A existência de formas de vida extraterrestre inteligente e suas visitas ao nosso planeta são algumas das maiores indagações do ser humano. E, adjacentes a ela, incontáveis conjecturas são feitas com o intuito de dar sentido a muitos mistérios que se apresentam com frequência àqueles que se mantêm sintonizados nos noticiários locais e internacionais. Um deles, seguramente dos mais desconcertantes, são os já habituais círculos em plantações ou agroglifos. Eles estão entre os mais fantásticos enigmas da Ufologia, causando perplexidade até mesmo em pesquisadores veteranos. Mas também são cotidianamente fraudados por quem quer prejudicar o estudo sério do tema.
Justamente no apagar das luzes de 2013, ufólogos e aficionados pelos agroglifos pareciam ter ganhado seu presente de Natal: um enorme círculo de 95 m de diâmetro surgiu no estado norte-americano da Califórnia, com direito até à filmagem das luzes de supostas sondas ufológicas que o teriam produzido. O episódio ganhou rapidamente os noticiários de todo o planeta e a Comunidade Ufológica Mundial entrou em êxtase com o novo caso, ocorrido bem perto do festejado Vale do Silício, o lugar mais tecnológico da Terra.
Tudo começou cedo na segunda-feira, 30 de dezembro, quando a calmaria de fim de ano foi quebrada com a informação de que um agroglifo havia sido filmado por uma fotógrafa profissional ao sobrevoar, durante uma viagem de negócios, a pequena localidade de Chualar, a 16 km de Salinas, no centro da Califórnia. Concomitantemente, era divulgado no Youtube um vídeo em que dois rapazes afirmam ter filmado, na madrugada daquele dia, luzes sobre uma plantação de cevada à beira de uma estrada naquela área. Ao descerem do carro gravando tudo com um telefone celular, puderam perceber que, além das estranhas luzes, folhas dobradas de forma estranha se espalhavam pelo chão de uma fazenda, dando a impressão, segundo seus próprios comentários na gravação, de que se tratava de um agroglifo.
A notícia se espalhou como fogo em palha seca e em questão de horas debates acalorados já se faziam presentes nos principais sites e fóruns de Ufologia e assuntos correlatos por todo o planeta, mobilizando um exército de pesquisadores e curiosos. A palavra debates foi usada propositadamente aqui, visto que, mais do que a notícia em si, a própria origem do agroglifo se mostrava, no mínimo, passível de controvérsia. Vejamos a seguir alguns pontos que deram origem a tal polêmica.
Indícios de fraude
A filmagem dos dois rapazes, que em poucas horas recebera milhares de visualizações no site, não passava de uma versão piorada do filme Bruxa de Blair [1999], no qual eles encenavam claramente — pelo menos para boa parte dos pesquisadores — suas falas e ações. Acrescente-se que seus rostos nunca aparecem e a câmera trêmula, em uma tentativa de dar autenticidade à gravação, nunca focaliza pontos importantes por tempo prolongado, como as luzes em si e uma visão mais geral do campo, ainda que fosse noite, quase alvorecer. Em questão de segundos a dupla chega à conclusão de que se tratava de um agroglifo, a despeito da precariedade de iluminação natural. Então, a filmagem é interrompida abruptamente com pouco mais de dois minutos e o vídeo é postado em 30 de dezembro de maneira anônima no Youtube.
Os dados acima já deixariam margens a muitas dúvidas sobre o objetivo do agroglifo, levando muitos a crer de imediato que se tratava de um chamado viral da internet, comercial ou não. Mas a coisa não ficou por aí. Muito mais estaria por vir. Já à luz do dia, a primeira pessoa a documentar o suposto agroglifo e levar o material aos meios de comunicação foi a fotógrafa profissional Julie Belanger, durante sobrevoo em Chualar, no mesmo dia 30. Algo que chamou a atenção de pesquisadores foi o fato de que, embora pudesse ser apenas uma feliz coincidência, Julie tem — conforme seu perfil na internet mostra — competência profissional nas áreas de gravação de vídeos comerciais, fotografia publicitária e produção de mídia, entre outras. Mas isso seria irrelevante, muitos disseram. Bem, ao menos sabíamos que o agroglifo existia, restando saber se era verdadeiro ou falso.
Outro dado interessante que deixou alguns pesquisadores suspeitos com tudo isso foi o fato de que o proprietário da fazenda onde surgiu o suposto agroglifo, Scott Anthony — que alegou estar viajando em férias nos dias que precederam o aparecimento da figura —, já havia, logo naquele mesmo dia 30, mal tendo chegado de viagem, contratado e posto para trabalhar uma empresa de segurança privada para evitar que curiosos entrassem na propriedade. Estranhamente, somente a imprensa teve acesso ao local. Para os mais detalhistas, aqui vai outro fato interessante: o nome da empresa de segurança é Echelon.
Polêmica
Mas em que pese a maciça divulgação do caso em todo o planeta, já no primeiro dia de 2014 a plantação onde estava o agroglifo foi inteiramente colhida e a imagem destruída, sem qualquer chance de análise por especialistas no assunto. Tudo muito convenientemente rápido. E o que agitou mais ainda as discussões foi o fato de pessoas terem afirmado testemunhar a presença de indivíduos com escadas e aparatos que lembravam um GPS transitando no campo dias antes justamente onde a formação apareceu, sugerindo que fosse uma fraude. No entanto, outros residentes da pequena cidade não confirmavam tais afirmações.
E quanto ao agroglifo propriamente dito e seu formato? O que ele teria a nos dizer? Tudo, como se mostrou mais tarde. Um número de pesquisadores que beirava à unanimidade logo percebeu a semelhança da figura com um chip de computador, além dos curiosos que se debruçavam sobre as cercas da fazenda e também notavam a mesma semelhança. Mas, até aí não passava disso, uma mera semelhança. Sim, porque um chip comum não teria os pontos aleatórios, à primeira vista, que se encontravam no centro da formação. Talvez estivesse aí a resposta para a pergunta que todos se faziam: o que esse agroglifo quer nos dizer? E, de fato, estava.
Embora especialistas em Código Morse tivessem encontrado em pontos mais externos do agroglifo sinais que indicavam a palavra Ison, relacionando-o de alguma forma com o cometa recentemente destruído por sua passagem muito próxima ao Sol, o segredo jazia nos pontos mais centrais da figura, que foram identificados por peritos como sendo uma mensagem em Braile, o sistema de leitura para deficientes visuais. E lá estava, repetido à exaustão, o núme
ro 192. Para completar, três círculos contidos no agroglifo se colocavam nas posições um, nove e dois de um mostrador de relógio analógico. Finalmente tínhamos uma pista.
Ato contínuo, uma enxurrada de teorias inundou a rede mundial de computadores. Entre elas, obviamente nenhuma definitiva, podíamos encontrar correlações no mínimo inusitadas, tais como as posições da Terra, Vênus e Marte 192 dias depois de ter sido encontrado o círculo. Conceitos matemáticos variados também foram encontrados na imagem, assim como se fez alguma alusão à relação da figura com o isótopo radioativo irídio 192. Houve até quem visse no conjunto de elementos internos do agroglifo um asteroide descoberto há sete anos e, incrivelmente, um memorando do presidente John F. Kennedy sobre armas nucleares, de número 192. É natural que se tentassem tantas explicações para o significado da formação de Chualar, mas a fantasia passou dos limites.
Suposições e opiniões
Por que, então, o debate acalorado citado anteriormente? Ele se concentrava exatamente em saber se a formação era falsa ou verdadeira. Obviamente, somente uma análise in loco por especialistas no tema poderia dar respostas mais objetivas. Mas isso não seria possível já na quarta-feira, 01 de janeiro, como exposto acima. O que se seguiu foi uma discussão longa e literalmente internacional sobre a veracidade do agroglifo, infelizmente agora apenas apoiada em suposições e opiniões, já que não tínhamos
mais o objeto para estudo.
O que tínhamos de objetivo, então? Uma gravação amadora anônima e altamente suspeita, uma filmagem profissional do círculo — aliás, profissional até demais para alguns pesquisadores — e fotos, agora só digitais, de um agroglifo que lembrava um chip de computador com o número 192 aparecendo repetidamente no conjunto de seus elementos. Tudo isso em uma pequena localidade próxima ao Vale do Silício, reduto das maiores empresas de software e hardware do planeta. Seria esse dado geográfico mais uma pista? A dúvida e as disputas entre os ufólogos sobre a veracidade da imagem parecia que tomava contornos bem terrestres, em uma história que poderia dar inveja a Agatha Christie.
Certamente, em razão da campanha publicitária da Nvidia, as próximas formações que surgirem na Europa, nos Estados Unidos ou até mesmo aqui no Brasil serão taxados de falsos ou de novas campanhas de marketing de algum novo produto
O que poderia ser um ponto definitivo sobre a origem e objetivo da formação foi algo estranho encontrado por esse articulista na sexta-feira, dia 03 de janeiro. Usando palavras-chave no site de busca Google, um link levava a uma reportagem de Scott Budman para a rede de TV norte-americana NBC, cujo título dizia que o mistério estava solucionado. Após tentar inúmeras vezes acessar a matéria, sempre tendo como resposta a mensagem de que tal página não existia, restou tentar descobrir quem seria o tal Budman. E ele era simplesmente o jornalista responsável pela coluna de tecnologia para o referido site cujo link não levava a lugar algum. Como era apenas mais uma pista no intrincado mistério, o mais apropriado seria esperar o próximo lance. E isso aconteceu dois dias depois.
Circlemakers contratados
Logo no domingo, dia 05 de janeiro, surgiu uma notícia que para muitos não se mostrou uma surpresa. Corriam boatos de que uma grande empresa fabricante de chips anunciaria naquele dia seu mais novo lançamento: um processador revolucionário com um número de núcleos só encontrado em supercomputadores. O leitor já pode imaginar a quantidade de núcleos que teria. Sim, 192! E em seguida se confirmou a informação de que em uma feira de lançamentos eletrônicos, em Las Vegas, a empresa de hardware Nvidia faria uma conferência de imprensa apresentando seu novo produto, o processador Tegra K1, com 192 núcleos.
Jen Hsun Huang, presidente da companhia, faria a apresentação. E já na tarde de domingo podíamos ver no site da empresa [Endereço: www.nvidia.com] a foto do agroglifo em destaque, com uma chamada para a apresentação que se faria logo mais. Foram quase duas horas de um belo discurso comercial e técnico, guardando, quase no final, alguns minutos para discorrer sobre o agroglifo de Chualar. A transmissão ao vivo pela internet, assistida por 800 mil pessoas, mostrou a confissão de Huang de que a figura e a gravação postada no Youtube nada mais eram do que produtos de marketing viral solicitada por ele, já que o novo processador parecia coisa de aliens, de tão avançado.
Simultaneamente, a Nvidia mudava o texto de apresentação do vídeo postado na segunda-feira, explicando do que realmente se tratava. Seu blog dava mais detalhes do processo de criação da campanha publicitária e, para completar o quadro, um novo vídeo era colocado no ar, intitulado Behind the Scenes [Bastidores], mostrando como foi a fabricação do agroglifo, feito por encomenda por especialistas britânicos na montagem de círculos falsos — os chamados circlemakers — e, acreditem, com o apoio da comunidade de Chualar, que tem pouco mais de mil habitantes. Caso encerrado? Não, ainda não.
As paixões
Mais do que um artigo informativo, é a intenção do autor levantar aqui alguns pontos para reflexão. Primeiramente, fica provada de maneira definitiva a necessidade de análise in loco de casos como este, visto que, se fosse apenas uma brincadeira que se perpetuasse anônima, nunca saberíamos se se tratava de uma formação falsa ou verdadeira. Em segundo lugar, devemos sempre ter em mente que, nesta época em que vivemos, cada dia mais tecnológica, qualquer coisa que apareça na internet sobre UFOs e assuntos correlatos deve ser considerado a priori uma montagem, marketing viral ou coisa semelhante, infelizmente.
Também é importante lembrar que devemos deixar de lado nossas paixões em situações como esta, mantendo uma posição racional e percebendo todas as possibilidades sobre aquilo que temos à frente, como
o suposto agroglifo da Califórnia. Quanto a isto, é interessante observar que, apesar de todas as informações passadas acima já estarem difundidas e o mistério solucionado, alguns ainda teimavam em afirmar em fóruns de discussão que, na verdade, a Nvidia apenas tentava uma operação de acobertamento de um agroglifo real. Outro ponto que chamou muito a atenção de quem se envolveu no debate foi a matéria de Scott Budman citada acima — ele certamente já tinha todas as informações dias antes do lançamento oficial da campanha. Que forças teriam tirado sua matéria do ar até domingo, quando a Nvidia fizesse o anúncio?
Para finalizar, eis uma reflexão e um alerta para nós, ufólogos. Nunca, jamais, deve-se passar uma informação adiante como sendo definitivamente verdadeira sem antes se dispor de todos os elementos a seu respeito profundamente pesquisados e analisados. Já imaginou o leitor o estrago que este caso causou ao estudo sério dos agroglifos? Certamente, em razão da campanha publicitária da Nvidia, as próximas formações que surgirem na Europa, nos Estados Unidos ou até mesmo aqui no Brasil serão imediatamente taxados de falsos ou de novas campanhas de marketing de algum novo produto. Ou seja, se os agroglifos já contam com um ceticismo natural, embora descabido, agora ele ganhou um incremento considerável. Se a Comunidade Ufológica Mundial e seus simpatizantes querem ter o respeito que merecem perante a sociedade e o universo acadêmico, não se deve ter receio de rechaçar como falso qualquer incidente que tenha todas as características de ser um embuste.