Na última vez em que Marte chegou tão perto da Terra, nossos ancestrais viviam em cavernas e tentavam transformar pedras em ferramentas básicas. Sessenta mil anos depois, pessoas de todo o mundo usam uma parafernália óptica e digital para observar a passagem do planeta vermelho. Das ilhas da Polinésia até o sertão australiano e o Japão, astrônomos amadores e profissionais voltaram seus telescópios para o leste a fim de ver Marte em detalhes. Às 6h51 (hora de Brasília), o planeta passou a apenas 55,76 milhões de quilômetros da Terra, o ponto mais próximo desde a Idade da Pedra. “Marte será o objeto mais visível no céu depois da Lua, e por sua cor avermelhada é fácil de ser visto”, disse Nick Lomb, curador de astronomia do Observatório de Sydney, na Austrália. “Telescópios, mesmo pequenos, vão permitir ver detalhes de Marte, incluindo a calota polar e outros traços da superfície”. No dia 12 de setembro do ano 57617 a.C., Marte passou ainda mais perto, a 55,72 milhões de quilômetros. Quem perder esta chance terá de esperar 284 anos por uma outra aproximação tão grande. A Sociedade Planetária dos Estados Unidos declarou o 27 de agosto como Dia de Marte. Sua página na Internet (http://planetary.org/marswatch2003) apresenta detalhes sobre eventos em todo o mundo — desde sessões monitoradas dos observatórios de Sydney e Pequim até festas ao ar livre em lugares como a Jordânia. O Hemisfério Sul é um ponto privilegiado para a observação de Marte, especialmente nas ilhas isoladas do Pacífico, como o Taiti, que são o ponto terráqueo mais perto de Marte, ou então o sertão australiano, onde a ausência de luz urbana faz com que o planeta se destaque ainda mais. Para quem olhar o céu a olho nu na quarta-feira, Marte terá o tamanho aproximado de uma cratera lunar. O Observatório Siding Springs, cerca de 400 quilômetros a noroeste de Sydney, pretende projetar imagens do planeta vermelho em um telão do centro comunitário local, onde também haverá monitores com binóculos orientando o público. No Brasil, em comemoração à ocorrência do fenômeno, o Museu de Astronomia e Ciências Afins, no Rio de Janeiro, vai abrir suas portas à noite. A população poderá utilizar de lunetas que datam do início do século 19 até telescópios modernos, que aumentarão a visibilidade de Marte em 200 a 500 vezes. Tão perto, tão longe Mesmo chegando tão perto e sendo tão importante para o imaginário terrestre, o planeta vermelho continua sendo um objetivo praticamente inalcançável para o ser humano. Marte era o deus da guerra na mitologia romana. O planeta batizado em sua homenagem foi cenário de incontáveis clássicos da ficção-científica, como Crônicas Marcianas, de Ray Bradbury, ou A Guerra dos Mundos, de H.G. Wells — texto usado por Orson Welles para narrar na rádio norte-americana uma invasão marciana na Terra, o que criou uma onda de pânico na época. Videntes e astrólogos dizem que a aproximação dos planetas na quarta-feira não é um bom prenúncio. Eles apontam os atuais conflitos no Oriente Médio e a onda de atentados como sinal disso, e prevêem mais desastres, tanto naturais quanto causados pelo homem. “A violência vai aumentar, já que as pessoas estarão menos pacientes e se irritarão facilmente”, previu Vineet Jain, um influente astrólogo da Índia. Segundo ele, essa irritação vai se refletir na Caxemira e no Oriente Médio, além de induzir a atentados e crimes cibernéticos. Para os cientistas, o maior interesse é provar se a vida existe, ou pelo menos existiu, em Marte, como tantas vezes supôs a literatura. Sondas da Nasa enviaram de lá imagens sugerindo que já houve água corrente sobre ou logo abaixo da superfície marciana, o que cumpre um dos pré-requisitos para a existência de vida. Na segunda-feira, a Nasa selecionou a sonda Phoenix, relativamente barata, para a primeira das chamadas Missões Scout ao planeta. A Phoenix deve pousar em Marte no final de 2008.