Pesquisadores propõem solução para enigma elaborado por Stephen Hawking. Estudo é debatido há um ano e passou pelo crivo de publicação rigorosa; autor diz que pode testar idéia em acelerador de partículasUm trio de físicos está propondo uma solução inusitada para um enigma que desafia a ciência há mais de 30 anos. Tanto a elaboração do problema quanto a solução oferecida são bastante complexos, mas o resultado final de tudo pode ser resumido de maneira simples: buracos negros não existem.
A alegação, afirmam seus autores, é a resposta para um enigma proposto pelo britânico Stephen Hawking, mais conhecido como autor do livro “Uma Breve História do Tempo”, portador de uma doença neurológica que o deixou paralisado. A inexistência dos buracos negros foi proposta por grupo de físicos da Universidade Case, de Cleveland (EUA), em um estudo que já está circulando há alguns meses entre a comunidade de físicos teóricos. Só agora, porém, o trabalho foi aceito para publicação em uma revista com um crivo rigoroso, a “Physical Review D”.
Com 15 páginas cheias de equações e diagramas, Dejan Stojkovic, Lawrence Krauss e Tanmay Vachaspati detalham a sua proposta de solução para o que os físicos conhecem como o “paradoxo da informação”. O problema está ligado à natureza dos buracos negros, objetos cósmicos tão maciços que sua gravidade captura tudo o que está em volta e não deixam escapar nada -nem mesmo a luz. Segundo a concepção clássica, buracos negros são produzidos quando uma estrela maciça demais implode. Toda sua massa fica concentrada em um ponto de dimensão zero, chamado de “singularidade”. Nada que se aproxime além de uma certa fronteira, chamada de “horizonte de eventos”, escapa à fome do mostro.
O problema é que esse conceito entra em conflito com a física quântica, conforme o paradoxo proposto por Hawking em 1974. Segundo ele, um buraco negro não é um monstro imortal que só faz crescer. Se esses objetos cósmicos ficarem muito tempo sem nada para engolir, eles acabam perdendo massa na forma de radiação e finalmente morrem. O problema é que essa morte aniquilaria toda a informação contida na matéria engolida pelo buraco negro.
Isso vai contra leis básicas da física quântica, segundo a qual a informação pode ser transformada, mas nunca aniquilada. Ao propor que buracos negros não existem, o grupo de Krauss oferece uma solução para o enigma. “Se estivermos corretos, nenhuma informação será perdida ao atravessar o horizonte de eventos de um buraco negro, porque esse horizonte jamais se formaria”, disse Krauss à Folha. “Nós tivemos um bocado de discussão com muitos colegas, e muitos deles estão céticos, mas até agora ninguém conseguiu oferecer uma razão definitiva pela qual isso não esteja correto”.
Apesar aceito pela “Phisical Review”, porém, o novo estudo ainda deve passar pelo crivo da comunidade científica para deixar de ser tido como proposta intelectualmente isolada. Segundo o físico Daniel Vanzella, professor da USP de São Carlos, não é a primeira vez que alguém postula a inexistência de buracos negros. Mas, na maioria das vezes em que isso ocorreu num passado recente, físicos não demoraram a encontrar erros em contas ou problemas de interpretação nos estudos. “Na minha opinião, esse trabalho merece uma análise mais cautelosa”, afirma. “Certamente a comunidade vai olhar com carinho e cuidado esse paper [estudo]”.
O físico Marcelo Gleiser, professor do Dartmouth College (EUA) e colunista da Folha, classificou o novo trabalho como “interessante” e “elegante”, mas “inconclusivo”. “Talvez seja um passo na direção certa, mas falta muito para se concluir se de fato não existe paradoxo de informação”, afirmou. “Como todas as novas idéias em ciência, ainda é cedo para concluirmos algo de concreto”. Como afinal de contas o grupo de Krauss (também conhecido com autor de livros de ciência para leigos, como “A física de Jornada nas Estrelas”) conseguiu “destruir” os buracos negros? E que são, afinal, os objetos escuros e maciços que os astrônomos acreditam ser buracos negros?”. Estamos propondo que objetos colapsados que parecem ser buracos negros nascentes, na verdade, não vão se contrair além de seus próprios horizontes de eventos, e portanto não se tornarão buracos negros verdadeiros”, diz Krauss. Segundo ele, a matéria concentrada no local evaporaria toda na forma de radiação, assim como Hawking previu, só que antes de o buraco negro se formar. O que existiria, então, é uma espécie de “quase-buraco negro”.
“Mas nossos resultados são mesmo sugestivos, não conclusivos”, afirma o físico americano. “Mandamos o artigo para o Stephen [Hawking], mas ele ainda não respondeu”.Segundo Gleiser, um dos problemas de extrair muitas interpretações do novo artigo é que os autores usam um modelo matemático “muito idealizado” para descrever o colapso de um estrela, um fenômeno extremamente complexo. “Uma estrela é maciça, e eles pegam um sistema muito mais simples que isso, que é como se fosse uma casca esférica colapsando”, diz Vanzella. Além da simplificação, Krauss interpretou seus cálculos da perspectiva de um observador externo, para solucionar um problema ligado à teoria da relatividade. “Um observador longe de um objeto em colapso o veria “congelar” à medida que começasse a se aproximar do limite de se tornar um buraco negro”, explica. “O relógio de um observador externo anda num ritmo diferente daquele de alguém que está caindo lá”. Segundo os autores, a conclusão poderá ser testada no LHC, o mega-acelerador de partículas a ser inaugurado em 2008. Essa maquina será capaz de produzir minúsculos buracos negros (ou o que quer que sejam). O tipo de radiação que emitirem revelará o que são.