Nos meios científicos, acadêmicos e religiosos, em relação a outras ciências e doutrinas cristãs, respectivamente, a Ufologia poderia ser comparada com o protagonista descrito no conto O Patinho Feio, do escritor Hans Christian Andersen, de 1843. Mas, assim como na história dinamarquesa, a forma de se ver o estudo da presença alienígena na Terra em veículos que chamamos de discos voadores ou UFOs vem mudando lenta e positivamente. E se “o patinho feio” ainda não virou “o mais belo dos cisnes”, está ficando cada vez mais claro que este desfecho é apenas uma questão de tempo. Mesmo que tal estudo ainda seja tratado por certos setores da sociedade e da mídia de forma preconceituosa, muitas são as provas que nos levam a perceber significativa guinada neste enfoque, especialmente com a alvorada do terceiro milênio e a adesão cada vez mais freqüente de grandes nomes ao estudo deste que parece o maior mistério da atualidade.
Um dos exemplos que provam e norteiam tal modificação de conceito vem da revisão de fatos narrados, de documentos e outros tipos de informações, até então tidos como referências enaltecedoras do credo cristão, recentemente postos em prática por renomados cientistas. Essas informações passaram a ser estudadas a partir de pontos de vistas não eclesiásticos, já no final do século XX. Tais revisões resultaram em reveladoras e intrigantes interpretações sobre fenômenos anômalos envolvendo a aparição de supostos seres angelicais e seus meios de transporte. Aliando-se às novas interpretações das escrituras tidas como sagradas pelas maiores religiões, nações do mundo moderno começaram a abrir paulatinamente seus arquivos sigilosos relativos aos UFOs, que contêm informações semelhantes às descritas nos antigos documentos. O mesmo pode ser notado com o constante aumento da casuística ufológica moderna, assim como na disposição das testemunhas de falarem sobre as mesmas.
“ESTABLISHMENT” DO VATICANO
A comparação entre tais fatos não poderia deixar de ser feita, assim como as conclusões convergem para um veredicto mais provável – porque, ainda que implícito, é o mais lógico –, o de que nosso planeta sempre foi e continua sendo visitado por estranhas criaturas em curiosos artefatos voadores, cuja tecnologia, tão surpreendente que aguça o imaginário dos cientistas, pode muito bem ter origem extraterrestre inteligente. Graças a essas novas análises, consolidou-se de vez a hipótese extraterrestre – ou HET – para explicar o fenômeno dentro e fora dos meios acadêmicos. Assim, os mais ousados vanguardistas da nova cruzada contra o obscurantismo religioso, o acobertamento oficial e a indiferença científica atuam vasculhando o passado em busca do que realmente os fatos contidos nas escrituras e noutras fontes de informações históricas descrevem.
Como se fossem iconoclastas contemporâneos do establishment imposto pelo Vaticano há séculos, por meio dos concílios, conclaves, encíclicas e todo tipo de artifício doutrinador típico da Igreja, bem como por formas paralelas do poder institucional, os adeptos da “nova ciência” seguem com independência. Fazem as necessárias comparações entre suas pesquisas e o que vem demonstrando a dita Ufologia Moderna, sem temerem o monstro que se criou em torno do confronto ciência versus religião. E um dos cientistas e representante legítimo desta liderança é o entrevistado desta edição da Revista UFO, o português Joaquim Fernandes, doutor em história pela Universidade do Porto e consultor da Revista UFO há mais de uma década.
Além de ativo colaborador em eventos ufológicos organizados em Portugal, o doutor Fernandes é professor na Universidade Fernando Pessoa (UFP), na cidade do Porto, e co-fundador do Centro Transdisciplinar de Estudos da Consciência (CTEC) daquela instituição. Ele tem estudado aspectos menos conhecidos da história e filosofia das ciências, além da evolução dos modelos científicos, em particular as cosmologias, o confronto entre as atitudes mentais e sociais e as novas propostas científicas e tecnológicas em cada época. Fernandes é autor de estudos mundialmente reconhecidos sobre antropologia religiosa comparada, com destaque para fenômenos paradoxais que nela exercem grande influência, como é o caso daqueles provenientes dos contatos com UFOs.
O entrevistado publicou várias obras de investigação histórica sobre suas áreas de atuação, e tem algumas em processo de tradução para lançamento em países de língua inglesa. As mais importantes, no que tange ao fenômeno ufológico, são As Aparições de Fátima e o Fenômeno UFO [Editorial Estampa, 1995], Intervenção Extraterrestre em Fátima: As Aparições e o Fenômeno UFO [Bertrand Editora, 1982] e UFOs em Portugal [Editora Nova Crítica, 1978] – as duas últimas em parceria com a historiadora portuguesa Fina d’Armada. Fernandes é também autor de uma dissertação de mestrado em história moderna sobre a vida nos conventos e a espiritualidade setecentista em Portugal. Sua tese de doutorado intitulou-se O Imaginário Extraterrestre na Cultura Portuguesa: Do Fim da Modernidade até Meados do Século XIX, o que nos dá uma idéia do arrojo de sua dedicação ao assunto e a coragem com que analisa as reações das culturas humanas ao ideário alienígena na Terra no meio acadêmico. A tese foi a primeira do gênero histórico apresentada na Academia Portuguesa e Européia, e provavelmente uma das primeiras nessa disciplina em todo o mundo.
O contato ocorreu na direção do ser mais avançado, o emissor, para o menos avançado, o receptor. A tradução da mensagem trasmitida, distorcida pelo receptor devido à sua incapacidade, só poderia levar à adulteração dos objetivos do pretendido contato
Joaquim Fernandes é co-editor da revista anual Cons-Ciências, editada pelo CTEC, e publica diariamente artigos na área da cultura científica na imprensa portuguesa. É também membro de vários organismos internacionais de destaque, como a Sociedade de Exploração Científica, da Universidade de Stanford, a Sociedade Fronteiras da Ciência, da Universidade de Temple, e a Sociedade da História da Ciência, a maior academia internacional do mundo dedicada ao estudo das interações entre a ciência, tecnologia, medicina e sociedade. O doutor Fernandes também coordenou a série Encontros Imediatos, a primeira de tema ufológico produzida em Portugal, exibida em 2008 na rede estatal RTP2. Considerado o maior nome da Ufologia de seu país e concorrida autoridade da Ufologia Mundial, nos deu a honra desta entrevista. Participaram de sua elaboração o advogado Gener Silva e o administrador e escritor Pedro de Campos, ambos consultores da Revista UFO, além do psicólogo Leonardo Martins e do professor universitário Isaque de Carvalho.
O senhor acredita na possibilidade de existir uma divindade cristã, nos moldes que a Igreja prega? Acredita em um Deus superior e criador de todas as coisas? Uma divindade antropomórfica é um conceito tão pobre quanto limitado e paroquial. “É demasiado humano”, diria Nietzsche. Idealizamos os deuses à nossa imagem, como o nosso reflexo no espelho, porque precisamos da segurança de algo, de um pai. E o fato de considerarmos Deus uma figura masculina prova esta necessidade. A humanização deste ente – que existiria e existirá fora do tempo e do espaço, fora do infinito e da eternidade – é, assim, uma fatalidade de nossa condição humana. Somos uma espécie de náufragos à deriva na imensidade do cosmos e, tal como Pascal, tememos o silêncio dos espaços infinitos. Não acredito no sentido acrítico e confessional do termo, mas aceito o potencial cósmico de assumir essas características imanentes de um ente sempre vivo e co-gerador eterno da vida e da morte. O Deus de Espinosa e de Einstein, por exemplo, aproximam-se destes critérios. Julgo que um Deus imaginado pelos seres humanos nunca alcançará as dimensões onipotentes e totalizadoras do universo criador e primordial. Porque nossa imaginação será sempre pobre e ingênua quando comparada com a dimensão da escala macrocósmica que nos cerca e nos reduz a uma nulidade. O universo nos ignora, e isso continuará no futuro, depois da espécie humana já ter desaparecido.
Assim sendo, pode-se deduzir que a manifestação de outras espécies em nosso planeta, aquilo que chamamos de fenômenos ufológicos, advém de um propósito superior originário de tal ente? Não disponho de evidências que me permitam associar uma diversidade de manifestações de aeroformas físicas – como alguns chamam os ditos discos voadores – e seus efeitos colaterais com eventuais desígnios de outras civilizações externas ao nosso planeta. Mas concedo que eventuais atributos tecnológicos superiores, e sua ostentação perante culturas inferiores, possam ser traduzidos por demonstrações de superioridade do “outro”.
Quais seriam as razões para este “outro”, supostamente possuidor de altíssima inteligência, ser confundido com Maria, a mãe de Jesus, através de fenômenos como os de Fátima? E, a partir de então, nos fazerem crer nas ações de tais divindades católicas? Terá sido pela ostentação desses artifícios que em Fátima nossos ancestrais de 1917 foram convencidos da aparente sobrenaturalidade dos fenômenos observados. Como diria Arthur C. Clarke, “toda a tecnologia e civilização superior será identificada com a magia”. A construção deste sentido sobrenatural decorre de algumas premissas e foram deduzidas pelos videntes da época, as testemunhas dos fatos. Em primeiro lugar está um quadro de referências culturais que deram sentido à sua interpretação e tradução religiosa dos fenômenos que alegam ter testemunhado. Em segundo está o fato de a Igreja Católica, acossada durante anos por uma república de inspiração maçônica e anti-clerical, ter revertido a seu favor os acontecimentos de 1917 numa reação de massas das características religiosas rurais [Veja artigo sobre as aparições marianas de Fátima nesta edição].
O senhor concorda que a aparência de Nossa Senhora, como foi publicada no livro da historiadora Fina D’Armada, Fátima: O Que se Passou em 1917 [Bertrand Editora, 1980], também publicada pela Revista UFO, seja realmente a descrição verdadeira? Está em conformidade com a descrição original, a primeira feita por Lúcia dos Santos, da “mulherzinha” que lhes apareceu sobre a azinheira. Portanto, não nos cabe, e nem às autoridades eclesiásticas da época, afirmar realmente de quem se tratava.
O senhor estudou outras aparições marianas, como a de Lourdes, também em Portugal, e de Medjugorje, na antiga Iugoslávia? Que síntese faz entre estes casos e o ocorrido em Fátima? Há diferenças e semelhanças qualitativas e processuais. Mas, no essencial, todos esses episódios traduzem um arquétipo feminino idêntico, o da Virgem Maria, incluindo a dependência e a subordinação de um “escolhido” com relação ao ser contatante, que é portador de uma mensagem mais ou menos coerciva. Também estão presentes a necessidade do “escolhido”, como um mensageiro eleito, em promover uma ação de proselitismo e a conseqüente sacralização do lugar do contato. A adesão da religiosidade é assegurada pelo maior ou menor índice de ambigüidade da mensagem, que serve para manter ou atenuar a tensão e convencimento dos crentes. O psicólogo Léon Festinger aprofundou esses mecanismos no estudo que produziu sobre uma vidente norte-americana dos anos 50, publicado na obra When Prophecy Fails [Quando a Profecia Falha, Pinter & Martin, segunda edição de 2009].
Suas pesquisas, que reconhecemos sérias e exaustivas, apontam para qual conclusão sobre as demais aparições marianas? Concluir é demasiado presunçoso e temerário. As hipóteses e investigações nestes territórios deverão ser sempre abertas ao futuro. Mais do que as conclusões definitivas, interessam-me os pontos comuns evocados nas narrativas, nos processos e suas conseqüências, trazidos à tona ao longo da história de episódios de contatismo religioso e neo-religioso.
“Fotografia do além”
Certas fontes transmitiram a idéia de que as aparições marianas seriam, na realidade, uma projeção ou imagem holográfica dos entes que são vistos? O senhor acredita nisto? Bem, reunimos alguns testemunhos detalhados e de primeira-mão do modo como se processava a aparição da figura da tal “senhora”, em Fátima. São descrições dos videntes, bastante precisas, que indicam uma espécie de feixe luminoso de formato cônico que descia sobre a pequena azinheira e revelava em seu interior uma pequena figura muito luminosa. Após a conversação com as testemunhas, descobrimos que o tal cone desaparecia em algum lugar entre as nuvens. Antes dele se manifestar, o local era percorrido por esferas de luz de dimensão variável [Possivelmente sondas ufológicas, como as conhecidas hoje]. Enfim, os detalhes são exaustivos e estão publicados em nossos livros.
O atual papa Bento XVI, quando ainda era o cardeal Ratzinger, opinou em entrevista que uma visão como a de Fátima não seria uma experiência intelectual, como ocorreu em modelos da mística cristã, tais como Tereza de Ávila ou João da Cruz, mas uma espécie de “visão interior”. Segundo ele, em suas palavras, não que a aparição fosse uma ilusão, “mas um estímulo que está além do sensível, facultando o acesso ao que não é visível e a uma dimensão mais profunda da realidade”. O que pensa desta idéia? É perfeitamente pertinente e se ajusta aos atuais modelos interpretativos das ciências cognitivas sobre as visões ditas místicas. Mas é imprescindível reter desta análise de Bento XVI a forma como o teólogo destaca o fato, também em suas palavras, “de o vidente ter uma influência ainda mais forte, de ver segundo as próprias capacidades concretas, com as modalidades de representação e conhecimento que lhe são acessíveis”. Este processo de tradução da experiência vivida para algo conhecido da testemunha é ainda mais grave porque as visões, continuando nas palavras de Ratzinger, não são uma “fotografia do além”, pura e simplesmente, mas trazem consigo também as possibilidades e limitações do sujeito que as apreende. Ou seja, a antropologia da subjetividade constitui a fonte de onde tudo se projeta e onde tudo acaba, tanto em Fátima quanto em outros fenômenos laicos contemporâneos de experiências que estão no limite de nossa compreensão.
Algumas publicações alegam que, quando o Sol se tornou transparente no céu sobre Fátima, em 1917, se pôde ver um disco no ar, dentro do qual foram observados três seres, interpretados como a Sagrada Família pelos videntes. O senhor confirma esta observação? Sim, isso foi visto. Eram personagens claramente identificados com a iconografia católica e cristã da época, como seria natural à luz das considerações anteriores. Eram a Virgem Maria, o Menino Jesus e São José, referências clássicas do que seria possível esperar em 1917, numa cultura local de intensa religiosidade mariana.
É verdade que foi localizada uma quarta testemunha das aparições de Fátima, segundo Fina d’Armada, chamada Carolina Carreira? Qual foi seu depoimento? Sim. Esta testemunha, esquecida no contexto de aparições em Portugal no começo do século passado, está citada nos inquéritos originais do chamado Arquivo Formigão, que foram consultados pela primeira vez pela minha colega, Fina d’Armada, no final da década de 70. Carolina relata o seu encontro com um “anjo”, um ser de pequena estatura que induzia na testemunha uma espécie de apelo insistente, sob a forma de palavras ouvidas no interior de sua cabeça. Este é um processo conhecido e repetido em muitas situações de contatismo parareligioso, tanto no passado quanto nos nossos dias.
Como a história registra, em 1916, o chamado “Anjo de Portugal” teria aparecido aos três pastorinhos e os ensinado a rezar, preparando-os para as aparições da Nossa Senhora, meses depois, já em 1917. O mesmo personagem teria surgido novamente logo após, e aos mesmos videntes, para reforçar os fatos que viriam a ocorrer. Neste contexto, o que se pode dizer deste ser e qual seria sua função no fenômeno de Fátima? Eu diria que foi uma espécie de “batedor”, ou seja, de preparador do contato que aconteceria no futuro. Esta é uma função que também se registra em outros episódios, quando se vê que há uma preparação do receptor para a transmissão de uma mensagem, que será dada mais à frente, numa experiência de contato exatamente como as aparições marianas.
Antecedendo os acontecimentos de Fátima, alguns sensitivos, dentre eles Carlos Calderon, de Lisboa, e outro do Porto, de nome Antonio, grafaram por psicografia uma mensagem mediúnica que foi registrada em ata e publicada nos jornais Diário de Notícias e Jornal de Notícias, antes das manifestações marianas. Para o senhor, estas provas são substanciais de que houve a previsão de que os fatos ocorreriam? Estes episódios, descritos por mim e Fina no livro Fátima nos Bastidores do Segredo [Âncora Editora, 2002], são dos mais inquietantes e problemáticos de toda esta nebulosa aparição mariana, pois contêm elementos espíritas que seriam concorrentes à interpretação católica. Mas por isso mesmo é que são importantes e não podem ser descartados de todo o processo. As mensagens mediúnicas, publicadas nos principais diários portugueses antes da primeira aparição mariana, dificilmente podem ser vistas como fenômenos distintos ou ocasionais, já que falam objetivamente da importância do dia 13 de maio de 1917, data do fenômeno principal de Fátima [Veja detalhes em artigo desta edição]. Por outro lado, como sugerimos em nossa investigação, não podemos ver aqui qualquer suposta aliança estratégica entre espíritas e católicos para anunciar as futuras aparições. Não faria sentido a qualquer um dos que grupos que fizessem isso em conjunto.
Identificação do mensageiro
Tendo em vista que a psicografia, naquela época, era tida como ação exclusiva do mundo espiritual, as mensagens poderiam ser indícios de que a entidade vista em Fátima era mesmo espiritual, como uma mítica Nossa Senhora, em vez de um ser vivo de origem extraterrestre, como sustentam muitos estudiosos? Pode-se atribuir uma natureza comum ao suposto agente das aparições, algo que teria se manifestado também no mundo dos espíritas, nas coordenadas das suas referências espirituais. Mas, de novo, voltamos à questão da tradução da mensagem e da identificação do mensageiro. Se o meio é a mensagem, que se procure estudar o primeiro.
Os fenômenos aeroespaciais não identificados são um tema desconfortável do ponto de vista acadêmico. Só teremos um objeto de apreciação da ciência quamdo um UFO for positivamente identificado. Mas estas limitações não devem invalidar a pesquisa científica
Se o agente das aparições era um ET de carne e osso, por assim dizer, teria desaparecido para onde? E considerando as imensas distâncias interestelares, qual a sua concepção de como poderiam chegar aqui como seres densos? Eu não esperaria que o suposto ser extraterrestre manifestado em Fátima fosse de carne e osso. Aliás, ainda como Ratzinger sugere, tudo teria ocorrido no plano mental, sobretudo dos jovens videntes. Além disso, temos as ocorrências fenomenológicas colaterais, os múltiplos efeitos bem referenciados e alguns deles integrados, como é o caso de um zumbido semelhante ao de abelha, descrito pelas testemunhas. Este é um fenômeno auditivo recorrente neste tipo de experiência de contato, e já duplicado em laboratório.
Se admitíssemos a hipótese de a vida surgir também no mundo das partículas atômicas, nas várias dimensões do espaço-tempo, o ser observado em Fátima não poderia ser uma entidade espiritual e, assim, justificar aquelas mensagens mediúnicas? Dentro da lógica da resposta anterior, parece que o meio de comunicação que se verificou em Fátima foi de natureza mental, interior e subjetivo, de acordo com as possibilidades humanas de cada um, ainda como destaca Ratzinger. Na época, seria difícil atribuir tais efeitos à tecnologia humana. Já hoje talvez não fosse, se observarmos o desenvolvimento científico na área da indução cerebral de palavras e imagens.
Parece que a grande diferença, pendendo para uma interpretação ufológica do fenômeno de Fátima, seria o fato de um UFO ter sobrevoado o local das aparições, como hoje se sabe [Veja em artigo desta edição]. Além dos relatos testemunhais, foram deixadas marcas evidentes na área? Em Fátima há uma correlação de aspectos comuns às experiências de contato registradas em todos os tempos, como efeitos psicofisiológicos e sensações compartilhadas entre os campos do religioso e do profano, estratégias e processos de comunicação idênticos e a intrusão de uma intensa energia no espectro eletromagnético, como microondas. Além de tudo, houve a observação de aeroformas luminosas, com destaque para o dito “objeto solar” do dia 13 de outubro. Igualmente, não faltaram os chamados “cabelos de anjo”, como é conhecido o material fibroso e branco que muitas vezes parece ser liberado quando objetos voadores não identificados passam a baixa altitude. Tais filamentos, denominados também de “fibralvina” pelo colega investigador português Raul Berenguel, foram observados por diversas vezes em Fátima, e inclusive fotografados [Também já foram observados e registrados no Brasil].
Por que, ainda assim, a Igreja não considera tal evento como ufológico? Ninguém pode esperar que a Igreja Católica venha a se retratar junto aos seus fiéis e confessar ao mundo que tudo não teria passado de um equívoco provocado pela ignorância da época e pela ausência de uma intervenção científica?! Muitos intelectuais católicos têm fortes reservas quanto à interpretação oficial dos fatos de Fátima pelo Vaticano, mas os custos sociais de uma mudança de postura, hoje, seriam inimagináveis, além dos financeiros, obviamente. De acordo com nossas investigações das relações prolongadas entre a irmã Lúcia e os seus confessores jesuítas durante seu exílio na Espanha, pudemos concluir que houve alterações sensíveis entre seus depoimentos originais, de 1917, e as revelações contidas nas Memórias Tardias da vidente de Fátima. Esta constatação é nítida e só por excesso de fundamentalismo se poderia negá-la. Não creio que os responsáveis pela leitura religiosa dos eventos de Fátima tenham se apercebido que na origem dos fenômenos pudessem estar entidades de outros mundos, bem mais materiais do que o idealizado no catecismo católico. Além disso, houve um aproveitamento natural dos fatos, perante a falência total da ciência de 1917 em sugerir alternativas ao modelo religioso, que acabou triunfando. Tudo decorre da profunda incapacidade de imaginar outro cenário que não fosse o que viria a ser consagrado. As alterações que descobrimos nos textos e nos primeiros inquéritos de 1917 e de 1923 é que apontam para distorções da informação original.
Depois de tantas pesquisas e estudos, afinal, qual é a verdade sobre Fátima? Talvez tenha ocorrido ali, em 1917, o encontro de dois psiquismos, duas fórmulas ontológicas e diferenciadas, sem que tenhamos tido muito sucesso na tradução de seu significado. Imaginemos este cenário: a responsabilidade do contato ocorrido é vertical, ou seja, ocorreu na direção do ser mais avançado, o emissor, para o menos avançado, o receptor. Desta forma, a tradução da mensagem transmitida pelo emissor ao receptor, distorcida por incapacidade deste último, só poderia levar à adulteração dos objetivos do pretendido contato. Daí a fórmula religiosa, primeira instância da compreensão de capacidades e poderes sobre-humanos, que ocorreu em Fátima, em 1917, dentro do contexto cultural e local da época. Creio também que estaríamos diante de uma outra física, diversa da que conhecemos em termos teóricos, talvez manifestada em outras coordenadas do espaço-tempo e que anularia nossas aludidas impossibilidades materiais. Podemos estar na antecâmara de futuras revoluções científicas nesta área, quando então ultrapassaremos as limitações convencionais da aerodinâmica conhecida. Mas também não me preocupa se um dia chegarmos a explicar por completo todas estas observações aéreas anômalas, e concluirmos que elas nada têm a ver com manifestações de origem extraterrestre. A probabilidade de existência de outras formas inteligentes fora da Terra não depende da natureza dos fenômenos com a sigla UFO. São duas questões independentes, embora possa existir uma relação entre elas.
Mudando um pouco o foco da entrevista, o saudoso astrônomo J. Allen Hynek dizia que a Ufologia, embora não seja propriamente uma ciência, tem como parentes mais próximos no meio acadêmico as ciências humanas, devido à importância central dos relatos. Como o senhor concebe a contribuição da história no estudo dos UFOs? Considero essencial o uso da história, da crítica historiográfica e principalmente da hermenêutica na análise comparada das narrativas das chamadas aparições celestes e fenômenos decorrentes. Cruzar barreiras culturais e modelos religiosos e examinar temas e motivos que se repetem é um bom caminho para extrair informação e apontar hipóteses que possam ser confirmadas pelas disciplinas humanas e apoiadas pela física. Percorri toda uma trajetória de três séculos de história quando fiz minha investigação para o doutorado. O conceito dos discos voadores é um produto da cultura norte-americana integrado por outras contemporâneas, e o problema começa exatamente aqui: estamos analisando por comparação de estereótipos, formas voadoras visualizadas no espaço próximo, ou seja, no céu. São parâmetros comuns, mas apenas aproximativos. Em termos imediatos, em relação ao aludido “Milagre do Sol”, ocorrido em 13 de outubro de 1917, em Fátima, o termo nos serve porque foi usado por pelo menos uma testemunha, o engenheiro Mário Godinho, presente no local. Ele se refere a um “disco magnético”, o que é muito curioso, porque traduz precisamente nossa tendência em utilizar um léxico profissional e cultural quando nos defrontamos com algo inédito em nossa memória e experiência direta da natureza. É duplamente instrutivo o uso dos conceitos que nos são familiares, o que é uma constante nas narrativas de fenômenos celestes de todos os tempos. Somos, de fato, prisioneiros da nossa época. Por isso se entende porque é que a vidente Lúcia dos Santos “viu” Nossa Senhora e não o profeta Maomé, Visnu ou Buda. A dupla reprodução da nossa consciência e do estímulo externo traduzem e simplificam as ligações entre realidades distantes [Veja artigo sobre as aparições marianas de Fátima nesta edição].
Sua tese de doutorado abordou a temática extraterrestre, normalmente associada à Ufologia. O senhor considera que o meio acadêmico de Portugal esteja aberto ao estudo sistemático dos UFOs ou sua tese constituiu exceção a uma regra de menosprezo à relevância do assunto? Pelo menos uma coisa se constata: que o meio universitário português esteve disposto a aceitar uma abordagem do gênero, pela primeira vez, em termos nacionais e mesmo europeus, na área da história. Isso foi uma vitória significativa, não só para mim, mas também para colegas que investem nesta área. Bem, se agora foi apenas uma exceção, aguardemos que venha a se transformar em regra.
Regras do método científico
Há alguma universidade ou departamento, em qualquer parte do mundo, em que atualmente ocorra uma abertura maior a projetos de pesquisa sobre UFOs? Sim, há muitas universidades na Europa e nos Estados Unidos interessadas em abrir suas portas para áreas de estudo de temas ditos marginais, como é o caso da paranormalidade e das terapias complementares. Se o fazem é por que confiam na vigência de critérios metodológicos mínimos, fundamentais para manter um olhar vigilante, mas aberto, sobre as regras do método científico. Isso não deve supor censura ou inibição em testar novas hipóteses de trabalho, mas, sempre que necessário, exercer a crítica e eliminar pseudo evidências sem qualquer hesitação, em nome da seriedade.
Como o Centro Transdisciplinar de Estudos da Consciência (CTEC), departamento que o senhor ajudou a fundar na Universidade Fernando Pessoa, aborda a questão ufológica? O CTEC reuniu todo o acervo documental que os grupos de estudo começaram a coletar desde o início dos anos de 70, pouco antes da Revolução de 25 de Abril de 1974. Embora, em geral, os procedimentos de interrogação de testemunhas daquela época revelem várias deficiências, mesmo assim podem ser vistos e interpretados hoje como depoimentos úteis do ponto de vista antropológico e sociológico. Nestes relatos podem ser observadas, também, as visões de mundo das testemunhas, de suas relações com o sagrado e mesmo com Deus, o que já inspirou alguns trabalhos científicos que vamos ter oportunidade de publicar futuramente na antologia Portugueses e Extraterrestres: A Cultura ET em Portugal no Século XX, pela Planeta Editora, de Lisboa.
Em sua opinião, quais são as maiores dificuldades epistemológicas, teóricas e práticas para o estudo científico dos UFOs? É o seu caráter de irrepetibilidade, como norma dos fenômenos mais conhecidos e já identificados, o que dificulta a integração e admissão destas matérias no campo da ciência. As características fundamentais das manifestações ufológicas são evanescentes, aleatórias e irrepetíveis, pelo menos integralmente, ao lado da chamada elusiveness, ou seja, o fato dos UFOs aparecerem e desaparecerem em seguida, para usar um termo muito comum em inglês. Por isso, os fenômenos aeroespaciais não identificados são, por enquanto, um tema claramente desconfortável do ponto de vista acadêmico. Só teremos um objeto de apreciação da ciência quando um UFO for positivamente identificado. Todavia, estas limitações não devem invalidar que se solicite ao meio acadêmico que empregue seus instrumentos de análise do fenômeno, como, aliás, vimos fazendo no CTEC.
Derrubadas as fronteiras de um planeta único, outras \’naus\’ cumprem a etapa seguinte, que irá abrir os horizontes do nosso sistema estelar às futuras gerações, que fatalmente acabarão por abandonar o ambiente planetário para se aventurarem no espaço
Até agora tratamos de contribuições da ciência para o estudo dos UFOs. Em contrapartida, o senhor entende que o Fenômeno UFO possa dar contribuições à ciência? Em primeiro lugar, insisto que a existência de outras formas de vida fora do nosso planeta, organizadas ou não, baseadas no carbono ou em qualquer outro elemento, não está condicionada à origem dos fenômenos aeroespaciais extraordinários, para os quais empregamos a sigla UFO. Em tese, são problemas distintos, embora possamos vir a descobrir que o Fenômeno UFO faz parte da solução. Não excluo também que muitos dos fenômenos singulares que ostentam determinada energia, comportamento cinético e efeitos colaterais possam ser eventos “paranaturais”, ou seja, extraordinários para nós porque ainda não foram catalogados pela ciência. O relâmpago e o trovão passaram por esta regra um dia. Não escandaliza ninguém dizer, então, que a natureza será pródiga em potenciais manifestações e dimensões inovadoras que precisam ser devidamente apreendidas e depois teorizadas. Mas isto é hipotético, ainda que testável. Entretanto, o impacto previsível do aprofundamento da fenomenologia ufológica não se esgotará quando ampliarmos as hipóteses no campo da física, das ciências cognitivas e da consciência. Suponho que haverá todo o interesse em investir os instrumentos teóricos e, sobretudo, experimentais para a análise da manifestação de tais fenômenos.
O senhor poderia nos dar um exemplo? Sim, vejamos o que se diz acerca do conhecido “zumbido de abelha” que foi ouvido em Fátima durante o contato com a entidade sobre a azinheira, tecnicamente chamado de fenômeno de microondas auditivo [Microwave auditive phenomenon, MAP]. Isso ocorria sempre e apenas no momento em que Lúcia ouvia as palavras de Nossa Senhora por percepção mental, ou seja, dentro de sua cabeça. Acredito que este venha a ser o eixo crucial das avaliações que futuramente abrirão novas pistas de compreensão do processo do contato e dos agentes envolvidos.
Dedicados voluntários
De forma sintética, que avaliação o senhor faz do trabalho dos ufólogos? Não me compete julgar os outros, sobretudo porque são provenientes de culturas diversas e têm formações muito distintas. Mas o termo “ufólogo” é algo que não me satisfaz, porque o vejo como que prisioneiro de uma área fenomenológica não consolidada positivamente, como disse antes. Seria desejável que as investigações nesta área fossem conduzidas por profissionais, principalmente com formação em psicologia ou antropologia, além da física atmosférica, por exemplo. Com o devido respeito aos muitos dedicados voluntários que coletam dados de observações ufológicas, como um hobby, o termo se traduz em um não reconhecimento da sociedade para com este trabalho quase de escoteiro injustiçado. Infelizmente, além disso, devemos reconhecer que na maioria das situações a investigação ufológica não é aprofundada nem consistente, por carência de formação científica específica do praticante e também pela complexidade do fenômeno e suas propriedades já descritas.
Testemunhas contaminadas
Alguma exceção à esta sua análise? Sim, claro que há exceções. São investigadores esclarecidos e dedicados que atuam na área e podem ser considerados modelos a serem seguidos. Gostaria também de assinalar como algo preocupante, hoje, a situação que decorre da transferência do debate interpessoal para o grande palco do ciberespaço, a internet. As informações e experiências relativas a observações de fenômenos aéreos são facilmente manipuláveis e retomadas em poucos segundos de forma distorcida, tamanha é a velocidade de interpolações e reinterpretação das descrições, com destaque para as fotografias e vídeos. Todo este processo deixa pouca margem para uma abordagem serena e segura das testemunhas, que facilmente podem ser afetadas e contaminadas por versões terceiras do seu registro.
Voltando à Fátima, o senhor considera uma ocorrência como aquela em Portugal, ou a própria história poética do país, expressa, por exemplo, nos Lusíadas, como uma abertura a novos mundos físicos e espirituais? Isso nos revela indícios de uma vocação da cultura portuguesa para estes trânsitos entre o limite e o limiar? Pode não ter sido totalmente aleatória a manifestação como a que se deu na Cova da Iria, em Fátima, como suas antecedentes registradas na história da fenomenologia mariana. Mas deve-se notar, também, que aquela região tem uma mistura de culturas da antiga Lusitânia, na região central do país. É lá onde, ainda hoje, podemos encontrar rituais de culto à deusa Artemis, da fertilidade, a divindade procedente da Ásia Menor que o cristianismo reconverteu na figura da Virgem Maria. Penso que os sinais das hierofanias, as manifestações do sagrado, se vão repetindo associados ao lugar e ao seu espírito. No essencial, o que muda são os revestimentos culturais de tais eventos, que devem ter sentido e coerência no decurso das épocas e das culturas. Assim, não querendo seguir por caminhos que não são da proximidade documental, diria, contudo, que o eixo lusitânico onde Fátima se integra exprime, dentro e fora do contexto religioso, uma continuidade que parece desenhar outros mundos físicos e espirituais, tal como são evocados pela tradição esotérica que envolve não só a contribuição portuguesa, mas também brasileira e de outras “mundividências” da chamada “portugalidade”.
Como investigador tanto da cultura portuguesa quanto da Ufologia, que relações o senhor estabelece entre os mares desbravados pelos portugueses e o espaço sideral, ambos singrados por naves, como via de superação do homem? São vias comuns, mas por oceanos diversos, separados por cinco séculos e que conduziram então e conduzem agora à primeira globalização planetária – palavra inaugurada pelos lusitanos. Hoje, derrubadas as fronteiras de um planeta único, outras naus começam a cumprir a etapa seguinte, que irá abrir os horizontes do nosso sistema estelar às futuras gerações, que fatalmente acabarão por abandonar o ambiente planetário para se aventurarem no espaço. Porque ninguém permanece indefinidamente no “berço”.
Sabemos que Portugal efetivamente abriu novos mundos ao Ocidente — naquela época, a partir da Europa —, contribuindo para o avanço de um suposto ecumenismo espiritual e religioso. Todavia, não se pode esquecer o caráter bélico também presente em sua expansão marítima. Neste sentido, qual é a sua avaliação dos propósitos pacíficos ou bélicos dos contatos extraterrestres? Como diria Hermes Trimegistro, “o que está em baixo é igual ao que está em cima”. A meu ver há uma homologia potencial no universo, isso se aceitarmos a vigência de códigos de ética e moral em diferentes formas de vida inteligente e superiormente organizada. O conceito vigente de mal e o bem, que nada mais são do que as duas faces da mesma moeda, plasmaram-se de igual modo nas campanhas colonizadoras dos portugueses, onde a espada e o evangelho conviviam lado a lado, como cúmplices. Sabemos distingui-los, hoje, reconhecendo os erros e excessos cometidos em lamentáveis latrocínios culturais que nunca deveriam ter ocorrido. Mas, à luz destes pressupostos, estaremos sujeitos a sofrer uma eventual violência predadora por parte de formas de vida inteligente? É uma possibilidade, mas não é algo certo.
O senhor avalia que o reconhecimento público e oficial das visitas extraterrestres, por parte de autoridades e mesmo da sociedade, significará uma nova inspiração na história da humanidade? Enquanto ser humano sou tentado a inquirir se a minha espécie é uma exceção ou uma regra. Como investigador, tento verificar se existem indícios da presença alienígena no passado e no presente da Terra. Mas confesso que não disponho de provas evidentes neste sentido, apenas suspeitas e hipóteses interessantes, deduzidas por comparação com relatos mitológicos e religiosos. Os eventos associados às chamadas aparições marianas de Fátima, em 1917, estão inseridos nesta analogia probabilística. Mas será que podemos considerar tais incursões ao nosso planeta como viagens de astronautas alheios ao nosso mundo? Ou as alegadas manifestações ocorrem fora dos padrões cognitivos e sensoriais comuns? Por outro lado, seria importante avaliar que capacidades tecnológicas fariam mover civilizações avançadas até nós. Mas, mais do que isso, que motivações e interesses poderiam trazer até nós estas formas de vida inteligente, pelo menos mais equipadas do que o Homo sapiens do ponto de vista técnico e científico. Concluindo, digo que a obrigação da ciência, em contínua evolução, é verificar todas as hipóteses.
A herança antropocêntrica
Ao contrário da maioria dos pesquisadores de variadas áreas, que, na contramão dos fatos, nem sequer admitem a existência dos UFOs, o senhor, ainda que tenha dúvidas, admite como possível a hipótese extraterrestre (HET) para os mesmos. Que motivos o senhor poderia atribuir para esta diferença de postura entre os cientistas, uma vez que o simples reconhecimento do fenômeno já seria por si só motivo suficiente para o interesse científico? Não tenho a presunção e nem me cabe o ônus da prova, mas, sinceramente, não acho racionalmente aceitável que um cientista ou mesmo leigo, de boa-fé e sem fundamentalismo de teor religioso, não considere o princípio e a realização da vida como uma potencialidade intrínseca ao cosmos. Seria verdadeiramente uma aberração sermos uma exceção. Acho que as dificuldades de alguns setores científicos em enxergar tal possibilidade têm a ver com o peso de uma herança antropocêntrica que ainda sustenta a construção cultural do chamado “terceiro cérebro”. Só futuras e ruidosas descobertas nas próximas décadas poderão ajudar a dissolver o problema.
No Brasil e em outros países, a fenomenologia levantada pelos ufólogos, especialmente as evidências originárias de atividades militares e espaciais, já nos permitem colocar a HET como imbatível em alguns casos, devido às provas circunstanciais que elas engendram. Como o senhor acompanha a evolução deste estudo baseado em tais documentações? Tais evidências são interessantes por sugerirem um envolvimento sério por parte da defesa nacional de vários países, o que é sinônimo de preocupação para com a segurança de seu espaço territorial. Os registros coletados, contudo, continuam a carecer de um aprofundamento do componente científico civil, porque, enquanto resistir esta fronteira de competências, as desconfianças mútuas não acrescentarão nada de relevante ao estudo da matéria, do problema e da sua solução. A falta de transparência quanto ao assunto por parte das grandes potências vai sendo aliviada à medida que o tempo decorre. Liberam-se documentos secretos, é certo. Mas, e depois? O que resulta disso, a não ser a confirmação de uma atividade contínua nos céus de nosso planeta, com interesse para os historiadores e outras disciplinas das ciências humanas? Foi o que sucedeu em Portugal com alguns casos em que pilotos da Força Aérea Portuguesa atuaram, durante as décadas de 70 e 80. Naquela época, pudemos pesquisar diretamente tais acontecimentos num cenário que julgo uma exceção em escala mundial, pois éramos investigadores civis em bases militares. Imagine o que faria a imprensa se isto tivesse ocorrido nos Estados Unidos… Mas, em suma, estas provas circunstanciais têm pouca representatividade, uma vez que se aplicam a fenômenos passados, não reprodutíveis, nos quais o investimento científico ficou muito aquém do desejado. Voltamos ao caso de Fátima, tudo poderia ser diferente se, em 1917, tivéssemos os instrumentos da ciência de hoje.
Não é aceitável que um cientista ou mesmo leigo, de boa fé e sem fundamentalismo de teor religioso, não considere o princípio e a realização da vida como uma potencialidade intrínseca ao cosmos. Seria verdadeiramente uma aberração sermos uma exceção
A manifestação de teólogos de várias tendências católicas, como o bispo dom Fernando Pugliesi, da Igreja Brasileira, e os da Santa Sé, notadamente o falecido monsenhor Conrado Balducci e recentemente o jesuíta e astrônomo José Gabriel Funes, também simpatizantes da HET, poderia significar uma mudança de postura dos religiosos em relação à inacessibilidade do precioso conteúdo da biblioteca do Vaticano? Do ponto de vista institucional, pode ser. Até porque, o Observatório do Vaticano, com sede em Castelgandolfi, embora subordinado à Santa Sé, está na dependência do apoio do Observatório Steward, da Universidade do Arizona. Mas, relativo à questão da HET e de sua aceitação ou não pela hierarquia do catolicismo romano, é importante lembrar que estamos diante de um equívoco histórico aqui. Já destaquei na minha tese de doutorado o fato de a Igreja ter se pronunciado favoravelmente à possibilidade de Deus ter criado mais mundos além do nosso, isso já no decurso do Sínodo dos Bispos, realizado em Paris, em 1277. Curiosamente, pairava sobre os crentes a ameaça de heresia a quem não concordasse que Deus, na sua onipotência, poderia ter criado uma multiplicidade de mundos. De fato, não se afirmava que era indiscutível a existência desses orbes, mas sua possibilidade. Como se vê, não existe um rumo linear nas perspectivas eclesiais do cristianismo quanto ao problema da pluralidade dos mundos. Abordo esta questão no meu novo livro, Moradas Celestes: O Imaginário Extraterrestre na Cultura Portuguesa, a ser publicado em breve pela Âncora Editora, também de Lisboa.
O jornal inglês The Sun, juntamente com similar norte-americano, publicou em 1985 declarações de assistentes do Vaticano afirmando que o papa João XXXIII tivera vários encontros com extraterrestres. O mais documentado teria acontecido no verão de 1961, em Castelgandolfi. O senhor tem algum conhecimento desses supostos encontros? Sem provas documentais inquestionáveis, julgo que são apenas alegações típicas do jornalismo tablóide, uma das peças integrantes do chamado ufolore, versão ufológica dos mitos urbanos, para usar outra expressão em inglês. Esta continua a ser uma das dimensões míticas do Fenômeno UFO, da sua capacidade de autogeração nos limites do secretismo conspiracional global, como defendem alguns membros da Comunidade Ufológica Internacional.
Qual é sua opinião sobre a versão católica dos segredos de Fátima? O senhor possui uma idéia diferente para eles, sobretudo no que poderia conter a chamada última mensagem, baseado no que conhece dos manuscritos da irmã Lúcia, redigidos entre 08 de dezembro de 1941 e 09 de janeiro de 1944? Como já disse, trata-se de um ajustamento dos fatos à formatação cultural e mental da época, lógica para os padrões e as referências locais e espaciais onde decorreram as aparições marianas. Não poderia ser de outro modo, como hoje nos parecem naturais as representações de alienígenas em nossos dias. O depoimento inicial da vidente Lúcia acerca do presumível segredo eram apenas umas palavrinhas. Mas, já nas suas Memórias Tardias, tais palavrinhas assumiram o formato de uma história estruturada e dramatizada, em que está clara a influência do papel doutrinador dos confessores que acompanharam a vidente na sua reclusão monástica na Espanha.
Entre os ufólogos dedicados ao estudo da Ufoarqueologia e seus desdobramentos no cristianismo, há o consenso de que o sectarismo católico de Roma jamais revelaria o verdadeiro conteúdo do chamado Terceiro Segredo de Fátima. Argumentam que, se a Bíblia, que está repleta de relatos ufológicos e até de encontros com ETs, não tem a correta interpretação dos exegetas sobre tais escritos, não seria a ocorrência de Fátima a primeira a ter abordagem diferente. Para eles, o papa João Paulo II mentiu ao afirmar que o último segredo passado na Cova da Iria se referia ao atentado contra sua vida, ocorrido em 1981. O que o senhor pensa desta afirmação? À luz do conhecimento atual que temos de tais documentos, estas leituras conspiracionistas são fruto de desvarios exuberantes de alguns personagens que chamo de “mais fatimistas do que Fátima”. O papa é um ser vulnerável como qualquer outro, sujeito às deficiências e limites do cognoscível. O tal segredo, pela sua natureza intrínseca, deve ser ambíguo. Certamente, a mensagem deverá se manter secreta para que se cumpra a função da profecia e a tensão afirmativa de fé no intermediário – o mensageiro – e na ambigüidade das profecias que podem ter tantas leituras quantos leitores. São ilações conhecidas dos sociólogos. Claro que podemos descortinar nos textos bíblicos, e não só neles, múltiplos episódios de teor ufológico – e a introdução da minha tese faz este inventário – que sugerem que não há nada de novo nesta área. Apenas fórmulas de entendimento do desconhecido adaptadas pela razão humana para que a nossa existência seja menos absurda e ganhe algum sentido.
É fato que leituras conspiracionistas rondam o Fenômeno UFO, pois encontram terreno fértil no acobertamento de informações teológicas que levantam a possibilidade, já citada antes, de serem os deuses astronautas vindos de outros orbes. Contra posturas obscurantistas e medievais, deste e de outros tipos, levantam-se teólogos dissidentes, como o suíço Hans Kung, que freqüentemente condenam o espaço que alguns sumo-pontífices dão a instituições fechadas como a Opus Dei, notadamente às suas interferências junto à Cúria Romana, que