sua fundação. Passamos a considerar que talvez os ETs não enviem um sinal tão estreito, como supomos, porque a própria comunicação humana tem sido por meio de bandas cada vez mais largas. Um sinal muito estreito, de apenas um hertz, leva porções muito pequenas de informação consigo. Já um sinal de 3.000 hertz, por exemplo, pode carregar até 1.500 bits por segundo. Muita gente no programa pensa que, se os ETs tiverem o trabalho de desenvolver um sinal que chegue até nós, certamente seria algo que pudesse transportar alguma informação.
Como vocês procuram sinais de banda larga no instituto? Recentemente passamos a utilizar os radiotelescópios de forma distinta, como um interferômetro — um sistema de imagem nos dá a capacidade de formar, em vez de três cenários, 1.250 cenários de uma só vez no campo de visão. Com esse método, podemos cobr
ir uma área muito maior do céu com o mesmo nível de sensibilidade.
O senhor considera uma surpresa o SETI não ter encontrado nenhum outro sinal promissor depois daquele Wow, captado pela Universidade de Ohio em 1977? O sinal Wow [Uau] jamais foi ouvido novamente. Como se sabe, ele foi o mais forte candidato de uma possível comunicação de origem extraterrestre detectado até agora, mas que infelizmente não pode ser confirmada [Veja box]. Na verdade, já ouvimos muitos sinais desse tipo, mas eles são captados apenas uma vez e depois desaparecem — e para serem candidatos à comunicação extraterrestre, têm que ocorrer mais de uma vez. Acho que a ausência de algo empolgante nos últimos 35 anos se deve ao fato de termos tomado a decisão de retirar as pessoas do serviço e deixar que os computadores façam seu trabalho, com algoritmos cientificamente válidos.
Logo o SETI poderá contar também com outro poderoso aliado, o Square Kilometre Array [Arranjo de Telescópios de Um Quilômetro Quadrado, SKA], que será construído na Austrália e na África do Sul e passará a ser o maior conjunto de radiotelescópios do mundo. O que espera desta inovação? O SKA será um telescópio incrivelmente grande e sensível. Com ele poderemos “olhar” estrelas muito mais distantes e detectar sinais bastante fracos, que hoje não conseguimos “ouvir”. Para se ter uma ideia, o ATA, mesmo ampliado para 350 antenas, terá apenas 1% da capacidade do SKA. Com ele teremos um alcance inédito, que nos proporcionará uma nova perspectiva de pesquisa do espaço.
Existe hoje algum grande desafio às atividades do SETI? Sim. Há mais de uma década que não recebemos financiamento do governo. A Fundação Nacional de Ciências e a NASA, só para citar dois órgãos que as pessoas imaginam que estão apoiando o SETI, não nos ajudam de forma alguma. Talvez, se a sociedade soubesse disso, se perguntaria por que motivo nosso programa não recebe o apoio que deveria. Na verdade, existe certa miopia e verdadeira falta de vontade para apoiar uma área científica de risco, como a busca de sinais de outras inteligências, mas que pode trazer grandes resultados.
Deve ser difícil demonstrar resultados aos potenciais financiadores do SETI, já que vocês procuram há décadas e ainda não encontraram nada. Mas a busca de sinais que fazemos hoje não se compara com a que era feita há 35 anos — atualmente a pesquisa está em crescimento contínuo. Hoje podemos captar e filtrar muito mais sinais, pois examinamos milhões de frequências de uma só vez. E agora estamos começando a trabalhar também com a técnica de multibeam [Múltiplos raios]. Estamos aprendendo muitas coisas, embora o que temos feito até agora seja apenas uma gota no oceano.
Há alguma declaração oficial que o senhor possa fazer sobre os resultados do SETI até o momento? Somente quando tivermos informações completas sobre os sinais que nos chegam do espaço é que poderemos fazer declarações sobre a probabilidade de vida inteligente na galáxia. Mas, para nós, mesmo um resultado nulo é um resultado positivo, porque significaria que podemos expandir os limites de nosso trabalho para outras frequências que possibilitam entender a vida como a que conhecemos. Até o momento, não temos resultados que nos permitam dizer algo além de declarações excluindo hipóteses. Ainda assim, devemos refletir sobre o papel do ser humano na galáxia e no universo, mesmo que não encontremos outra espécie como a nossa.
Ouvi dizer que o senhor e sua equipe têm sempre uma champagne no gelo, por via das dúvidas… É verdade. Mas a cada dois anos nós a abrimos e bebemos, porque a champagne não dura muito tempo, e então substituímos aquela garrafa. Nós comemoramos o que conseguimos até aquele momento, depois continuamos o trabalho normalmente.
O sinal que quase consagrou o SETI
O chamado sinal Wow [Uau] permanece um mistério desde sua captação, em 15 de agosto de 1977, no desativado Observatório Radioastrônomico Big Ear, da Universidade de Ohio. A detecção reuniu todas as características descritas nos protocolos do Projeto SETI para configurar uma comunicação de outras inteligências cósmicas. A transmissão de 72 segundos, vinda da Constelação de Sagitário, motivou o astrônomo Jerry Ehman, que estava de plantão no órgão, a escrever à mão a palavra “wow” na folha de registros, equivalente à nossa expressão “uau”.
Sua recepção causou enorme empolgação entre os engenheiros e técnicos do SETI, que chegaram a comemorar precipitadamente. Porque, como o sinal não se repetiu, e nenhuma outra transmissão foi recebida daquela região do espaço, ele acabou não sendo considerado uma prova de vida extraterrestre inteligente. “Foi muita empolgação”, teria dito Ehman. Até hoje os membros do programa esperam receber outro sinal do gênero, mas que, para ser considerado de origem inteligente, tem que passar por todas as provas e ainda ser repetido.