Os defensores do prosaico que atacam a Ufologia gostam de enxergar, nos relatos de contatados, meras alucinações, engodo ou fantasias. Se fôssemos mais longe, nós — aficcionados poderíamos ver outros paralelos, talvez bem mais divertidos. Quando éramos crianças — e não faz lauto tempo assim nossos ídolos voavam, eram seqüestrados por vilões, salvavam mocinhas e já nos davam noções da estética do futuro com suas naves, planetas estranhos, seres galácticos que eram sempre servos do mal, e invenções exóticas. Portanto, liguemos nossa lareira eletrônica num canal imaginário e vamos analisar alguns de nossos deuses particulares infantis. Pipoca a postos, vamos lá:
Um dos mais antigos heróis do cinema, desde 1936, Flash Gordon, foi transposto para a TV nos anos 50 e 60. Baseado na mentalidade dos anos 30, Flash Gordon é loiro e seus inimigos ora são grupos de homens escuros e primitivos, ora o vilão-mor, líder do planeta Mango, um homem alto com traços orientais (o perigo amarelo?). O físico de pretensos comandantes espaciais, descrito pelos contatados, lembra a figura atlética e caucasiana de Flash Gordon: sempre loiros e com uma mensagem pacifista, refletindo a imagem arquetípica do herói ocidental, que se moderniza de tempos em tempos. Os filmes de Flash Gordon tiveram grande impacto e profetizaram o surgimento da televisão, do videofone, do raio laser e das viagens espaciais.
Já o herói do filme O Dia em Que a Terra Parou, Klaatu, não é loiro, mas segue a estética do mesmo arquétipo: um ser alto, branco, de olhar sereno e levemente arrogante, no melhor estilo das esculturas nacionais-socialistas do alemão Arno Brecker. Rodado nos anos 50, O Dia em Que a Terra Parou reflete os terrores apocalípticos da Guerra Fria: Klaatu pousa em nosso planeta não para invadir, mas para discursar contra a corrida armamentista e o Grande Capital, servindo de modelo para os contatados posteriores ao lançamento do filme. O eterno National Kid é um ídolo diferente! Como se sabe, o ator principal era garoto-propaganda da firma japonesa National, hoje Panasonic. Mas tudo era sutilíssimo em National Kid: não havia a mensagem do tipo \’compre\’ no seriado, que era apenas um veículo de divulgação.
Aqui, no Brasil, o seriado virou cult. Criado nos anos 60, o protagonista lutava contra os incas Venusianos, inimigos da Humanidade cujo grito, Ahuyca!, nos apavorava, nós inocentes crianças… listes são, até certo ponto, semelhantes aos EBEs: a vestimenta é negra, os alienígenas são cinzentos ou pardos, seus olhos são amendoados e arregalados — ameaçadores, ao contrário do nosso herói, que usa máscara e capa brancas para seu isolamento e proteção. Os iniciados de certas organizações tradicionais de mistério entenderão. Muitos dos pequenos fãs se deitaram no braço da poltrona do papai para imitar o vôo de National Kid (o ator ficava pendurado e o cenário girava). E vibraram com os episódios do novo vilão do seriado: o monstruoso peixe gigante, Celacanto, que raptava crianças de uma escola para realizar horrorosas experiências genéticas. Lá vinha ele salvá-las do monstro do mar abissal! A personagem se disfarçava de professor para esconder-se de seus admiradores, que provinham de Andrômeda — hoje, qualquer professor preferiria ir para lá a fim de melhorar seu sustento…
IMINENTE INVASÃO DA TERRA POR ALIENS
David Vincent, o engenheiro civil que estava \’muito cansado para prosseguir sua viagem\’ no seriado Os Invasores, na mesma época, tentava em vão convencer os militares americanos de uma iminente invasão alienígena. É este um modelo aceito por ufólogos de direita, os que vêem conspiração embaixo da cama. Desta vez, é um grupo de EBEs que se metamorfoseia em humanos para dominar a Terra, seguindo o mesmo esquema militarista europeu: o diferente, o Outro, é um inimigo em potencial e é necessário destruí-lo antes que se erga. Esse é o objetivo maior. Pessoas assustadas abraçam a tese da dominação por não aceitar que determinado grupo tenha o direito de ser autônomo ou de lutar por interesses que estejam em conflito com uma concepção de mundo estabelecida. Vincent não consegue ser ouvido pelas autoridades porque o Outro assume a identidade do Semelhante. Sendo este um modelo seguro, o destino de Vincent é o de perder, quando os invasores conquistarem o globo, a sua própria identidade.
Atualmente temos o seriado Arquivos X. Fantasiosa mas essencialmente baseada na linha de Charles Fort, a série admite outras explicações aos enigmas, não se especializando em temas ufológicos — mesmo acompanhando bem de perto os últimos eventos da área e fazendo clara referência ao extinto e histórico National Investigation Committee of Aerial Phenomena (NICAP). numa atitude ora elogiosa, ora cínica. A heroína, a agente Scully do FBI, tem sempre o pé no chão (se poderia dizer que só anda de chinelos), sendo sempre a última a aceitar as laboriosas teorias de seu companheiro, o agente Mulder. A pergunta de todos é: vai dar casamento? Se vai, de qual dimensão sairão os padrinhos? O seriado não profetizava, apenas apresentava fatos pretensamente investigados pelo FBI, belo pretexto para alimentar o sentimento conspiratório. Não influencia futuros casos de contatados, mas seu mérito é o de abrir espaço a novas interpretações do folclore americano e de outros enigmas. Seu lema é: “a verdade está lá fora”.
Se há uma correlação entre Ufologia e reminiscências do mundo-do-faz-de-conta, não se pode dar aqui a palavra final. Creio, isso sim. que o modo como o contatado observa o fenômeno ufológico é como uma materialização de seus desejos, um ato mágico por si só. As crianças vivem num mundo de fantasias. Os adultos também: religiões, partidos políticos, pavores hipocondríacos etc. Sem a cultura popular — quadrinhos, enlatados — dos anos 30 a 50, os UFOs permaneceriam existindo e fazendo das suas, mas teríamos consciência deles? A inventividade dos criadores de Flash Gordon. National Kid e os terrores de Os Invasores propiciaram um fundo de familiaridade a todos aqueles que tiveram um contato de 2º e 3º grátis e não podemos ignorar este fato, sob pena de sermos vítimas de nossa santa ingenuidade. A verdade está bem aqui, dentro de nós mesmos. Mas e a nossa querida Ufologia, se salvará das garras do terrível monstro da crendice? Não percam o próximo episódio!