O observatório Pierre Auger está pesquisando para determinar a origem, extragaláctica, das partículas de maior teor energético que bombardeiam a Terra.
Os raios cósmicos de energia muito alta são praticamente desconhecidos dos cientistas. “Para definir a situação com simplicidade, não se sabe o que são, nem de onde vêm, e há questões sobre a maneira pela qual se deslocam de um a outro ponto”, escreveram os cerca de 500 co-signatários de um artigo publicado pela revista Science em sua edição de 9 de novembro.
Porém, eles erguem pelo menos um canto do véu que recobre esse persistente mistério. O artigo apresenta os primeiros resultados do trabalho do Observatório Pierre-Auger, que está concluindo sua implementação na região do Pampa argentino.
O observatório leva o nome do físico francês, nascido em 1899 e morto em 1993, que foi o primeiro a observar, em 1938, as faíscas produzidas na atmosfera terrestre pela interação entre a região atmosférica e os raios cósmicos. As dimensões do grande completo de equipamentos, que compreende 1,6 mil detectores e 24 telescópios sobre uma área de três mil quilômetros quadrados, estão à altura da raridade dos fenômenos que seu trabalho permitirá elucidar.
Para ter uma chance de localizar a fonte de emanação desses raios cósmicos, é necessário que o trabalho de observação se concentre naqueles que sofrem o menor desvio no curso de seu percurso pelo cosmos, ou seja, os de maior teor energético, capazes de concentrar em uma única partícula o equivalente de uma cortada de tênis. Esse tipo de raio cósmico só atinge a Terra em ritmo de um por quilômetro quadrado por século.
Desde que começou suas operações, em janeiro de 2004, o observatório registrou a passagem de mais de um milhão de raios cósmicos, a maioria absoluta dos quais de baixa energia. Apenas 27 desse total estavam dotados de energia suficientemente elevada para permitir tentativas de sobreposição entre sua suposta origem e os mapas cósmicos traçados pela astronomia clássica.
Essa comparação parece indicar como origem desses raios aglomerados galácticos ativos localizados a uma distância de 240 milhões de anos-luz, de acordo com Antoine Letessier-Selvon, do laboratório de física nuclear de alta energia das Universidades de Paris 6 e 7, o coordenador das análises. ¿Nós obtivemos dessa maneira uma prova de que eles têm origem extragaláctica¿, ou seja, eles vieram de fora da Via Láctea.
Esses aglomerados galácticos têm por origem o colapso do centro de uma galáxia, atraído por um buraco negro de massa imensa. Esse fenômeno cataclísmico é acompanhado pela emissão de jatos de matéria monstruosos (com extensão de dezenas de milhares de quilômetros) e das emissões luminosas mais poderosas do universo. Os raios cósmicos podem ter sido emitidos em uma ocasião como essa.
Resta explica o mecanismo que permite conferir a esses raios uma energia 10 milhões de vezes superior à obtida nos aceleradores de partículas construídos na Terra. “Para esse fim, é necessário um meio muito ativo, para engendrar raios cósmicos, e de baixíssima densidade, para permitir que eles escapem”, diz Letessier-Selvon, segundo o qual o processo todo “continua enigmático”.
“A verdadeira fonte poderia ser localizada nesses aglomerados galácticos ativos”, reconhece o observador. O observatório enfrenta problemas de resolução angular, se comparado aos telescópios que capturam luz do espectro visível.
Mas ainda assim o observatório representa “uma nova janela para o universo”, comemora o norte-americano James Cronin, Nobel de Física em 1980. Em companhia da astronomia clássica, que opera no espectro eletromagnético – das ondas de rádio aos raios gama, passando pela luz visível – os raios cósmicos, aos poucos, poderão ajudar a traçar um retrato do universo.