A discriminação racial nos Estados Unidos tem suas origens no século XIX. A elite do país considerava as pessoas da raça negra como “socialmente desajustadas”, acusando-as de ociosidade, imoralidade, estupidez e responsáveis pela disseminação de doenças de toda ordem. Uma série de leis e códigos restringiam liberdades e direitos civis não apenas dos afro-americanos, mas também de outras minorias raciais. Algumas proibiam o casamento inter-racial e segregavam as pessoas em transporte, escolas e banheiros públicos. Assim, mesmo que uma pessoa não fosse racista, ela estava proibida de se casar com alguém de outra raça. Foi somente em 1967 que a Suprema Corte declarou inconstitucional a proibição do casamento inter-racial, em uma época em que 72% dos norte-americanos se opunham a este tipo de união.
É neste cenário que tivemos um dos mais espantosos casos de abdução alienígena da história, e também um dos primeiros conhecidos. Barney (1922-1969) e Betty Hill (1919-2004) moravam em Portsmouth, no estado de New Hampshire. Eram líderes comunitários e membros da Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor (NAACP), uma instituição fundada em 12 de fevereiro de 1909 para lutar pelos direitos civis dos afro-americanos — a cada ano, até hoje, a entidade entrega o prêmio NAACP Image Awards para os negros mais influentes do cinema, televisão e música. Barney ainda fazia parte do conselho local da Comissão de Direitos Civis. Eles formavam um casal inter-racial, ele negro e ela branca, em um momento em que nos Estados Unidos isso era algo incomum e socialmente rejeitado. Todavia, a experiência extrema pela qual passaram não pôde ser contida pelas quatro paredes do seu harmonioso lar. É possível que esses pensamentos conflituosos povoassem a mente dos Hill, que em pouco tempo viram-se compelidos a compartilhar aqueles momentos de pânico com os membros de sua comunidade, alcançando dimensão planetária poucos anos depois.
Quando foi abduzida, Betty já tinha ouvido falar de histórias sobre discos voadores — na TV despontavam filmes e séries sobre seres de outros mundos de aparência bizarra e índole maléfica que, em essência, refletiam os anseios e receios daquela determinada geração, em função de novas tecnologias e descobertas científicas. No entanto, a ficção científica se desenvolveu como gênero consciente de si próprio muito antes. Em 1926, Hugo Gernsbeck fundou a revista Amazing Stories, dedicada exclusivamente a histórias de ficção. Publicadas nesta e noutras revistas com sucesso grande e crescente, tais contos não eram vistos por setores literários como literatura, mas como sensacionalismo. Foi somente em 1937, com a publicação de novelas de Isaac Asimov, Arthur C. Clarke e Robert A. Heinlein, que a ficção científica emergiu como uma forma de literatura séria.
Nem estrela, nem satélite
Em meio a isto, algo inacreditável aconteceu ao anoitecer de 19 de setembro de 1961. O casal Hill e sua cadela Delsey retornavam de uma viagem de férias ao Canadá pela Rota 3, que naquela noite estava pouco movimentada, quando algo incrível se deu. Ao passarem pela cidade de Lancaster, Betty olhou para a Lua, que não estava cheia, mas muito brilhante. Abaixo dela, do lado inferior esquerdo, havia uma estrela de forte brilho e, logo acima, outra que momentos antes não estava lá. Betty mostrou esta “estrela” para seu marido e notaram que ela ficava cada vez maior e brilhante. Delsey estava inquieta e então Betty pediu a Barney para parar o carro e deixá-la dar uma volta, pois isso lhes daria a chance de observarem melhor aquela “estrela” com binóculos. Dirigiram então para um estacionamento construído fora da estrada, em um local apropriado para que as pessoas parem e admirem a vista. Barney estava preocupado com a presença de ursos, mas Betty saiu do carro, colocou a coleira em Delsey e começou a caminhar com ela, quando percebeu que a “estrela” — agora já com aparência de um objeto — definitivamente se movia. Barney saiu do carro, observou aquilo e disse se tratar de um satélite. Mas não era.
Betty viu aquele objeto passar diante de toda a face da Lua e notou que tinha um formato estranho — e piscava luzes em diferentes cores. Ela nunca tinha visto coisa semelhante em toda sua vida e estava fascinada com aquela inusitada visão. A esposa insistiu para que o marido prestasse atenção ao objeto, mas ele só ficava dizendo “ah, é só um satélite”. Porém, aquela luz se movia pelo céu e vinha em direção ao casal, quando Barney pegou sua arma escondida no porta-malas e, discretamente, a deixou no chão do carro, à sua esquerda, pois começou a perceber que algo estranho estava acontecendo. “Dê-me o binóculo”, disse à Betty. E viu que aquela coisa, que passou a achar que era um avião, fez uma curva para a esquerda, em direção a Vermont, e continuou virando até começar a voltar e vir em sua direção. “Betty, vamos embora”, disse o homem. “Esqueça isso. É apenas um avião ou provavelmente uma aeronave estranha”, completou. Mesmo assim, ele ficou surpreso com o fato de não ouvir nenhum ruído, nenhum som de motor.
De volta à estrada, perceberam que estavam sendo seguidos por aquele artefato e Barney começou a se sentir muito incomodado — ele desejava encontrar algum outro veículo ou viatura policial, mas ninguém apareceu. Betty insistia para que parassem o carro para observar o peculiar objeto e fizeram isso diversas vezes. Passaram pelo teleférico da Montanha Cannon, onde havia uma área iluminada no topo, que Betty achou se tratar de um restaurante. Enquanto olhava, as luzes se apagaram no momento em que o artefato passou bem atrás do local. Eram 23h10 e o objeto saiu de vista. Betty achou que tivesse ido embora e que talvez não estivesse mais interessado neles. Todavia, ao contornarem à montanha, lá estava ele novamente, não muito distante, a cerca de 300 m, estimou Barney.
Aflição e desespero
Betty não estava com medo, mas curiosa e com uma intrigante sensação de que algo iria acontecer. Eles continuaram dirigindo e pararam em um local repleto de árvores, quando perderam o aparelho de vista mais uma vez — mas ele estava bem ali e logo se projetou adiante e oscilou em frente ao carro. Pelo binóculo, Betty pôde notar uma fileira de janelas e então percebeu quando uma luz vermelha saiu do lado esquerdo do objeto e, em seguida, outra do lado direito. “Pare o carro, Barney, e olhe aquilo”, disse Betty. Mas o marido parecia dar pouca importância e isso irritava sua esposa, que raramente ficava ansiosa. “Veja”, ela insistia. “Preciso
dirigir o carro”, ele respondeu. O que a mulher não sabia era que Barney estava aterrorizado. “Deus, estou com medo. Tenho que pegar minha arma”, se afligia em desespero. Então, pegou finalmente o revólver no chão do carro e o guardou no bolso. Ele parou o automóvel bem no meio da rodovia e, apoiado na porta e no capô, pôde ver o objeto bem à sua frente. “Meu Deus, o que é essa coisa?”, pensou. “Tem que ser um tipo de helicóptero para ficar suspenso dessa forma. Ou um dirigível”. O artefato não emitia som algum.
Havia 11 aliens olhando para Barney, que de repente se viraram para uma espécie de painel. Todos foram para os fundos da nave, mas um deles permaneceu ali, mantendo contato visual fixo com o abduzido, que sentiu um impulso para se aproximar
Com o binóculo ele percebeu que havia 11 homens olhando para ele, que de repente se viraram para o que parecia ser uma espécie de painel. Todos foram para os fundos da nave, mas um deles permaneceu ali. Por cima de seu ombro direito, sorrindo com seus olhos repuxados e com semblante maléfico, o ser manteve o contato visual fixo em Barney, que sentiu um impulso para se aproximar. “Apenas continue olhando e fique aí”, disse ele telepaticamente a Barney, que estava muito confuso. Algo começou a descer da nave. Parecia uma corda, mas o homem não tinha certeza. “Porque? O que eles querem?”, indagou. “Precisamos sair daqui”. Ele lutava contra uma força desconhecida e irresistível. Do interior do carro, Betty notou que seu marido se afastava cada vez mais e gritou: “Barney, seu tolo, volte para cá”. E chamava-o repetidas vezes. Em um súbito momento de lucidez, ele correu de volta para o carro gritando histérico que iriam ser capturados.
Ligaram o carro e começaram a acelerar rapidamente, enquanto Barney dizia: “Olhe, é possível vê-los. Estão bem acima do carro”. Betty, porém, nada via. Do seu lado, ela tentou passar seu corpo pela janela para olhar para o alto, procurando, mas não conseguia vê-los. De repente começou um som de bip, bip, bip e Betty pensou: “Droga, por que não aprendi Código Morse?”, acreditando que o sinal fosse uma comunicação nesta linguagem. Betty chorava copiosamente e Barney continuou dirigindo sem parar — ele estava perdido e desconfortável e, em um determinado ponto, sem aviso algum, sem sinal ou motivo, parou o carro subitamente e fez uma curva brusca à esquerda, para fora da estrada. Logo adiante uma luz vermelha chamou sua atenção. De dentro dela um “homem” lhe sinalizava e, mais adiante, havia outros “homens” que se separaram em dois grupos e começaram a vir em sua direção.
Avisos telepáticos
Eles lhe diziam mentalmente o tempo todo para que ficassem calmos, pois nenhum mal lhes ocorreria. Mesmo assim, Barney tentou ligar o carro, sem sucesso, pois o motor não dava a partida. “Será que estamos sendo assaltados? Mas eu não tenho dinheiro algum!”, pensou. Confuso e aterrorizado, saiu do carro e dois dos “homens” o ajudaram. Ele não caminhava, mas sentia que estava flutuando. Em instantes, adormeceu. Do lado de Betty, outros “homens” se aproximaram e abriram a porta — ela também sentiu que estava caindo no sono, mas lutou contra a sensação tentando a todo custo permanecer acordada. Quando finalmente abriu os olhos, percebeu que estava caminhando pela floresta com dois daqueles “homens” à sua frente e um de cada lado. Olhou para trás e viu seu marido andando dormindo, mas continuou caminhando escoltada pelos estranhos.
Betty se irritou e se questionou: “Quem são essas figuras e o que elas pensam que estão fazendo?” E se virou e disse em voz alta: “Barney, acorde. Por que você não acorda?” Mas ele não pareceu ouvir e continuou andando. O ser ao lado de Betty lhe perguntou: “Então o nome dele é Barney?” Revoltada e assustada, ela não respondeu, mas ele a reconfortou: “Não há motivos para que tenha medo. Não vamos lhes fazer mal. Queremos apenas fazer alguns testes. Quando terminarmos, levaremos você e Barney de volta para o carro. Vocês estarão a caminho de casa em breve”. Chegando em uma clareira, a mulher viu um disco voador com uma rampa e uma porta aberta — ela não queria entrar nele e resistiu o quanto pôde, chegando a chutar uma de suas escoltas. O ser ao seu lado, irritado, lhe disse para que prosseguisse. “Anda logo. Quanto mais ficar aqui, mais tempo levará”, falou a ela. “É melhor andar e terminarmos logo com isso para você voltar ao seu carro. Nós também não temos muito tempo”, completou. Não havia nada que ela pudesse fazer e finalmente o casal entrou na nave, Barney praticamente arrastado dormindo.
Ele e sua esposa forneceram aos pesquisadores descrição detalhada sobre os exames conduzidos a bordo da nave. Disseram que, no momento em que tudo parecia estar se encaminhando para um desfecho tranquilo, Betty se dirigiu ao líder e pediu uma prova da incrível experiência, pois jamais acreditariam na sua história. Então, ele riu e perguntou que tipo de prova ela queria? Ela olhou ao redor, na esperança de encontrar algo que pudesse levar consigo, mas não havia muita coisa na sala. Entretanto, em um armário havia um livro bem grande. “Posso levar isso?”, perguntou. “Sim, você pode levá-lo, se quiser”, respondeu o tripulante do aparelho. Betty ficou encantada, pois levar aquele livro era mais do que poderia esperar. Ela já não sentia mais medo e perguntou: “Sei que você não é daqui. De onde você vem?” Ele perguntou se ela conhecia alguma coisa sobre o universo, mas ela não sabia praticamente nada…
Rotas estelares
O ET então foi até um ponto da sala e mostrou uma espécie de mapa tridimensional em uma abertura na parede, no qual havia pontos distribuídos por toda sua extensão, alguns pequenos como cabeças de alfinete, outros grandes como uma moeda de cinco centavos — e havia linhas curvas unindo um ponto ao outro, algumas grossas, outras finas e algumas tracejadas, representando respectivamente rotas comerciais, locais que iam ocasionalmente e expedições. “Onde está seu porto de origem neste mapa?”, perguntou a mulher. O ser — que ela já entendia como sendo o líder do UFO — devolveu a pergunta: “Onde está você neste mapa?” Betty olhou para o mapa, riu e disse: “Não sei”. “Bem, se você não sabe onde está, então não há sentido em lhe dizer de onde eu venho”, disse o ET, para sua frustração.
Em dado momento ela viu Barney sendo trazido, que permanecia de olhos fechados. Com um sorriso no rosto, Betty se perguntou se ele assim permanecia por medo ou
por algum comando mental. Ela pegou o livro e perguntou ao líder: “Vocês irão voltar?” Ele respondeu: “Bem, veremos”. O casal já estava agora no corredor, pronto para descer a rampa, quando alguns outros “homens”, ansiosos, começaram uma conversa — o líder discutiu com eles, como se estivesse decidindo algo. De repente, para decepção de Betty, ele se aproximou e tomou o livro de suas mãos. Furiosa, ela disse: “Você me prometeu que poderia ficar com ele”. E o ET respondeu: “Eu sei, mas os outros foram contra”. Betty argumentou: “Mas essa é a minha evidência. Se você me tirar o livro, não terei nenhuma prova”. “Essa é a questão: eles não querem que você saiba que isso aconteceu. Querem que você esqueça tudo”. Aos prantos, Betty ainda disse: “Jamais esquecerei. Você pode pegar seu livro, mas nunca me fará esquecer. Irei me lembrar, nem que seja a última coisa que eu faça”.
De volta ao carro, um Barney ainda meio fora do ar encontrou a cadela Delsey no banco do passageiro, toda trêmula. Betty chegou logo depois e disse: “Saia do carro e venha vê-los partir”. E em uma grande e brilhante bola alaranjada eles se foram, e o casal Hill ficou só na escuridão, até que, recompostos, tomaram a rodovia de volta para casa. A fantástica experiência deles pode ser resumida nas palavras do próprio Barney: “Betty e eu nos sentíamos muito alegres. Eu me sentia muito feliz, com bem-estar e grande alívio, porque estive em uma situação alucinante que não tinha nada de danoso ou nocivo. Sinto-me imensamente aliviado. Betty, rindo, ainda me perguntou se eu acredito em discos voadores agora. E disse: ‘Não seja ridícula, mulher. Claro que não acredito”.
Hipnose regressiva
A reconstrução da cronologia dos eventos, desde o momento em que o casal observou o UFO até sua chegada em casa, os sonhos estranhos e recorrentes de Betty, os pesadelos e sinais de ansiedade de Barney e as recordações fragmentadas e incompletas [Missing time] transformaram o Caso Hill em um totem da Ufologia Mundial, assim como a narrativa padrão para quase todos os casos de alegadas abduções. O esclarecimento final de toda esta fantástica ocorrência foi obtido sob hipnose regressiva procedida pelo doutor Benjamin Simon, um imigrante russo que ainda garoto chegou com os pais aos Estados Unidos. Ele se graduou em Medicina pela Universidade de Stanford, em 1925, concluindo seu mestrado em Química, em 1927, e o doutorado em Medicina pela Universidade de Washington quatro anos depois. Ainda na graduação, Simon interessou-se pela hipnose, tendo utilizado o método como ferramenta terapêutica pela primeira vez durante sua residência em psiquiatria.
O doutor Simon conheceu o casal Hill em 14 de dezembro de 1963. Embora não aceitasse a hipótese extraterrestre para aquele fato, lhe parecia óbvio que o casal acreditava genuinamente na história que sustentava e, por meio da hipnose, esperava descobrir o que realmente havia acontecido. Em 04 de janeiro do ano seguinte, ele começou as sessões com o casal, estendendo-as até 06 de junho. Com o encerramento dos procedimentos, os Hill retomaram suas vidas normais. Embora solícitos e dispostos a discutir sua experiência com os interessados, eles nunca se esforçaram para buscar publicidade. Todavia, em 25 de outubro de 1965, o Caso Hill ganhou projeção internacional quando um artigo intitulado O Mistério do UFO: Teriam Eles Raptado o Casal?”, do repórter John H. Lutrell, ganhava a primeira página do Boston Traveler. Não havia mais volta e o caso repercutiria em todo o mundo.
Claro, o ceticismo
Em 1966, o escritor John G. Fuller, autor de vários livros sobre Ufologia e fenômenos paranormais, obteve a colaboração dos Hill para escrever The Interrupted Journey [A Viagem Interrompida, Icon Press, 1961], uma obra que se tornou best seller e que posteriormente se transformou em um filme sobre o famoso caso. O livro continha uma peculiaridade: o esboço do mapa estelar de 90 x 60 cm, desenhado por Betty por sugestão do doutor Simon. Por ocasião das sessões de hipnose, ela estava hesitante em refazer o mapa, achando que não seria capaz de descrever com precisão seu aspecto tridimensional. Por fim, cedeu ao apelo do médico. Tendo desenhado os detalhes dos quais se lembrava, seu mapa consistia em 12 estrelas maiores conectadas e três estrelas menores que formavam um triângulo — segundo lhe havia sido dito por um dos tripulantes, as estrelas conectadas por linhas cheias seriam “rotas comerciais”,
enquanto as linhas tracejadas representavam “rotas menos navegadas”.
Para os céticos, tudo não passaria de um devaneio da simpática senhora, até que, ao tomar conhecimento do Caso Hill por meio do livro de Fuller, Marjorie Fish, entusiasta por astronomia e socióloga pelo Juniata College, de Huntington, na Pensilvânia, desenvolveu um estudo compulsivo sobre o mapa desenhado por Betty. Com o respaldo de dados científicos atualizados e que não estavam disponíveis na época em que o mapa foi elaborado, em 1972, Fish conseguiu finalmente concluir o trabalho de identificação das estrelas e rotas envolvidas no desenho de Betty, concluindo que os abdutores do casal teriam vindo das estrelas Zeta Reticuli 1 e 2, um sistema binário na Constelação de Reticulum, localizado a 39 anos-luz da Terra.
Betty viu um mapa estelar na nave que consistia em 12 estrelas maiores conectadas e três menores que formavam um triângulo. As estrelas ligadas por linhas cheias seriam ‘rotas comerciais’ e as linhas tracejadas ‘rotas menos navegadas’
O Caso Hill pode ser considerado o primeiro episódio de abdução alienígena da Era Moderna do Discos Voadores, pois foi o primeiro a ser divulgado em nível oficial. Devido ao seu ineditismo, o caso sofreu críticas de diversos setores da sociedade, que colocaram em xeque sua veracidade e as comprovações a ele associadas. Mas sua “desconstrução” nunca foi tarefa fácil — quando analisado como um todo, ele é espantosamente verossímil, a despeito da carência de evidências materiais. Pode-se questionar um detalhe aqui ou ali, mas a base sobre a qual se apoia se mantém firme. Mesmo assim, ao redor dele, como em muitos outros casos da extensa casuística ufológica global, ergue-se uma barreira de ceticismo e desinformação que afronta a mais rudimentar inteligência, lançando seus protagonistas em um oceano de zombaria e negação.
De maneira geral, o ceticismo sobre a questão ufológica gira em torno da alegação — errônea e ignorante — de que não existem provas para a fenomenologia ufológica, e para tanto os céticos fazem uso de argumentos que beiram o ridículo, invocando raios-bola, gás do pântano, nuvens lenticulares, aurora boreal, planeta Júpiter, filmes de ficção científica etc para “explicar” os fatos narrados na casuística. Em seu livro Flying Saucers and Science: A Scientist Investigates the My
steries of UFOs [New Page Books, 2008], o físico nuclear e conferencista Stanton Friedman, correspondente internacional da Revista UFO no Canadá, sintetiza as técnicas utilizadas pelo establishment cético para desacreditar ocorrências, ainda que suportadas por evidências robustas. Ele enumerou os mantras daqueles que impunham a bandeira do ceticismo quanto ao Fenômeno UFO, dividindo-as nas seguintes afirmativas: 1) “O que o público não sabe, eu não vou dizer a ele”; 2) “Não me aborreça com fatos, pois a minha opinião já está formada”; 3) “Se você não pode atacar os fatos, ataque as pessoas”; e 4) “Faça uma pesquisa superficial, pois uma investigação profunda é demorada e trabalhosa e a maioria das pessoas jamais irá perceber a diferença”.
Política de acobertamento
O desafio que se enfrenta na busca pela verdade sobre o Fenômeno UFO é sedutor. Os dados reunidos, o acúmulo de evidências e os testemunhos validam a convicção neles, de modo que é simplesmente impossível ignorar o assunto. Desde o final da Segunda Guerra Mundial, as coisas estavam se tornando desconfortavelmente claras a respeito do assunto. Desde então, a Força Aérea Norte-Americana (USAF) estabeleceu três grandes projetos de pesquisa sobre os estranhos fenômenos vistos no céu: Sign (1948), Grudge (1949-1951) e Livro Azul (1952-1970). Com o passar do tempo, foi se tornando cada vez mais evidente que os objetos não pertenciam a qualquer país estrangeiro, tendo o governo norte-americano que enfrentar a clara possibilidade de que não se originaram aqui na Terra. Diante da carência de respostas para um fenômeno que ganhava interesse popular, a USAF decidiu sepultar o assunto, amparada pela parcialidade do Relatório Condon (1969), um estudo conduzido pela Universidade do Colorado.
Em 21 de setembro de 1961, Betty telefonou para a base da USAF em Pease, em seu estado, New Hampshire, para relatar seu encontro com o UFO. Mas, com medo de ser rotulada de excêntrica, ela reteve alguns detalhes. Em 22 de setembro, o major Paul W. Henderson telefonou para os Hill para marcar uma entrevista mais detalhada. O relatório de Henderson, datado de 26 de setembro, determinou que os Hill provavelmente haviam avistado o planeta Júpiter — seu relatório foi encaminhado para a chefia do Projeto Livro Azul com a inacreditável conclusão. Poucos dias após o encontro com Henderson, Betty pegou emprestado de uma biblioteca local um livro sobre UFOs de autoria do major aposentado Donald E. Keyhoe (1897-1988), que na ocasião era o chefe da National Investigations Committee On Aerial Phenomena (NICAP), um grupo pioneiro de pesquisa ufológica. Ela decidiu escrever para Keyhoe para relatar sua história completa, incluindo detalhes sobre as figuras humanoides que Barney havia observado com o binóculo. Betty acrescentou que ela e o marido estavam considerando a hipnose para ajudá-los a se lembrar dos detalhes que permaneciam sob o véu do esquecimento, o que ainda não havia ocorrido.
Sua carta foi então encaminhada a Walter N. Webb, um ufólogo e astrônomo de Boston e membro NICAP. Webb e os Hill reuniram-se em 21 de outubro e, em uma entrevista de seis horas, o casal relacionou tudo o que lembrava do encontro com o UFO. Barney afirmou que ele havia desenvolvido uma espécie de “bloqueio mental” e que suspeitava que havia algumas partes do evento que não conseguia se lembrar porque não queria. E descreveu em detalhes tudo o que conseguia se recordar sobre o aparecimento das figuras não humanas a bordo da nave. Webb concluiu que eles estavam dizendo a verdade e que o incidente provavelmente ocorreu exatamente como relatado, “exceto em algumas incertezas menores e aspectos técnicos que devem ser tolerados em quaisquer dessas observações, onde o julgamento humano está envolvido”. Ele citou, por exemplo, o tempo exato da ocorrência, a visibilidade do local, tamanhos aparentes dos objetos e ocupantes, distância e altura do objeto etc.
Ferramentas de investigação
Uma das primeiras argumentações céticas contra o Caso Hill partiu de psiquiatras, que alegaram que tudo seria fruto de alucinação motivada pelo estresse de formarem um casal inter-racial em uma sociedade intolerante, sofrendo, dessa forma, preconceitos diversos. Isso era verdadeiro, mas somente em parte. Até onde temos conhecimento, o preconceito não afligia o casal de forma ostensiva — Barney era querido pela família de Betty, em seu trabalho e em sua comunidade, tendo recebido menções honrosas por seu trabalho social à frente da NAACP. Ademais, por que então outros casais inter-raciais não reportaram semelhantes ocorrências?
As sessões de hipnose regressiva solidificaram o esclarecimento dos acontecimentos daquela noite. Como ferramenta de investigação de supostos casos de abdução, o procedimento é tido, nos tempos atuais, como metodologia extremamente controvertida. Muitos aspectos contribuem para que as opiniões tenham esse viés. Quadros patológicos de origem psíquica, muitas vezes ligados a situações externas na vida do indivíduo, provocam transtornos na área mental, física e/ou da personalidade. Estes quadros recebem o nome de neuroses. Outro exemplo são as falsas memórias ou memórias ilusórias, que em psicologia são informações armazenadas na memória sem que exista um estímulo real e objetivo, mas que são recordadas como se tivessem sido efetivamente vivenciadas pelo indivíduo.
Uma das formas de estimular a formação de falsas memórias é o chamado Procedimento de Sugestão de Falsa Informação, que envolve questionar sobre a presença de um estímulo compatível durante um fato vivenciado subjetivamente. Em outras palavras, quanto mais aceitável, provável e conveniente seja esse estímulo, mais plausível de ele ser incluído na memória do sujeito. Outro fator importante é o impacto emocional do evento vivenciado. Neste caso, quanto maior for ele — tanto negativo quanto positivo —, maior a facilidade de recordá-lo posteriormente envolvido com falsas memórias.
O Caso Hill pode ser considerado o primeiro episódio de abdução da Era Moderna do Discos Voadores, pois foi o primeiro a ser divulgado em nível oficial. Devido ao seu ineditismo, sofreu críticas que colocaram em xeque sua veracidade
Após as extensas sessões de hipnose, o doutor Benjamin Simon concluiu que as lembranças do encontro de Barney com o UFO eram uma fantasia inspirada pelos sonhos recor
rentes de Betty. O médico admitiu que essa hipótese não explicava todos os aspectos da experiência, mas acreditava que era a explicação mais plausível e coerente. Embora os Hill e o doutor Simon discordassem sobre a natureza do caso, concordaram que as sessões de hipnose foram eficazes — o casal já não era mais atormentado por pesadelos ou ansiedade gerados pela lembrança da abdução alienígena. Por fim, o doutor Simon escreveu um artigo sobre o casal Hill para a revista Psychiatric Opinion, explicando suas conclusões de que o caso representava uma singular aberração psicológica.
Desde então, milhares de casos do gênero ao redor do mundo já foram listados e sistematicamente pesquisados, abrangendo os mais variados tipos e graus de contato. Um dos mais importantes e respeitados especialistas no fenômeno das abduções, o norte-americano David Jacobs, tem uma teoria bem peculiar a respeito — ele tem a distinção de ter sido o primeiro a apresentar uma tese de doutorado abordando o tema UFOs. Jacobs teve sua atenção despertada exatamente pelo Caso Hill, após ler o citado livro de John G. Fuller. Juntamente com outro grande pesquisador, Budd Hopkins (1931-2011), ambos se tornaram os maiores especialistas no fenômeno das abduções da Ufologia Mundial. Com mais de 900 sessões de hipnose no currículo, Jacobs consolidou um corpo de evidências que lhe permite emitir opiniões bombásticas. Ele afirma convicto:
“Nossos abdutores não nos dão informações sobre sua origem ou objetivos, não querem compartilhar conosco aspectos técnicos de seus procedimentos, não desejam ser descobertos e muito menos interrompidos no que estão fazendo. Isso teve um começo e está em franco desenvolvimento, com aliens monitorando ininterruptamente milhares de pessoas que abduzem. Mas não temos ideia da razão que os levam a fazer isso e muito menos quando esse processo vai parar”.
Sem patologia evidente
John E. Mack (1929-2004) foi outro grande especialista em abduções a defender sua legitimidade e a forma como elas alteram a vida dos que passam por tais experiências. Ele era médico psiquiatra da Harvard Medical School, em Boston, Massachusetts. Mack inicialmente suspeitava que as pessoas que alegavam tais experiências sofriam de alguma doença mental. Porém, quando não conseguiu diagnosticar nenhuma evidente patologia nestes pacientes, teve seu interesse despertado para a questão e passou a considerar as experiências de abdução seriamente. Começou então um estudo sistemático, envolvendo inúmeros entrevistados. Ele notou que muitos desses supostos abduzidos diziam que seus encontros afetaram a maneira como eles enxergavam o mundo, com a noção de um elevado senso de espiritualidade e preocupação ambiental.
Como cientista, Mack foi bastante cauteloso em suas investigações e interpretações do fenômeno das abduções, bem mais do que muitos pesquisadores que o antecederam — seu interesse nos aspectos espirituais dos encontros com extraterrestres e sua sugestão de que essas experiências de contato teriam uma natureza mais transcendente do que física o colocou em oposição a outros estudiosos igualmente sérios, como Budd Hopkins, que defendia a realidade física dos alienígenas. Outros notáveis pesquisadores também tiveram parte no processo. O filósofo da ciência Thomas S. Kuhn, autor do estudo A Estrutura das Revoluções Científicas [Editora Guerra & Paz, 2009], definiu que o processo de mudança de um paradigma começa quando uma anomalia persistente é descoberta e não pode ser explicada pelo conjunto de elementos dentro da estrutura científica geral. Pois as abduções preenchem perfeitamente os requisitos que as classificam como uma anomalia. São persistentes, inexplicáveis e incômodas.
O pesquisador Mário Nogueira Rangel, experiente ufólogo e hipnólogo, autor do livro Sequestros Alienígenas: Investigando Ufologia com e sem Hipnose [Código LIV-007 da coleção Biblioteca UFO], demonstra esse conceito de forma inquestionável em sua obra. O autor utilizou a hipnose regressiva no esclarecimento de casos tidos como insolúveis pelos métodos ortodoxos. Ele afirma: “Tenho absoluta certeza de que a maioria das pessoas que hipnotizei não mentiu. Somente um ator excepcional poderia se emocionar tanto relatando suas expriências com choros, lágrimas, sustos, surpresas, dúvidas, certezas etc, como ocorreu diversas vezes durante as regressões. O curioso é que muitos dos contatados se perguntam se isso é realmente possível”. Ele pondera que seria importante um convênio entre a Aeronáutica e o Ministério da Saúde, no sentido de suspender o tratamento psiquiátrico de pessoas tidas como loucas por declararem que estiveram a bordo de discos voadores ou em contato direto com entidades angelicais ou extraterrestres.
Desordem psiquiátrica
Devem ser consideradas loucas ou portadoras de alguma desordem psiquiátrica as pessoas que alegam terem sido abduzidas? Para responder a essa pergunta, o psicólogo paulista Leonardo Breno Martins, consultor da Revista UFO, elaborou sua dissertação de mestrado pela Universidade de São Paulo (USP), intitulada Contatos Imediatos: Investigando Personalidade, Transtornos Mentais e Atribuição de Causalidade em Experiências Subjetivas com Óvnis e Alienígenas. Sua pesquisa investigou, sob enfoque quantitativo e qualitativo, experiências anômalas centradas em pretensas observações de objetos voadores não identificados e contatos com entidades alienígenas — sejam eles alegados extraterrestres, ultraterrestres, intraterrestres e congêneres. Com uma amostra total de 81 participantes, ele comparou protagonistas e não protagonistas (grupo controle) quanto aos fatores e facetas da sua personalidade, utilizando indicadores médicos de transtornos mentais. Seu trabalho foi bastante abrangente, pois comparou seus achados com aqueles oriundos de outros países, o que lhe permitiu vislumbrar nuances propriamente brasileiras, além de outras que sugerem universalidades.
Suas conclusões foram extraordinárias. Literalmente, ele afirma: “As experiências ufológicas investigadas não parecem atribuíveis, ao menos não de modo facilmente visualizável, a transtornos mentais ou características de personalidade como propensões fantasistas, dificuldades em lidar com o cotidiano e busca por excitação e estimulação”. Dito de outra forma, abduzidos (pacientes) e não abduzidos (grupo controle) compartilham dos mesmos indicadores de saúde mental. Ou
seja, um grupo, o que alega ter tido experiências ufológicas, é tão sadio quanto o outro, que não alega nada disso.
Hipóteses explicativas
Neste aspecto da legitimidade do acontecido, o mapa estelar de Betty Hill é talvez o elemento mais tangível de toda sua experiência. Uma vez concluído o esforço de catalogação, o trabalho de Marjorie Fish foi avaliado por vários astrônomos, que se surpreenderam com a acuracidade do mesmo. Por exemplo, Terence Dickinson, astrônomo do Planetário Strassen Bug, publicou um artigo intitulado The Zeta Reticuli Incident na conceituada revista científica Astronomy, comentando positivamente o trabalho de Fish. Vozes se levantaram em contrário, notadamente a do astrônomo Carl Sagan. Tendo em vista a enorme repercussão do artigo, um livreto de 32 páginas foi elaborado contendo o referido artigo e todos os comentários recebidos — prós e contras. O mesmo Sagan ameaçou processar a publicação caso seu nome constasse do livreto sem autorização.
Uma das formas de estimular a formação de falsas memórias é o chamado Procedimento de Sugestão de Falsa Informação, que envolve questionar sobre a presença de um estímulo compatível durante um fato vivenciado subjetivamente
Enfim, as diferentes hipóteses explicativas propostas por quem desacredita do Fenômeno UFO sempre deixam enormes lacunas, pois detalhes importantes e fundamentais são ignorados em nome de uma aparente explicação definitiva. Na realidade, uma explicação que nada explica. É uma tremenda hipocrisia — ou uma imperdoável ingenuidade — pensar que o que se esconde ou proíbe deixa de existir. A insistência do Fenômeno UFO em todas as suas formas, sejam elas científicas, midiáticas, místicas ou religiosas, faz suas próprias exigências aos pesquisadores honestos, que não podem mais se dar ao luxo da negação sistemática.