Por mais de meio século, a teoria arqueológica de que o homem chegara ao continente americano entre 12 e 15 mil anos atrás foi um dos principais dados sobre as antigas civilizações. Saindo da Ásia e atravessando o Estreito de Behring, ele teria se espalhado do Alasca para as Américas. Porém, dados encontrados no Brasil podem revelar que a pré-história pode ter sido diferente do que se acredita. No final da década de 80, a Missão Arqueológica Franco-Brasileira chefiada pela arqueóloga Niéde Guidon, 72 anos, descobriu em São Raimundo Nonato, sudeste do Piauí, vestígios de nossos ancestrais que datam de até 50 mil anos. Tal achado suscitou uma grande polêmica internacional.
O cenário dessa controvérsia que pode mudar a história do homem americano é o Parque Nacional da Serra da Capivara, um lugar de rara beleza na paisagem árida da Caatinga, abrangendo uma área de 130 mil hectares. Com uma vegetação densa recortada por cânions gigantescos e morros de mármore cinza e negro, existem quilômetros de galerias subterrâneas, com lagos e fontes naturais. Nesse mesmo local, alguns milhares de anos atrás, nosso ancestral mais antigo, o Homo sapiens, dividiu o espaço com outros animais da megafauna pré-histórica.
Esforço notável mas não reconhecido — Nas três décadas que dedicou ao estudo dos vestígios arqueológicos na Serra da Capivara, a doutora Niéde e sua equipe apresentaram dados concretos da presença do primeiro homem americano na região, datados de até 40 mil anos e incluindo milhares de pinturas rupestres, fogueiras, urnas funerárias e ossadas de animais ancestrais. Muitos desses achados estão reunidos na Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham). O resultado de todo esse trabalho tendo a frente a arqueóloga é uma herança cultural cuja importância é reconhecida pela Unesco como patrimônio da humanidade.
Entretanto, o descaso das autoridades brasileiras, o vandalismo, depredações e caça de animais, além da falta de recursos para manter a estrutura mínima do parque, comprometem este monumental esforço. A doutora Niéde tem poucas esperanças de que o país valorize e saiba aproveitar a riqueza cultural e o potencial turístico do que poderia ser uma saída para a miséria da região. No local também acontecem inúmeras invasões de terras, pois há cerca de 20 anos, o Governo do Piauí, “doou” ilegalmente terras da área para empresas do Ceará, Pernambuco e Piauí. A Assembléia Legislativa do Estado nunca autorizou o ato e o problema perdura até hoje. A arqueóloga sugeriu que, no caso da área ser mesmo dedicada aos assentamentos, seja solicitado o apoio técnico da França, para que todos os blocos rochosos com pinturas e gravuras sejam recortados e transportados para um museu a ser designado pelo Ministério da Cultura, que deve também decidir para onde irá o acervo do Museu do Homem Americano. Assim, esse patrimônio mundial poder ser preservado.
Mas a pesquisadora não tem recebido atenção de nossas autoridades. Sua única solicitação é a construção de um aeroporto na localidade, visando atrair turistas de todo o mundo e transformar uma região pobre em prestadora de serviços. “Isso permitirá o acesso de cerca de três milhões de turistas por ano”, diz. A idéia, infelizmente, não sai do papel. E doutora Niéde, por sua persistência em proteger o manancial arqueológico, recebe até ameaças de morte. “Eu e muitos funcionários do complexo já fomos jurados de morte devido às insistentes reivindicações que fazemos às autoridades”, desabafa. A Revista UFO está atenta à situação e fará gestão junto ao Governo do Piauí para que se pacifique a área e se garanta a integridade física dos pesquisadores.