O buraco é mais embaixo, se houver buraco…
Por ter se ocupado em responder aos leitores na edição passada, esta coluna ficou devendo comentários das anteriores, e não há como poupar críticas desta vez, pois a coisa ultrapassou os limites do razoável – enquanto este colunista está no limite da tolerância. Na edição 105 alguns textos me deixaram, mais que decepcionado, preocupado – a ponto de acreditar que minha função na revista esteja com os dias contados, pois não posso compactuar com os absurdos que foram publicados. O texto Ufologia, Espiritualidade e Reencarnação, do co-editor Marco Antonio Petit, é dessas coisas de arrepiar, em que o autor se diz “protegido” e “orientado” por seres extraterrestres do tipo gray [Cinzas], e que durante toda a sua vida se sentiu “observado”. Este é um comportamento inadmissível, reprovável e de perspectivas assustadoras. É o primeiro passo para uma longa viagem… na maionese, para não dizer coisa pior.
Outro autor que anda viajando bastante, não só mundo afora, é o entrevistado Joshua Shapiro, com seus crânios de cristal. Suas declarações, quase disparates, beiram o irracional. O texto Hollywood Expõe as Abduções, tratando do seriado de TV The 4400 e assinado por Renato Azevedo, já teve seu comentário casualmente antecipado na edição anterior. Mas aqui o autor limitou-se apenas a dar uma visão geral do programa, sem fazer maiores correlações com a Ufologia. Ainda bem.
Dogmas desmoronando — Por sua vez, o artigo Aliens nas Sagradas Escrituras, de dom Fernando Pugliesi, mostrou-se uma matéria limitada em si mesma, justamente no momento em que os dogmas católicos estão desmoronando e quando as editoras jorram dúzias de livros, muitos deles de cunho documental e histórico de alto valor. Só para citar dois exemplos, temos A Linhagem do Santo Graal e Os Segredos Perdidos da Arca Sagrada [Ambos da Madras Editora, 2002 e 2001], de Laurence Gardner, que descortinam a verdade a respeito da história do cristianismo, de Jesus e de outros fatos e personagens, contrariando tudo o que se pensava saber a respeito da Bíblia – sabidamente uma obra manipulada deliberadamente e distorcida ao longo da história para satisfazer os interesses obscuros da Igreja. Portanto, fazer a interpretação daqueles fatos de maneira tão ingênua, e ainda por cima à luz da Ufologia, foi de um primarismo espantoso, demonstrando total falta de macrovisão histórica.
O problema de se seguir cegamente a uma única doutrina é não alargar os horizontes além do conhecimento estabelecido. Ao que Robert Wilson – autor de A Nova Inquisição – Racionalismo Irracional e a Fortaleza da Ciência [Madras Editora, 2002] – chama de “necessidade emocional da certeza”, eu acrescentaria também: compulsiva, hipnótica e idiotizante. Outro problema grave é que todos pensam estar vendo o todo da questão quando na verdade estão vendo apenas parte dela. Só pode se aproximar do todo quem amplia sua grade de informação e aprofunda seu nível de reflexão. Caso contrário, continuará caminhando indefinidamente pelo seu próprio túnel de realidade, sem qualquer conexão ou conhecimento com outros túneis e outras realidades.
Quando se mergulha num rio e se deseja conhecer a sua nascente, é preciso nadar contra a correnteza, sentir a força dos braços e das pernas em harmonia e os pulmões em plena capacidade. Mas se o que se quer é apenas conhecer o rio, então é só se deixar levar pelo fluxo anestesiante e plácido das águas. O mesmo raciocínio se aplica à Ufologia: se o que se deseja é ir ao encontro das origens, então o caminho é refletir, pensar, equacionar as variáveis, andar por trilhas inexploradas, manter as engrenagens mentais em perpétuo movimento. Mas se a intenção é só participar do movimento, então basta seguir o fluxo, não pensar e não caminhar com as próprias pernas. Basta se deixar levar pelos acontecimentos e fazer parte do que Pierre Weil chamou de “contingente de estagnantes”, muito bem colocado pelos consultores Laura Elias e Vanderlei D’Agostino em sua matéria Ufólogo, o Maior Mistério da Ufologia, de UFO 104. Por isso há tanta gente que continua vendo a santa na vidraça da janela, o rosto de Cristo na montanha nevada, a face de Osama Bin Laden nas fumaças do WTC e ETs protetores, observadores e vigilantes em suas vidas pessoais.
Afastamento definitivo — No momento em que escrevia esta coluna, um fato novo surgiu que me fez rever e modificar a redação final desse texto e tomar uma decisão em caráter irrevogável, porque não tive escolha. Não bastasse o episódio comentado acima a respeito das declarações do co-editor Marco Antonio Petit, mais uma pessoa de meu círculo de amizade manifestou estar passando por semelhante situação, o que justifica e multiplica a preocupação expressada há pouco, e extrapola meu limiar de tolerância. É o fim da linha. No intuito de preservar a minha integridade, a credibilidade e o respeito que adquiri ao longo destes anos, declaro não ter mais condições de prosseguir como ombudsman da Revista UFO. Fiz o meu papel da melhor maneira que me coube, com a consciência tranqüila de tê-lo desempenhado com honestidade e coerência. São com estes instrumentos – honestidade e coerência – que comunico meu desligamento total da Ufologia.