Praticamente todos os elementos químicos mais pesados do que o hélio exigem as condições extremas encontradas no interior das estrelas para se formarem. No caso do carbono – fundamental para a vida na Terra – é necessário que seu núcleo passe por um certo estado intermediário especial – chamado estado de Hoyle -, para que ele possa se formar no interior das estrelas. Essa situação é uma forma do núcleo de carbono rica em energia, uma espécie de passo intermediário entre o núcleo de hélio e o núcleo de carbono, muito mais pesado.
O problema é que os cientistas vinham tentando calculá-lo há quase de 60 anos, sem sucesso. Se o estado de Hoyle não existisse, as estrelas poderiam gerar apenas quantidades muito pequenas não apenas do carbono, mas também de outros elementos mais pesados, como oxigênio, nitrogênio e ferro. Ou seja, sem esse passo intermediário, o universo não seria mais do que uma massa gasosa ou gelatinosa, com muito poucos elementos pesados.
Sem esse tipo específico de núcleo de carbono, a vida como a conhecemos não teria sido possível e, eventualmente, nem mesmo o universo como o conhecemos. Mas a vida e o universo existem, com todos os elementos pesados, logo, a peça que faltava ao quebra-cabeças deveria estar em algum lugar.
Estado de Hoyle
O processo de formação do carbono no interior das estrelas é chamado processo triplo alfa: duas partículas alfa, que são núcleos de hélio, reagem para formar o berílio-8, que, por sua vez, reage com uma terceira partícula alfa para formar o carbono-12. Esse, contudo, não é o carbono-12 que conhecemos hoje, mas um estado especial de alta energia, ou estado de Hoyle.
O estado de Hoyle não é exatamente um átomo, mas um estado de ressonância, o que significa que ele não pode ser localizado espacialmente e tem uma meia vida finita, determinada pela energia que falta para o limite de emissão da partícula. Apenas 1 em cada 2.500 estados de ressonância vão de fato decair e gerar um carbono-12 estável, como o conhecemos.
Fred Hoyle previu o estado de ressonância em 1954 e, para sorte da vida, e eventualmente de todo o cosmos, alguns anos depois experimentalistas comprovaram sua existência. Contudo, até agora, ninguém havia conseguido entender exatamente o estado de ressonância e descrevê-lo matematicamente.
“Mas agora, nós conseguimos”, comemorou o Dr. Ulf-G. Meibner, da Universidade de Bonn, da Alemanha. “As tentativas de calcular o estado de Hoyle têm fracassado desde 1954”. Imagine o estado de Hoyle como uma estrada única que interliga dois vales separados por uma cadeia de montanhas. No primeiro vale, todos os caminhos levam a essa única estrada – sem ela, não dá para chegar ao próximo vale.
No primeiro vale, tudo o que se dispõe é de três núcleos de hélio. Eles devem se dirigir para a passagem e, do outro lado, deve emergir o muito mais pesado átomo de carbono. O problema é como esses três núcleos fracamente ligados – praticamente uma “nuvem” de núcleos de hélio – se condensam no átomo de carbono. “Isto é como se você quisesse analisar um sinal de rádio, onde um transmissor principal e vários transmissores escravos estivessem interferindo uns com os outros”, ilustrou o Dr. Evgeny Epelbaum, coautor da pesquisa.
O transmissor principal é o núcleo estável de carbono a partir do qual a vida se estruturou. “Mas estamos interessados em um núcleo de carbono instável e cheio de energia, por isso temos de separar o sinal mais fraco do transmissor de rádio daquele sinal mais forte dominante, por meio de um filtro de ruído”, explicou Epelbaum.
Segundo os pesquisadores, esses cálculos vinham fracassando porque não se estava adotando uma precisão suficiente paras as forças atuando entre os diversos núcleos – é o que os cientistas chamam de cálculos de primeiros princípios, que partem das forças mais fundamentais da natureza para simular a evolução, neste caso, dos átomos de carbono.
Depois de uma semana ininterrupta de uso de um supercomputador, os cientistas obtiveram resultados que coincidem tão bem com os dados experimentais que eles acreditam ter de fato calculado o estado de Hoyle.
Princípio antrópico
“Agora nós podemos analisar esta forma essencial do núcleo de carbono em cada detalhe”, disse o Dr. Meibner. “Nós iremos determinar seu tamanho e sua estrutura. E isso também significa que agora poderemos analisar em detalhes toda a cadeia de formação dos elementos químicos”.
Durante décadas, o estado de Hoyle foi o melhor exemplo para a teoria de que as constantes fundamentais da natureza devem ter precisamente os seus valores verificados experimentalmente, e não quaisquer outros, pois, caso contrário, não estaríamos aqui para observar o Universo – este é o chamado princípio antrópico.
“Para o estado de Hoyle, isso significa que ele deve ter exatamente a quantidade de energia que ele tem, ou então nós não existiríamos”, afirmou o Dr. Meibner. “Agora nós podemos calcular se, em um mundo diferente, com outros parâmetros, o estado de Hoyle teria de fato uma energia diferente quando comparado com a massa de três núcleos de hélio”. Se isto se confirmar, os cálculos validariam o princípio antrópico.