Para quem estuda ou pesquisa discos voadores não é novidade a divisão que existe dentro da Ufologia em relação à interpretação e ao viés pelo qual se olha este fenômeno. Como se sabe, de um lado há a Ufologia dita Científica e, de outro, a Ufologia conhecida como Mística. Estas duas correntes de pensamento dificilmente se mesclam ou se entendem, uma vez que o lado que opta por analisar o universo ufológico com bases fincadas na ciência abomina qualquer viés espiritualista para tratar dos discos voadores, e os ufólogos místicos descartam qualquer argumento que ligue as entidades extraterrestres às explicações fornecidas pela astronomia, cosmologia, física ou psicologia.
Os contornos e limites de uma e de outra linha de estudo da problemática ufológica, entretanto, não são tão claros e óbvios como gostariam os dois lados. Isso porque é muito difícil, conforme nos aprofundamos no estudo dos relatos de testemunhas que foram — ou são — contatadas por extraterrestres, delimitar onde acaba a pesquisa científica sobre elas e começam as interpretações místicas de tais eventos. É justamente nesta região um tanto confusa e obscura que encontramos a figura de Ashtar Sheran. Muito embora para a maioria dos ufólogos da linha científica seja uma perda de tempo discutir e pesquisar qualquer coisa ligada a tal personagem — pois para eles se trataria de uma figura pura e simplesmente inventada e mantida pela fé das pessoas —, para os adeptos da Ufologia Mística Ashtar é real e merece ser mais bem conhecido e estudado.
Não é a intenção deste artigo provar ou negar a existência de tal ser, cujas características são tão confusas quanto a região que habita, mas lançar sobre ele um olhar isento de valores, procurando explicar melhor quem é e qual seria a missão de Ashtar Sheran. Vamos começar com sua suposta aparência. Ashtar seria um homem alto, loiro, forte, de lindos olhos azuis e aparência beirando a androgenia, cujo poder alcançaria o comando de milhares de naves de diferentes planetas, todos unidos por uma dita Confederação Intergaláctica da Grande Fraternidade Branca Universal. Sua missão é de paz e de evolução, iluminando os seres não apenas da Terra, mas também de outros mundos — cujos habitantes, assim como nós, são ignorantes e pouco evoluídos. E como se tudo isso fosse pouco, Ashtar ainda responde apenas a uma pessoa: Sananda, mais conhecido entre nós como Jesus, o Cristo.
Bom demais para ser verdade
Essa é a descrição da entidade Ashtar Sheran, com algumas variações aqui e ali. E a palavra entidade não leva em si qualquer conotação irônica, uma vez que, segundo muitos, ele é um ser etéreo e com uma aparência que varia de acordo com o planeta onde se apresenta. Suas comunicações com seus interlocutores seriam, na maioria, canalizadas por um processo conhecido como psicografia. Tal ser, que para muitos também seria uma mistura de Jesus com o capitão Kirk da série Star Trek, ganhou fama e adeptos desde que seu nome foi citado pela primeira vez, décadas atrás. E mesmo que para muitos Ashtar seja bom demais para ser real e se relacione mais com o fenômeno psicológico da projeção do que com a realidade, é inegável que a entidade se transformou em algo que vai muito além de qualquer ponderação lógica. Ashtar, portanto, é sim muito mais um fenômeno de fé do que ufológico.
Em algumas passagens e comunicações encontradas na literatura ufológica existe a menção de que Ashtar Sheran viria de um planeta com o nome de Metharia, que orbitaria o sistema estelar triplo de Alfa Centauro. Inúmeros movimentos cósmicos foram criados em torno deste nome e da hipotética entidade, como o College of Universal Wisdom [Universidade do Conhecimento Universal], do autointitulado contatado George van Tassel, a organização International Get Acquainted Program [Programa de Familiarização Internacional,], de George Adamski, e a Sociedade Aetherius, de George King, entre outros. Além disso, dezenas de livros foram lançados em todo o mundo e nos mais variados idiomas abordando a alegada missão de Ashtar Sheran e como seriam suas naves de resgate. Some-se a isso que vários supostos contatados ao longo da história disseram — e ainda dizem — serem representantes ou mensageiros de luz do Comando Ashtar Sheran e de outros membros do que chamam de Hierarquia Espiritual na Terra.
O possível e o provável
Ao contrário do que os ufólogos ditos científicos afirmam, a conotação messiânica tão comum na chamada Ufologia Mística está longe de ser algo descartável — é um fenômeno riquíssimo e deve ser estudado com cuidado, pois não se pode descartar algo apenas por parecer obra de ficção científica, saída de mentes fantasiosas. Muitas das maravilhas modernas também o seriam para nossos antepassados e, no entanto, aqui estamos com nossos celulares, computadores, exames médicos, robótica e telescópios impensáveis há 200 anos. Mas qualquer pesquisa, estudo ou texto que se pretenda sério sobre situações e fatos intangíveis e difíceis de serem provados tem, por obrigação, que passar pela análise do desenvolvimento do fenômeno que se pretende estudar ou descrever. Não há como fugir disso, sob pena de se ter o trabalho desconsiderado pela comunidade.
Deve-se ater ao viés histórico e à sequência de acontecimentos periféricos que formaram o cenário dentro do qual o fenômeno Ashtar Sheran surgiu e se manifestou. Não há como se tentar estudar alguma coisa por si só, pois ela nunca está sozinha e não é um fato isolado em si, mas resultado de vários outros aspectos que, combinados, a fazem ganhar vida. Normalmente, pela própria natureza humana, que tem na imaginação sua grande ferramenta de sobrevivência, explicar com argumentos prosaicos algo que se mostra como fantástico provoca uma reação contrária, e muitas vezes furiosa, naqueles que preferem o imaginário ao concreto. Mesmo assim, fatos são fatos e permanecerão fatos ainda que muitos escolham desconsiderá-los.
A estreia de Ashtar
Outra consideração necessária, por que iremos trabalhar com ela durante o texto, é a diferença entre o que é possível e o que é provável, entendendo-se com possível tudo o que pode ser e como p
rovável aquilo que deve ser. Apenas como exemplo, para não gerar dúvidas ao longo da leitura, é possível a qualquer um de nós descobrir a cura do câncer, mas é provável que ela seja descoberta por um pesquisador devidamente preparado para isso. Os princípios descritos acima — fenômeno, contexto, cenário, desenvolvimento e conclusão — se aplicam, de forma geral, à maioria das pesquisas e é por esse caminho que vamos seguir nessa matéria, buscando contextualizar, entender e analisar o fenômeno Ashtar Sheran. A conclusão final dependerá única e exclusivamente do leitor, pois, afinal, quando se caminha por algo tão controverso como a crença pessoal, cabe a cada um refletir e chegar à própria verdade.
O ano de 1952 foi agitado para um planeta recém-saído da Segunda Guerra Mundial. Mesmo assim, já mergulhávamos em outra situação não tão sanguinária, mas muito mais assustadora — a tensão da polarização política do planeta durante a famosa Guerra Fria, que fez pairar sobre as pessoas o medo da aniquilação total por várias décadas. Apenas para termos uma pequena ideia do panorama mundial da época, somente nos três primeiros meses de 1952 as Forças Especiais foram oficialmente criadas nos Estados Unidos, o bombardeiro B-52 fez seu voo inaugural e o governo norte-americano ratificou o tratado de paz com o Japão. Em outras partes do mundo, o Reino Unido anunciava que tinha a bomba atômica, Elizabeth II foi coroada rainha, após a morte de George VI, e Fulgêncio Batista tentou retomar o poder em Cuba.
Ao contrário do que os ufólogos ditos científicos afirmam, a conotação messiânica tão comum na chamada Ufologia Mística está longe de ser algo descartável — é um fenômeno riquíssimo e deve ser estudado com cuidado para benefício do assunto
Também foi em 1952 que dois acontecimentos aparentemente não conectados entre si surgiram para agitar o cenário ufológico: a aparição de uma esquadrilha de UFOs em Washington, rastreados por radares e perseguidos por jatos, e o lançamento de um livro chamado I Rode a Flying Saucer [Eu Viajei em um Disco Voador, New Age Publishing, 1952], escrito pelo citado autointitulado contatado George Van Tassel, no qual vemos pela primeira vez o nome do comandante Ashtar Sheran anunciando sua chegada ao planeta Terra em 18 de julho justamente daquele agitado ano, 1952. Por incrível que possa parecer, Van Tassel alegava — ele faleceu repentinamente em 1978 — ter enviado cartas registradas à Força Aérea Norte-Americana (USAF), ao extinto jornal norte-americano Los Angeles Herald Examiner e à revista Life anunciando que UFOs sobrevoariam Washington uma semana antes do famoso incidente, ocorrido entre os dias 12 e 29 de julho daquele ano, tendo o pico de aparições ocorrido entre os dias 19 e 20. As mencionadas cartas, entretanto, não se encontram em qualquer lugar para pesquisa, assim como não foi possível verificar a veracidade de seu envio.
Cenário e contexto
De qualquer forma, para sermos fiéis às datas, Ashtar Sheran teve sua estreia na Terra pelas mãos do norte-americano Van Tassel — e anunciou a data de sua chegada ao planeta exatamente quando o incidente com os UFOs aconteceu na capital dos Estados Unidos. É possível que não tenha sido apenas uma coincidência? Sim. Mas é provável? Bem, a resposta mais honesta seria a de que não sabemos. Porém, não deixa de ser um fato curioso e isso já é muito para quem acredita na veracidade de Ashtar. Van Tassel, entretanto, não foi o único George a fazer sucesso naquela década como mensageiro e amigo de fascinantes extraterrestres. Houve também George Adamski, famoso até hoje por seus alegados contatos com seres de Vênus, que coincidentemente também aconteceram em 1952. Apenas para que o leitor não se pergunte quem é a galinha e quem é o ovo neste cenário, o livro de Van Tassel saiu em julho e o primeiro contato físico de Adamski teria se dado em novembro. Ambos os homens eram famosos contatados e promotores de congressos e debates ufológicos acalorados na época.
Durante os anos seguintes pouco se sabe sobre Ashtar Sheran, pois há poucas fontes disponíveis para pesquisa e, sem elas, o que nos resta é especulação. O que se tem como fato é que o comandante intergaláctico voltaria à ativa em 1958, agora através do médium alemão Herbert Victor Speer, que supostamente o teria psicografado na obra A Grande Missão Celeste de Ashtar Sheran [Nova Stella, 1965]. Aqui é importante lembrar que os anos 50 foram prolíficos e muito ativos no que se refere a contatos com extraterrestres e suas alegadas mensagens de paz e amor, de não proliferação atômica e de um mundo sem guerras. Também vale destacar, ainda na década de 50, o surgimento de um grande número de filmes, livros e revistas em quadrinhos que exploraram o tema das viagens espaciais, dos grandes comandantes e suas épicas batalhas pelo cosmos, suas missões pacíficas e seus evoluídos ideais morais — eram grandes figuras que singravam os céus levando ajuda, defesa e suporte aos mais frágeis, atacados pelos mais fortes.
Enquanto aqui na Terra as pessoas ainda se recuperavam dos horrores praticados pelos nazistas em relação aos judeus, ciganos, negros e russos, da tragédia das bombas lançadas no Japão e do drama de tanta gente ter perdido maridos, esposas, filhos, irmãos e amigos nas frentes de batalha, era dos céus que surgia uma voz dizendo que não estávamos sós no universo e que alguém olhava por nós. Se imaginarmos o trauma dos milhares de mutilados, psicóticos, neuróticos e alucinados que lutavam desesperados para superar as marcas que trouxeram dos conflitos e as dificuldades enfrentadas não só por eles, mas também por suas famílias para se readaptarem à convivência, não é difícil entender o apelo que uma figura como Ashtar Sheran teve na alma humana.
As pessoas queriam e, mais do que isso, ansiavam por alguém que lhes garantisse a paz, a construtividade de suas vidas e que o amanhã seria melhor do que o hoje. Ansiavam principalmente por saber que havia uma força maior cuidando de uma humanidade sem juízo e sem limites em relação ao horror que podia produzir. A sociedade precisava de algo novo para acreditar, algo que lhes confortasse o coração sem ferir sua crença em um Deus que parecia não se importar com as profundas dores que sofria. Precisava de alguém que funcionasse como um freio para nossa insanidade, que dissesse não aos homens quando esses estivessem em vias de extrapolar os limites da sobrevivência. Precisava
, enfim, de alguém que, mesmo sendo um guerreiro poderoso, se encaixasse nos ditames da fé cristã. Quem? Ashtar Sheran!
Consuma mais e sofra menos
Aquela não foi uma época fácil para a humanidade em termos psicológicos, embora tenha sido, principalmente para os Estados Unidos e Inglaterra, um período de grande crescimento econômico e financeiro. Havia uma euforia em relação ao fato de que a riqueza era possível a todos com boa disposição e capacidade de trabalho e esta euforia se personificava em novos bens de consumo. Eletrodomésticos surgiam cada vez mais modernos e atraentes, automóveis ganhavam cores e formas mais sedutoras e a política do consuma mais e sofra menos se estabeleceu. A dor, entretanto, permanecia, mesmo com a nova e moderna máquina de lavar ou o carrão na garagem. Formou-se um vácuo onde antes habitava a certeza da proteção divina, a obediência aos bons costumes e aos princípios de conduta religiosa, todos varridos pela crueldade da guerra.
Também não foi à toa que a década de 50 viu nascer o rock and roll, os rebolados de Elvis Presley e os bad boys tão bem encarnados por James Dean em Juventude Transviada. Isso sem falar do novo lema dos jovens, live hard, love fast and die young [Viva para valer, ame rápido e morra jovem], da música de Faron Young, lançada em 1955. Enfim, as pessoas buscavam uma ampliação de seus paradigmas tentando chegar a um ponto em que guerras, mortes e tristezas não mais existissem. Não é exagero dizer que a década de 50 virou crenças, costumes e comportamentos de cabeça para baixo. Some-se a isso o início dos protestos pelos direitos civis nos Estados Unidos e a dimensão que isso representou, na época, para uma sociedade tão acostumada ao preconceito e à discriminação.
Foi neste cenário caótico de pessoas tentando se acertar internamente, de pressão consumista exagerada em que nada parecia trazer segurança a ninguém, faria sucesso uma luz no céu noturno, um arauto das estrelas ou qualquer pessoa que viesse com uma explicação lógica para a falta de lógica desestabilizante dos bons costumes. E fez. Assim como o número de supostos contatados por seres extraterrestres começou a subir vertiginosamente. Van Tassel, Adamski, Eduard Meier e tantos outros não só pregavam a existência dos extraterrestres como se diziam amigos deles, seus representantes na Terra — a mensagem de paz e amor mais tarde difundida pelos hippies das décadas de 60 e 70 já era bem conhecida nos anos 50, e grande parte dela vinha por meio das canalizações ufológicas.
Sexo, drogas e Ufologia
Mas ninguém questionava a veracidade das alegações? — podem perguntar alguns. A resposta para esta pergunta não é fácil e nem agradável, por que vai de encontro a conceitos religiosos muito profundos no Ocidente. Guardadas as devidas proporções, é a mesma pergunta que fazem os ateus aos religiosos, e todos nós sabemos que não importa se realmente existe um Deus ou não, mas sim o consolo e o amparo da fé. Portanto, se as pessoas se sentiam consoladas e amparadas pelos extraterrestres e suas mensagens pacifistas, por que haveriam de questionar alguma coisa? Além disso, e invariavelmente, o misterioso fascina — com os extraterrestres daquela época sempre havia, como ainda há, a possibilidade de, ao se olhar para o céu, vermos algo diferente. O inusitado nos espreita cada vez que nos deliciamos com as estrelas ou observamos as nuvens no céu diurno. Afinal, é muito mais provável vermos um disco voador voando por aí do que assistirmos a Deus, Jesus ou algum santo flutuando sobre as cidades. Por mais impossível que possa parecer a alguns, psicologicamente falando, os extraterrestres estão muito mais próximos de nós.
As duas décadas seguintes foram, para se falar o mínimo, o ápice da contracultura iniciada nos anos 50. Toda a espécie de conhecimento místico e ancestral, pouco importando se vinha da Índia, China ou Oriente Médio, ganhou destaque e status entre as celebridades e a juventude em praticamente todo o Mundo Ocidental naquele período. Nele surgiram os hippies, os movimentos pacifistas, as comunidades alternativas, a liberdade sexual e o despertar espiritual através das drogas. Resgatado das práticas xamânicas, o uso de alucinógenos para a abertura da mente às novas realidades conheceu seu auge e, justiça seja feita, boa parte dela foi incentivada pelo governo norte-americano por meio do uso de LSD, droga que dispensa apresentações. Exemplos de celebridades que usavam psicotrópicos como meio de contato incluem Jim Morrison, vocalista do grupo The Doors, e os próprios Beatles, que prestaram sua homenagem à droga na famosa canção Lucy in Sky with Diamonds.
A sociedade precisa de algo novo para acreditar, algo que lhes conforte o coração sem ferir sua crença em um Deus que parece não se importar com as profundas dores que sofre. Precisa de alguém que funcione como um freio para nossa insanidade
Em meio a tantas correntes de pensamento e à mudança de comportamento de milhões de jovens ao redor do mundo, a Ufologia do contatismo ganhou contornos ainda mais místicos, sendo revestida de características angelicais, pluridimensionais, esotéricas e, em muitos casos, insanas. A ideia de que o uso de drogas, além da meditação e da abstinência de carne e álcool, facilitaria o contato com seres superiores — aqui já não mais com contornos físicos e concretos, mas como entidades incorpóreas — se espalhou e não foram poucas as pessoas que, fugindo do caos das cidades, se instalaram em comunidades alternativas que se diziam ufológicas. Vale lembrar que seitas como o Heaven’s Gate, cujo fim trágico todos conhecemos, foi fundada em 1970, assim como o Movimento Raeliano, polêmico por suas alegações em relação à clonagem humana, tem origens que remontam a 1975.
E aqui no Brasil?
Em nosso país também vimos um movimento de contornos ufológicos se firmar e ganhar força na década de 70, embora de origem muito mais antiga, fundada em 1935. Trata-se da seita Cultura Racional, que até hoje tem milhares de adeptos em todo o Brasil — alguns deles eram famosos há poucos anos, como o cantor Tim Maia. Outro exemplo interessante de seita ufológica, este vindo da Alemanha e que mescla fortemente messianismo e extraterrestres, é a chamada Vida Universal, que também possui suas raízes na década de 70. Enfim, dentro da confusão de filosofias e mantras que se entrelaçavam naquele período, figuras bíblicas foram misturadas a f
iguras divinas de outras culturas com tanta variação e distorção que se tornou impossível se desenrolar este novelo e separar uma coisa da outra. E foi assim, neste cenário social, político e filosófico completamente alterado que duas vertentes de um mesmo ser ganharam corpo.
De um lado estava a vertente que ligava Ashtar Sheran à Fraternidade Branca, como sendo um comandado de Sananda e identificado com alguém que nós conhecemos pela Bíblia como Arcanjo Miguel. De outro estavam associações ligadas à mesma Fraternidade Branca, para quem Ashtar não passava de uma invenção maligna criada para confundir os homens e combater os mestres ascensos. Mas, independente da veracidade das afirmações de um ou de outro lado, a questão é que ambas as vertentes ganharam força através de outro livro que, embora não pretendesse, deu um grande fôlego para os seguidores de Ashtar: Eram os Deuses Astronautas? [Melhoramentos, 1969], de Erich von Däniken — que rapidamente difundiu a teoria de que os antigos deuses celebrados por nossos ancestrais seriam, na verdade, astronautas de outros planetas que estiveram na Terra por algum tempo. Mesmo que este e os livros seguintes de Däniken nada dissessem sobre seres espirituais ou mensagens messiânicas, a ideia foi muito bem aproveitada para legitimar, se é que aqui cabe a palavra, outras alegações ainda mais polêmicas do que as do autor suíço. Assim, logo o que era uma indagação feita por Däniken ganhou status de verdade absoluta.
A história continua…
Na colcha de retalhos filosóficos das décadas de 60 e 70, onde conceitos milenares se juntaram à imaginação moderna e às profundas alterações nos paradigmas sociais, correntes espiritualistas e místicas ganharam fôlego e a ideia de Ashtar Sheran se fortaleceu. A partir dos anos 80, a cultura mística e as práticas transcendentais advindas de décadas anteriores se firmaram, perdendo as características alternativas para adquirir formatos mais bem organizados, muitas com sedes próprias e atividades regulares, inclusive aqui no Brasil. A produção de livros e revistas sobre esoterismo, Ufologia, práticas místicas e espirituais se multiplicou rapidamente e boa parte dela veio no rastro da já citada obra de Erich von Däniken. Porém, mais do que o crescimento do misticismo organizado, os anos 80 e 90 trouxeram o crescimento tecnológico, pois, afinal, foi nos anos 80 que se plantaram as sementes dos computadores pessoais, da telefonia móvel, dos games, das pesquisas avançadas em vários campos.
E, claro, tivemos também o surgimento da internet, que chegou ao grande público e rapidamente tornou possível, em segundos, o que antes se levaria semanas ou anos para conseguir, a comunicação pessoal e a possibilidade de pesquisa. Assim, toda aquela confusão filosófica dos anos 60 e 70 de repente voltou à tona por meio de uma ferramenta poderosa que permitia não apenas que se divulgasse textos e ideias, mas também fotos, ilustrações e vídeos — informações que antes alcançavam algumas centenas de pessoas começaram a atingir centenas de milhares e até milhões de internautas no mundo inteiro. Ainda que verdadeira terra de ninguém, a internet é uma ferramenta fantástica para se conseguir informação e para conhecermos o que pensam e sentem povos fisicamente distantes de nós.
Porém, a falta de conhecimento sobre como se fazer uma pesquisa e como filtrar aquilo que se encontra acaba transformando a ferramenta em um campo perigos o. Lembrando o que dissemos anteriormente, se então já era difícil se separar conceitos e informações, após a popularização da web isso se tornou impossível. O número de pessoas que se dizem contatadas disparou após o aparecimento da rede mundial, assim como se diversificou o número de contatos. Logo passamos a ter a sensação de que inúmeros seres de vários planetas, dimensões e níveis hierárquicos começaram a buscar contato com os humanos, e incontáveis novos nomes para eles surgiram — muitos usando o termo mestre como introdução a si mesmos. Em meio a tanta informação desencontrada, Ashtar Sheran não passou ileso e rapidamente o comandado de Sananda se tornou uma versão futurista do Arcanjo Miguel, conhecido soldado dos céus para todos os cristãos.
A mensagem de Ashtar
As misturas e interseções bíblicas entre os seres que supostamente enviam suas comunicações são tantas e tamanhas que enveredar por este assunto demandaria uma tese de doutorado. Portanto, voltemos a Ashtar. Também é muito interessante notar como, conforme as décadas se passaram e o panorama político e social da civilização mudou, também se modificaram as mensagens supostamente canalizadas de seres extraterrestres. Durante décadas as comunicações versaram, com pouca variação, sobre a necessidade de a humanidade parar com a fabricação de bombas de aniquilação total e sobre como devíamos buscar a paz a qualquer preço. A maneira de fazermos isso, de acordo com o comandante Ashtar Sheran, seria por meio do que se chama nos círculos esotéricos de “vibração”, ou seja, da oração e de cânticos, de maneira a construir uma situação de paz e de amor em torno da Terra — que, por si só, seria suficiente para mudar a mentalidade de governantes e políticos.
Quando a Guerra Fria chegou ao fim e, com ela, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, outro perigo nos rondava, então já sendo alardeado pela mídia: o aquecimento global, acompanhado da destruição da camada de ozônio e da mudança climática. E conforme o medo do terror atômico diminuía, as mensagens canalizadas também mudavam, adquirindo cada vez um caráter ecológico e preservacionista. Novamente precisávamos evoluir espiritualmente, agora para não destruirmos o planeta com nossa ganância e exploração desenfreada. É óbvio que não são apenas os contatados que dizem isso, mas também todos os ecologistas e cientistas ligados ao meio ambiente batem na mesma tecla. A diferença é que estes não nos aconselham a vibrar, orar e a entoar cânticos, mas a tomarmos a responsabilidade em nossas mãos e começarmos a usar o planeta de forma inteligente.
Somos seres da época da informática e da comunicação instantânea e não temos paciência para esperar por um fim que talvez só aconteça daqui a 10 mil anos. E assim vamos pulando de um cataclismo para o outro, de uma trag
édia para a seguinte
Não há como negar que passamos por uma transformação climática, ao mesmo tempo em que começamos a transformar nossa relação com o planeta, tomando consciência de que, se não mudarmos nossas ações, muito em breve não teremos mais tanta facilidade no uso do solo e da água da Terra. E enquanto o mundo se transforma e a mídia nos bombardeia com notícias de furações, terremotos e tsunamis violentos, mais e mais adeptos do contatismo apontam para o fato de caminharmos em direção ao fim de nossa civilização.
Outro tipo de seres humanos
Porém, somos seres da época da informática e da comunicação instantânea e não temos paciência para esperar por um fim que talvez só aconteça daqui a 10 mil anos. E assim vamos pulando de um cataclismo para o outro, de uma tragédia para a seguinte, sempre esperando pelo fim. E se não conseguimos achar indícios de que ele seja iminente em nosso presente, vamos buscá-lo no passado, como fizemos recentemente com o Calendário Maia, que tantos defendiam que pregava o fim dos tempos em 21 de dezembro de 2012. E para não faltar mais ingredientes à polêmica sobre Ashtar Sheran, ele também surgiu neste cenário, mas supostamente dizendo que a data não marcava o fim, e sim o recomeço de uma nova era, quando seríamos banhados pela luz do centro de nossa galáxia, receberíamos ativações em nosso DNA e nos tornaríamos outro tipo de seres humanos — mas, mais uma vez, apenas alcançaríamos esta transformação por meio de vibrações de luz, orações e de cânticos. É possível? Talvez. Mas é provável?
Infelizmente a resposta é não.
O que realmente vale à pena destacar é a maneira como as mensagens de supostos seres extraterrestres que vigiam a Terra mudam de acordo com nossos medos e como, a cada nova tragédia natural, mais e mais pessoas buscam tais entidades para lhes garantir que, apesar dos movimentos tectônicos e das tais grandes mudanças no planeta, elas serão salvas, pois seguem, acreditam e vibram em luz. Ainda mais curioso é perceber que em épocas em que a autoajuda e as práticas automotivacionais andam tão em voga, os grandes comandantes de frotas estelares encontram tempo para nos ajudar com questões como prosperidade, sucesso nos relacionamentos, saúde e bem-estar físico. Ao pesquisar a literatura ufológica para compor esta matéria, esta autora se deparou até com uma mensagem de Ashtar Sheran falando sobre a vida e futuro de alguns artistas, bem ao estilo das previsões feitas pelos astrólogos no final de cada ano.
E enfim, como também dito anteriormente, o novelo de informações está de tal forma embaralhado que é impossível encontrar o fio que desfará a confusão. De qualquer forma, a grosso modo, o que se encontra em relação às mensagens canalizadas por alegados comandantes intergalácticos é uma mescla entre ditames esotéricos e preceitos bíblicos. E elas sempre têm a intenção de nos tornar pessoas melhores e nos levar à evolução espiritual, pontuados com citações sobre outros planetas e povos, formato de naves e, dependendo da corrente que se escolha pesquisar, práticas rituais como velas coloridas e invocação de anjos.
A necessidade de cada um
Por mais material que exista para uma pesquisa sobre o tema Ashtar Sheran — e há muito —, não é possível encontrar algo de mais sólido sobre a entidade além do que já foi citado neste trabalho. Há milhares de livros sobre Ashtar e outros milhares contra ele, mas nenhum fornece uma pista sequer que nos guie de forma certeira a uma conclusão mais concreta, que fuja do besteirol disseminado na internet. É possível que existam fatos que desconhecemos e que Ashtar passe informações sobre engenharia, física e biologia que transcendam a especulação? Sim, é. Mas é provável que estas informações existam? Bem, é impossível dizer. O que realmente podemos afirmar é que, se nos anos que se seguiram ao final da Segunda Guerra Ashtar surgiu como uma garantia de que não estávamos sozinhos diante de nossa própria estupidez, pelo menos este propósito ele continua seguindo e alcançando.
A natureza humana, complexa e em muito desconhecida, contém o apelo da fé, seja ela de que forma for, e vivemos um tempo em que podemos escolher em que e em quem acreditar, de acordo com nossa necessidade de conforto interno. Para quem busca, pouco importa se ele virá da cruz, da meditação ou de uma nave espacial, ou se é um ser mítico, etéreo ou de carne e osso. Também é irrelevante se esta figura existe de fato ou se é apenas um fenômeno pop e social — o que realmente importa é que a nossa necessidade interna seja preenchida.
Talvez existam grandes comandantes intergalácticos por aí, como talvez existam mesmo seres extraterrestres cuidando de nosso planeta. Talvez Ashtar Sheran exista de fato e ronde nossos céus olhando-nos como uma espécie de grande irmão cósmico, vindo da casa de tantas moradas citadas na Bíblia. É possível, mas é provável? No fim das contas, esta resposta cabe ao leitor. Afinal, quando se trata de Ashtar Sheran, cada um deve procurar a ponderação dentro de seus próprios valores, tendo em mente que radicalizações são tão perigosas quanto a livre aceitação de tudo que é dito. Em se tratando de Ufologia, seja ela Científica ou Mística, cabe a máxima popular: todo cuidado é pouco.