A vida extraterrestre é uma grande aposta da ciência moderna e, a convicção, não parte apenas de cientistas brasileiros, como também de norte-americanos e europeus. “A expectativa imediata não é encontrar vida complexa, muito menos inteligente, embora também não esteja descartada. Por enquanto, a busca é por vida microbiana, bacteriana”, informa Amâncio Friaça, pesquisador na área de astrobiologia, cosmologia, evolução química, evolução de galáxias e meio intergaláctico, livre-docente da Universidade de São Paulo (USP).
Os cientistas também acreditam na vida abaixo da superfície dos planetas, assim como, da mesma forma, sua existência complexa não é algo a ser descartado. A crença faz com que as pesquisas abarquem também espeleologistas (estudiosos de cavernas), além daqueles que pesquisam geleiras, por exemplo. Alguns deles, que integram o grupo o qual pertence Friaça, têm como alvos o deserto de Atacama, no Chile, e o Permafrost (terra, gelo e rochas permanentemente congelados) da Sibéria. A meta, mais uma vez, é encontrar vida microbiana. “Existe também um lago subglacial na Antártida, que é o mais fundo do mundo. Está a mais 3,8 quilômetros de gelo. Soubemos dele por imagens de radar e esperamos utilizá-lo como laboratório. A maior parte da vida é microbiana e representa 90% da massa biológica, a complexa representa só 10%. Quando se faz um buraco e sai aquele cheiro de podre, significa que foram encontradas bactérias. Elas continuam a vários quilômetros de profundidade”, acrescenta Friaça.
De acordo com ele, o trabalho interdisciplinar nessa área envolve várias dimensões, como pesquisa em laboratório, observação e até missões dentro do Sistema Solar, por exemplo. As condições de Marte, da lua de Júpiter chamada Europa e a de Saturno batizada como Titã, também estão sob investigação. “Marte pela semelhança com a Terra. Não tem água líquida em quantidade na superfície, mas já teve no passado. Pode ser que tenha água líquida subterrânea. Já Titã representaria o outro lado da vida. Não tem como biossolvente a água, mas o metano, outra substância orgânica”, explica o cientista. É como se fosse uma grande lagoa de gasolina, onde pudesse surgir uma forma diferente de organismos. Já a Europa tem gelo na superfície e, abaixo dela, um oceano subglacial. “Está a 300 km abaixo da superfície, é difícil de explorar”, admite.
Um outro meio de pesquisa são as simulações em laboratório. O Instituto Nacional de Ciências do Espaço (Inespaço), por exemplo, inaugurou no ano passado, em Valinhos, um laboratório que contará com uma câmara de simulação de vidas extraterrestres. “Vamos utilizá-la para simular condições do Sistema Solar”, explica. As hipóteses também estão sob a análise de cientistas no mundo. “No Sistema Solar até é possível que a vida tenha surgido em Marte e depois vindo para cá”, comenta Friaça. Segundo ele, atualmente os pesquisadores testam a chamada panspermia, ou seja, a possibilidade de um planeta inseminar o outro. “Funciona assim: existe um impacto, voa um pedaço de rocha e dentro dela tem vida, que anda pelo espaço até cair em outro planeta. Na Terra pode ter se originado em Marte, por exemplo”, reitera. Também explica que prevalece no meio científico a hipótese que a Lua seja uma parte do nosso planeta. “Quando nosso orbe estava se formando, recebeu o impacto de um corpo quase do tamanho de Marte, que jogou para fora um pedaço da própria Terra”, explica. Nesse período, ainda era líquida, mas de massa menor. Sob essa hipótese, a superfície da Lua teria tornado sólida antes. Atualmente, suas condições são bem diferentes às do planeta que a teria gerado.
“A vida microbiana é muito mais provável de acontecer do que a complexa e, quando falo em complexidade, me refiro a um verme, por exemplo”, ressalta. Conforme ele, a existência inteligente é muito mais complicada porque teria de passar por vários episódios esterilizantes e sobreviver a todos eles. O pesquisador se refere a coisas que caem do céu, como o asteróide que acabou com os dinossauros. “A Terra é muito privilegiada, ela tem a Lua que a protege. Antes de chegar por aqui, provavelmente as coisas chegarão ao nosso satélite antes”, comenta Friaça. “Ela estabiliza nosso eixo de rotação, que varia muito pouco – entre 22 e 25º. Isso faz com que o clima seja estável. Tão logo a Terra teve condições de ter uma crosta sólida, aparece vida. Foi muito rapidamente”, informa.
Antes, porém, o planeta passou por um período de tormenta. Nos primeiros 300 milhões de anos, era um impacto atrás do outro. Quando completa aproximadamente 3,5 bilhões de anos, a vida complexa aparece (quem sabe em forma de um verme). “E era vida microbiana, temos microfósseis. Esse aparecimento rápido nos leva a crer que seja um fenômeno comum, nos estimula a procurar em outros lugares. Mas como ela exatamente aparece não sabemos”, admite. Certo é que quanto mais instável o planeta, mais difícil da vida surgir. Por essa razão, os extremófilos tornaram-se um atraente campo de estudo, são organismos que conseguem sobreviver ou até necessitam fisicamente de condições geoquímicas extremas, prejudiciais à maioria das outras formas organismos na Terra. Estão presentes no fundo dos oceanos, em lagos ácidos, em fundo de geleiras e até em reatores nucleares, por exemplo. “Se houver vida em outros planetas, é muito parecida com os extremófilos. A microbiana causa impacto profundo no planeta. No nosso caso, o oxigênio foi produzido pelas bactérias comuns (não as extremófilas). Na superfície, elas alteram completamente as condições”, garante.