Até mesmo buracos negros, por mais estranhos e poderosos que pareçam, precisam obedecer a algumas leis da física. Uma delas, proposta por Stephen Hawking em 1971, afirma que o horizonte de eventos — a fronteira a partir da qual nada consegue escapar da fúria de um buraco negro — nunca encolhe com o passar do tempo.
Cinquenta anos depois que o físico britânico previu esse comportamento a partir de cálculos matemáticos, e três anos após sua morte, cientistas dos Estados Unidos confirmaram que ele estava certo. A descoberta foi feita ao observar o “eco” criado pela fusão de dois buracos negros. “Foi um alívio perceber que nosso resultado concorda com o paradigma que esperamos e confirma nosso entendimento dessas complicadas fusões de buracos negros”, disse um dos autores do estudo, Maximiliano Isi, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), ao site Phys.org. A descoberta foi publicada nesta semana na revista científica Physical Review Letters.
Além do MIT, participaram do estudo cientistas das universidades de Stony Brook e Cornell, e do Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia), nos Estados Unidos, que analisaram ondas gravitacionais, espécie de eco deixado por objetos e fenômenos supermassivos no universo. Mais precisamente, os cientistas deram uma olhada mais de perto nos dados da GW150914, a primeira onda gravitacional detectada pelo Ligo (Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser), do MIT, em 2015.
Este sinal, especificamente, foi produzido por dois buracos negros que se chocaram e fizeram surgir um novo, junto com uma imensa quantidade de energia que se espalhou pelo tecido do espaço-tempo na forma de ondas gravitacionais. Analisar os aspectos dessas ondas, como comprimento e intensidade, permite entender melhor o objeto que as criou. Se o teorema de Hawking estivesse correto, o horizonte de eventos deste novo buraco negro não poderia ser menor do que a área total da borda dos dois buracos negros anteriores. Para testar a ideia, os cientistas analisaram os dados da onda GW150914 antes e depois da colisão cósmica.
O resultado: a área total do horizonte de eventos do novo buraco negro não diminuiu após a colisão. Pelo contrário, aumentou. Antes, as bordas dos dois buracos negros somavam cerca de 235 mil quilômetros quadrados. Depois da fusão, essa área ficou em cerca de 367 mil quilômetros quadrados. Ou seja, a previsão de Hawking, feita com base em modelos matemáticos, estava correta. Parece óbvio, mas o teorema também implica que buracos negros não só sugam energia, como também emitem, o que explicaria a ideia de que suas bordas nunca encolhem. Recentemente, um buraco negro em miniatura criado em laboratório confirmou também essa teoria de Stephen Hawking, consolidada em 1974.
O buraco negro supermassivo M87 fotografado em 2019. GW150914 é muito menor, mas esta é a única imagem real de um buraco negro que temos.
Fonte: Event Horizon Telescope
O modelo de Hawking levou a uma série de outras descobertas na década de 70 sobre como buracos negros funcionavam, e guiam nosso entendimento sobre esses objetos até hoje. Esta é a primeira vez que uma observação direta confirma o teorema da área de Hawking, que já havia sido provado matematicamente, mas nunca observado na natureza até agora. Os cientistas alertam, porém, que até mesmo essa lei pode ter exceções. “É possível que haja um ‘zoológico’ de diferentes objetos compactos e, embora alguns deles sejam buracos negros que seguem as leis de Einstein e Hawking, outros podem ser feras ligeiramente diferentes”, explicou Isi.
O plano agora é continuar observando buracos negros pelo espaço para ver se a lei de Hawking continua valendo em todos eles. “Não é como se você fizesse esse teste uma vez e acabou. Você faz isso uma vez, e é só o começo”, acrescentou o astrônomo. Para Thiago Signorini Gonçalves, professor do Observatório do Valongo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e colunista do Tilt, a descoberta é mais um avanço no complicado estudo de buracos negros — que, por sua vez, podem nos ensinar mais sobre como todo o universo funciona.
“O funcionamento físico de buracos negros é algo bem difícil de estudar. É uma região bem pequena, com processos bastante complicados, que misturam relatividade geral e mecânica quântica. A janela que se abriu com as ondas gravitacionais nos permite estudar esses processos em detalhes, com evidências que até então eram impossíveis. Espero ver mais resultados semelhantes no futuro próximo”, disse Gonçalves.