
Com o lançamento e popularização dos dispositivos de captura digital de imagens – principalmente as câmeras e os celulares –, a quantidade de objetos voadores não identificados registrados também tem crescido imensamente. Se por um lado isso traz novos desafios e trabalho para quem estuda e analisa imagens de supostos UFOs, podendo enriquecer a Ufologia, por outro leva a problemas na hora de se autenticar se as imagens obtidas foram manipuladas, forjadas ou se representam mesmo uma cena real – um legítimo veículo de origem não-terrestre. Ao mesmo tempo, com a crescente capacidade dos computadores e softwares existentes no mercado, fica cada dia mais difícil detectar uma fraude digital, já que o perpetrador pode ser um especialista em manipulação de imagens e capaz de “fabricar” fotos de UFOs quase perfeitas.
Os bons e velhos negativos fotográficos, já entrando em desuso, sempre foram a última palavra para se autenticar ou descartar uma imagem em que tenha sido registrado um suposto UFO. Durante décadas, vários sistemas de análises de negativos foram criados, alguns empregando computadores e até microscópios, com excelentes resultados. Muitas festejadas fotos de alegadas naves alienígenas foram assim esclarecidas, como as da Barra da Tijuca (RJ), feitas em 1952 pelos repórteres do extinto O Cruzeiro, Ed Keffel e João Martins. Mas se as modernas câmeras digitais e celulares representam um problema para a pesquisa ufológica, a esperança para ele parece estar numa recente técnica matemática que consiste num algoritmo criado pelo professor Hany Farid e pelo estudante Alin Popescu, ambos do Dartmouth College, de Hanover, Estados Unidos. O algoritmo é capaz de detectar se uma imagem foi adulterada digitalmente.
Embora poucos casos de imagens digitais captadas por celulares sejam conhecidas em todo o mundo, até o momento, no Brasil os ufólogos já se envolveram na investigação de uma – que foi agora esclarecida como fraude. No começo de agosto, nas listas de discussão sobre Ufologia da internet, circularam rumores de que uma foto desse tipo teria sido feita próxima a Santa Rita do Passa Quatro, no interior de São Paulo. O consultor da Revista Ufo Cláudio Brasil recebeu por e-mail o relato da testemunha do suposto avistamento na localidade, que teria ocorrido às margens da Rodovia Anhangüera, por volta de 15h00 de 03 de agosto.
Coloração Azulada — Segundo Brasil foi informado, três rapazes trafegavam pela estrada e pararam o carro para ver melhor algo na lateral da Anhangüera. Dois deles pularam uma cerca para chegar mais perto, sendo que um bateu a foto do suposto objeto com seu celular. O aparelho utilizado foi um Nokia 3650, lançado em fevereiro de 2003. Este celular tem a particularidade de deixar as cenas feitas com uma coloração azulada. Imediatamente quando atingiu a imprensa, o caso foi recebido como legítimo e impactante.
Se verdadeiro, seria um episódio raro de um suposto UFO fotografado com um telefone celular. Uma destas testemunhas, que não quis ter seu nome revelado, procurou, em 04 de agosto, o Jornal da Band, da Rede Bandeirantes de Televisão, e deu ao jornalista Roberto Cabrini o mesmo depoimento oferecido a Brasil. A produção do programa entrou em contato com o editor de Ufo, A. J. Gevaerd, e pediu para que comentasse por telefone, ao vivo, o caso na edição daquela noite do jornal. Ainda que sem muitos subsídios para apresentar, o editor aceitou dar uma declaração, informando que não havia ainda sido feita qualquer análise da imagem em questão, o que impedia uma tomada de posicionamento naquela hora. Disse Gevaerd que o caso seria investigado e, a imagem, analisada por especialistas do Centro Brasileiro de Pesquisas de Discos Voadores (CBPDV).
Durante o relato da testemunha no programa, em que apareceu com uma camuflagem para não ter seu rosto identificado – o que viria a repetir em outros programas posteriores –, o rapaz estimou que o suposto UFO, de formato cilíndrico, estaria a cerca de 10 km de distância. Esse fato se mostrou equivocado, como se via na imagem apresentada na tevê, em que o objeto parece estar bem mais próximo, sobre um campo. Começavam aí as contradições a respeito dessa inusitada ocorrência. A testemunha também fez um vídeo de curta duração – de cerca de 30 segundos – do trajeto que percorreu ao sair do carro e dirigir-se para onde estava o alegado disco voador. A imagem está disponível no site da Revista Ufo. Ainda segundo o observador, os rapazes observaram o tal UFO por cerca de 30 minutos e depois foram embora.
Segundo detalhes oferecidos do incidente, a testemunha principal alega que parecia sair uma espécie de nuvem de poeira do solo abaixo do objeto voador não identificado. “Ele ficou parado na maior parte do tempo, e ocasionalmente fazia pequenos movimentos para frente e para trás. Fazia barulho como se fosse de várias máquinas funcionando juntas”, declarou. A partir do momento em que o pesquisador Cláudio Brasil recebeu a ligação da pessoa que teria feito as imagens, passou a pesquisar o caso. Este autor também se envolveu na pesquisa e esteve presente, ao vivo, no programa Jogo da Vida, apresentado por Márcia Goldsmith na Rede Bandeirantes, para falar sobre o caso. Na ocasião, tive oportunidade de entrevistar por várias horas o autor das imagens – de fato foram 4 ou 5 fotos, das quais apenas uma se popularizou.
Imagens da Internet — Em nenhum momento desse diálogo a testemunha passou a impressão de estar falando a verdade, e também se mostrou muito confuso quanto ao que teria fotografado – se é que teria mesmo estado no local. Analisando seu celular, pude constatar a existência de outras estranhas imagens, que haviam sido baixadas da internet. Para quem não sabe, outro recurso dessa nova geração de aparelhos celulares é a troca de imagens através de um clube organizado pelo próprio fabricante, bastando para isso digitar um código do proprietário. A primeira questão a ser determinada, então, era: teria ele obtido aquela imagem de alguma outra fonte ou mesmo de outro celular?
Informações imprecisas com relação ao local exato da foto, fornecidas pela testemunha, deixavam fortes dúvidas quanto ao depoimento. O que se sabia até então era que a imagem havia sido feita num local próximo à Santa Rita, entre 14h00 e 15h00 de 03 de agosto. Mais nada. Durante a entrevista que fiz com o autor da foto, ofereci a ele a possibilidade de se submeter a uma sessão de hipnose regressiva, para tentar vencer o suposto bloqueio em sua me
mória quanto ao local e condições do avistamento. Disse-lhe que, mesmo que ele não se lembrasse de algum fato observado na ocasião, este teria sido registrado pelo cérebro e estaria disponível através da técnica sugerida. A testemunha mostrou claro interesse em realizar a experiência e, em determinado momento, indagou se nesse tipo de terapia uma pessoa poderia mentir? Confirmei que existia tal possibilidade e que também seria possível detectar possíveis mentiras.
Hipnose Regressiva — Após saber detalhes do funcionamento da hipnose regressiva, a testemunha deixou transparecer uma reação de dúvida com relação a se submeter ou não ao experimento. Até a data de fechamento deste artigo, o rapaz não entrou em contato com o autor para aceitar ou negar o procedimento. A questão agora seria tentar determinar a natureza do objeto registrado na imagem digital. Várias hipóteses foram levantadas para explicá-la, das mais simples às mais complexas. Mas algo ficou claro desde o início das análises: que não se tratava de nenhuma “nave triangular” e sim de algum fenômeno real ou objeto localizado na região. As aspas se justificam porque não era possível afirmar que o objeto fosse uma nave e, muito menos, tivesse formato triangular – como se aludiu antes –, devido às características cilíndricas e as bordas recortadas que apresentava.
Como sempre ocorre em qualquer pesquisa, em especial na Ufologia, somente após se realizar um reconhecimento do local onde o fato se deu e se fazer uma reconstituição dos acontecimentos é que pode-se emitir um parecer preciso. A princípio, pensei na hipótese do fenômeno registrado ser um efeito conhecido como miragem inferior. O local onde a foto foi feita parecia ser amplo e árido, com vegetação baixa e grande quantidade de insolação, o que propicia a formação do fenômeno próximo ao solo. A miragem inferior consiste de uma pequena camada quente que refrata ou reflete uma faixa de uma camada fria mais acima. A nebulosidade abaixo do objeto – que se imaginou ser uma nuvem de poeira – também reforçava a hipótese. No caso, poderia existir um objeto como um morro, um pouco de vegetação ou mesmo uma construção no local, que estariam sendo distorcidos pela camada quente, gerando a miragem que, como todo fenômeno ótico visível, pode ser registrado por uma câmera – digital ou não.
Como parte dos procedimentos de investigação, combinei com a testemunha que iria visitar e investigar o local da foto pessoalmente, para poder emitir um parecer final. Nesse ínterim, uma pessoa de confiança do consultor Brasil, a pedido dele, esteve no local descrito pelo autor da imagem e conseguiu localizar a estranha formação que causou toda a confusão. Tratava-se de um pequeno grupo de eucaliptos que, visto a distância – calculada entre 4 a 6 km –, geravam a errônea interpretação de um objeto suspenso no ar, com alguma agitação ou uma estrutura mais difusa abaixo. Estava solucionado o caso. Basta que se compare as imagens obtidas pelo enviado de Brasil e a anunciada na imprensa, na internet e publicada na Revista Ufo 102, para que se perceba a semelhança.
Intenção de Enganar — Em minha opinião, este caso seria um exemplo de erro de interpretação, no início dos fatos, mas que se tornou uma fraude com a evolução das pesquisas, pois o comportamento do autor das fotos com relação a várias questões demonstrou sua clara intenção de iludir ou enganar. Entre outras coisas, o rapaz tratou com vários interlocutores dessa publicação a possibilidade de a mesma comprar as imagens para seu uso. Em e-mail ao editor, que questionou diversos pontos da ocorrência, a testemunha insistiu em alimentar a farsa [Veja box com a entrevista que foi feita com o rapaz].
O aparelho celular em questão possui uma pequena câmera tipo VGA de 3,5 mm com resolução de 640 x 480 pixels, o que representa 300 Kpixels ou Kpix. Isso é o equivalente a 0,3 Megapixels ou Mpix, considerada baixa resolução. Em termos de imagens digitais, pode-se obter algumas com boa resolução a partir de 3 Megapixels, que é uma taxa recomendada. Ainda, o celular Nokia 3650 possui foco fixo com aumento de duas vezes, e sua melhor acuidade se encontra entre 15 e 30 cm. Após essa distância, ocorre uma queda na definição das imagens, o que causa a distorção de detalhes e contrastes. Isso é devido ao sensor de captura, que é de tecnologia CMOS. É interessante acrescentar que as câmeras digitais acopladas ou embutidas em aparelhos celulares possuem sempre a capacidade de registrar imagens inteiramente de forma eletrônica ou digital.
Basicamente, uma imagem digital é uma longa cadeia de números zero e um, que representam pequenos pontos isolados coloridos – chamados pixels – que coletivamente formam uma imagem. Como uma câmera convencional, um dispositivo de captura de imagens digitais possui uma série de lentes que focalizam a luz refletida ou emitida por objetos para recriar a imagem de uma cena. Porém, em vez de registrar em filme, a luz é recriada num dispositivo sensor que a converte em cargas elétricas. Geralmente, são dois os dispositivos utilizados nesse processo: o Charge Coupled Device (CCD), que é o mais popular, e o Complementary Metal-Oxide Semicondutor (CMOS), que possui menor qualidade, porém maior velocidade de operação e menor consumo de bateria. Por isso, as câmeras com dispositivos CCD geram imagens de alta qualidade com milhares de pixels e possuem grande sensibilidade, enquanto os celulares, em sua maioria, são equipados com câmeras de tecnologia CMOS.
Comparação de Pixels — Fica aqui a dica a quem estiver pensando em adquirir um celular com câmera embutida: invista num com tecnologia CCD, que tenha também uma boa relação de lentes e um bom sistema de aumento ótico ou zoom. Esse tipo de ampliação é realizado pela relação de lentes internas, em vez do zoom digital, que trabalha por interpolação de imagem – isto é, que “cria” pixels aonde não existem, comparando dois pixels adjacentes. Uma boa câmera convencional ou filmadora digital ainda são os instrumentos mais adequados para a pesquisa e registros de fenômenos anômalos, aéreos ou não. Vale ainda uma última dica para os leitores que avistarem um UFO e tiverem ao alcance uma máquina digital ou celular com câmera: tomem o cuidado de fotografá-lo com a maior resolução disponível. Não se deve utilizar zoom digital, mas sim o ótico, se sua câmera tiver esse recurso.
O que diz o perpetrador da fraude
Essa é a transcrição da breve entrevista realizada pelo editor da Revista Ufo, A. J. Gevaerd, com o autor da polêmica foto feita com o celular [Foto]. No diálogo, a testemunha, que continua pedindo para não ser identificada pela publicação – à qual tento
u vender suas imagens –, insiste em apontar detalhes inusitados da ocorrência, como uma eventual perda de memória dos fatos [Missing time], após ter feito a foto, insinuando uma abdução.
Gevaerd — Vocês estavam na Rodovia Anhangüera e viram o objeto num campo aberto, daí pararam o carro e começaram a caminhar na direção daquilo. Mas como puderam observar o objeto por trás da mata?
Resposta — Começamos a ver as frestas das árvores e dos pinheiros sem nenhum motivo, e, através delas, vimos uma imagem grande e negra. Logo que imaginei que se tratava de uma nave, paramos o carro no acostamento e fomos em direção à ela.
Gevaerd — Você e seu amigo atravessaram a mata e fizeram dentro dela um vídeo com o celular, que tem baixa capacidade de armazenamento e que logo foi atingida. O UFO estava do outro lado da mata? E quando vocês chegaram lá, como fizeram a foto com o celular se ele já estava com a taxa de armazenamento exaurida?
Resposta — Meu aparelho vem de fábrica com 16 Mb de memória, mas eu comprei um cartão com capacidade de 64 Mb. Poderia ter filmado mais e fotografado mais, mas não sei porque não fiz isso. Fiquei meio confuso.
Gevaerd — Quanto tempo o objeto ficou lá parado, o que fez enquanto isso e de que forma aquilo foi embora?
Resposta — Não sei quanto tempo a nave ficou lá, nem quantos minutos fiquei observando. Só sei que depois disso eu já estava no carro.
Gevaerd — Como vocês voltaram ao automóvel estacionado? Que horas eram quando vocês o pararam no acostamento para entrar na mata e quando retornaram?
Resposta — Nem eu, nem meu amigo lembramos. As fotos foram tiradas mais ou menos às 15h00. Eu tenho o horário e a data certa no celular. Masnós não lembramos do retorno até o carro. Meu outro amigo, que não quis ir junto e ficou no automóvel, disse depois que entramos nele e não comentamos nada. Só depois que paramos o veículo para abastecer é que começamos a falar com ele e também a mostrar as imagens. Quando voltamos para o carro,meu amigo que foi comigo deitou no banco de trás e dormiu. Fui dirigindo calado.
UFO forjado já tem até tripulantes…
Após a desmistificação, há alguns meses, da foto de um suposto ser extraterrestre passeando livremente entre dois policiais num parque chileno, constatou-se que o caso do UFO fotografado com um celular em Santa Rita do Passa Quatro (SP) também é uma fraude. Foi o que concluíram os consultores da Revista Ufo Cláudio Brasil e Rogério Chola, após pesquisarem o local onde a imagem foi feita. Aquilo que parece um objeto de formato cilíndrico é, na realidade, a copa de alguns eucaliptos. Como a câmera do celular empregado tem pouca definição, os troncos das árvores desaparecem naturalmente na fotografia, ficando apenas uma sombra escura, entre as copas e o solo.
A pessoa que montou a farsa não quis se identificar em vários programas de tevê em rede nacional a que compareceu, o que é indicativo de que alguma coisa precisava ser escondida, por ela. Seja por maldade ou má interpretação, o fato é que diversos casos que a princípio se mostram como sendo de natureza extraterrestre, não passam de enganos, erros de interpretação e fraudes. Talvez por desejarem ter espaço na mídia ou visarem outros benefícios, algumas pessoas agem de má-fé, não se importando com os custos que os ufólogos têm para se deslocarem até o local da alegada ocorrência e investigarem o fato. Estudiosos e grupos de pesquisas já falam em acionar judicialmente, junto ao Ministério Público, autores de casos notoriamente forjados.
Com a acentuada popularização das câmeras digitais e telefones celulares com tais dispositivos embutidos, é certo que uma enorme quantidade de fotos deve vir a público nos próximos meses – algumas forjadas, outras, talvez mais raras, verdadeiras. É preciso muito cuidado para se afirmar com exatidão o que está sendo fotografado com esses equipamentos, que, na maioria dos casos, apresentam imagens com baixos padrões de definição, facilitando a fraude ou a falsa interpretação. Além disso, há o componente, digamos, psiquiátrico da questão, oferecido por pessoas que divagam alucinadamente quanto às imagens obtidas de forma digital, antes mesmo de serem analisadas.
No caso dessa foto de Santa Rita, agora comprovada como falsa, o ufólogo cearense José Agobar chegou a sustentar a afirmação de que viu um ET com um cilindro nas costas, pouco abaixo do UFO. Agobar imaginou se tratar de um tripulante do tal UFO e sua explicação – que incluía o desenho do ser realçado sobre a foto digital – correu as listas de discussão de Ufologia da internet. Ele chegou a insistir que havia uma espécie de gramado abaixo da “nave extraterrestre” e que o tripulante observado era semelhante a um homem, mas tendo vestimentas “interespaciais”, segundo o autor da teoria. Agobar acrescentou que o ser “corria desenfreadamente na direção da pessoa que tirou a foto, talvez com o intuito de dominá-lo”. Haja imaginação…