A notícia, em meados de junho, poderia configurar um revés para a caça a exoplanetas para aqueles carentes de conhecimentos mínimos em astronomia. A anã vermelha Gliese 581, situada a 20,3 anos-luz de distância da Terra, teve dois de seus alegados planetas, Gliese 581d e 581g classificados como “enganos”, resultado de má interpretação de sua atividade estelar. Esses mundos ocupavam posição de destaque no Catálogo de Exoplanetas Habitáveis, um guia da área. Os dois corpos celestes haviam sido detectados pela técnica da velocidade radial, por meio da qual conseguimos medir, de nosso ponto de vista na Terra, o quanto a gravidade de um planeta altera a trajetória de sua estrela. A informação desagradou a muitos.
Infelizmente, essa técnica ainda é deficiente quando os mundos em questão têm tamanho diminuto, se aproximando do da Terra. No caso dos dois “candidatos” a exoplanetas mencionados, o falso positivo ocorreu devido à má interpretação de fenômenos tais como erupções e manchas solares, além da rotação da estrela Gliese 581. Dessa maneira, o mundo Gliese 581g nunca chegou a ser classificado além de um candidato, e com ele caiu também Gliese 581 d. Outro aspirante a exoplaneta, Gliese 581f, já havia sido desclassificado como tal em estudos anteriores. Assim, dois candidatos a mundos alienígenas habitáveis foram descartados, porém de forma alguma isso representa um problema para a comunidade caçadora de planetas, um dos campos que mais se desenvolve na astronomia atual.
Ausência de evidência
A astronomia, como ciência que é, tem mecanismos de autocorreção e nenhuma descoberta é reconhecida como tal antes de ser comprovada por evidências sólidas. Como exemplo, a Ufologia sempre questionou a famosa edição especial Vida Fora da Terra, apresentada no final dos anos 90 pela revista Superinteressante. Ali, em um trecho particularmente infeliz do texto — e ignorando por completo os avanços que já ocorriam nas técnicas e instrumentos para procurar por mundos alienígenas —, o articulista questionava se os planetas gigantes gasosos encontrados até então não seriam os únicos, já que não se havia localizado qualquer planeta menor e rochoso como a Terra — um lamentável e justificadamente criticado engano.
Contudo, deve-se salientar que, de fato, na época, não existiam técnicas e instrumentos para procurar por planetas menores e, portanto, não havia evidências de que existissem. Bem no dizer do saudoso Carl Sagan, “ausência de evidência não é evidência de ausência”. A ciência tem se mostrado nossa melhor ferramenta de busca pelo conhecimento justamente por se basear em evidências e por questionar, sempre, tudo que é apresentado como fato. Se tais alegações são feitas por pessoas de autoridade ou em altos postos, isso pouco significado tem ou deveria ter. Justamente por isso a derrubada de dois potenciais candidatos a mundos alienígenas habitáveis representa somente uma saudável depuração, comprovando como o sistema científico funciona.
Infelizmente, em muitos setores da Ufologia, acontece justamente o contrário. Pouco se questiona e quem se atreve a fazê-lo fica a um passo de ser visto como “infiel”. Basta lembrar, por exemplo, um caso revisitado nos anos 90 pelo saudoso coeditor da Revista UFO Claudeir Covo, as famosas fotos da Barra da Tijuca. Visitando o local no mesmo dia do ano, ou seja, com o Sol na exata posição em que aparece nas celebradas fotos de Ed Keffel, Claudeir realizou estudos com um pequeno modelo, chegando à conclusão irrefutável, por meio do método científico, de que lamentavelmente as fotos eram uma fraude. Infelizmente, não foram poucos os que, dentro da Ufologia Brasileira, o criticaram por atacar um clássico. A Ufologia não deveria ser uma questão de crença, mas de análise imparcial dos fatos, e casos clássicos devem ser revisitados sempre que surjam novos fatos a respeito.
Quanto à caça a exoplanetas, que hoje está em alta em todo o meio científico e também agita o ambiente ufológico, o setor tem se beneficiado sobremaneira de certos instrumentos. Um deles é o HARPS, sigla em inglês para Buscador de Planetas por Velocidade Radial de Alta Precisão. Instalado no telescópio do Consórcio Europeu do Sul (ESO), situado em La Silla, no Chile, que tem 3,6 m de abertura, esse espectrógrafo tem uma precisão de 0,97 m/s ou 3,5 km/h, podendo medir variações na velocidade estelar da ordem de 30 cm por segundo. A maneira como o HARPS e outros espectrógrafos trabalham é detectando se uma estrela se aproxima ou se afasta de nós, analisando sua luz.
Medições precisas
A luz é uma onda, e tal como o som, também é afetada pelo chamado Efeito Doppler, a mudança no comprimento de uma onda devido ao movimento de sua fonte. Para que se tenha uma ideia, se um carro passa por um observador com sua buzina tocando, a mudança no tom do som da buzina se deve a esse efeito. Ouvimos um tom alto se o carro se aproxima de nós, e o tom vai baixando quando se afasta. Nas ondas luminosas essa mudança é percebida por meio de um desvio para o azul em seu espectro se a estrela se aproxima de nós, e desvio para o vermelho quando se afasta. Resumidamente, a luz de uma estrela fica mais azulada quando a gravidade de um planeta em sua órbita a leva a se aproximar da Terra, e mais avermelhada quando se afasta. É dessa maneira que boa parte das descobertas de mundos alienígenas é realizada — somente o HARPS localizou, até o momento em que este artigo estava sendo escrito, mais de 130 exoplanetas.
As primeiras tentativas de utilizar esse método, chamado de velocidade radial, ocorreram em meados do século XX e o trabalho mais conhecido é o do astrônomo norte-americano Peter Van de Kamp. Analisando aparentes oscilações da estrela Barnard, uma anã vermelha a seis anos-luz de distância, em um período entre os anos 60 e 70, ele chegou à conclusão de que deveriam existir dois planetas orbitando-a. Van de Kamp iniciou suas observações em 1938, mas outros astrônomos, utilizando equipamentos mais modernos, não conseguiram confirmar suas alegações. Hoje muitos consideram que podem existir pequenos planetas rochosos no sistema Barnard, mas não os dois alegados gigantes gasosos.
Primeiras descobertas
Um passo fundamental na caça a exoplanetas foi o lançamento, em 25 de janeiro de 1983, do Satélite Astronômico de Raios Infravermelhos (IRAS). Esse telescópio, que trabalhava no espectro infravermelho, realizou
ao longo dos 10 meses de sua missão o primeiro reconhecimento de todo o céu com base nesse comprimento de onda. Um de seus achados mais extraordinários ocorreu ao observar a estrela Vega, situada a 25 anos-luz da Terra e a quinta mais brilhante do céu. Com seu brilho constante, ela era frequentemente utilizada como referência — mas os sensíveis instrumentos do IRAS, refrigerados a hélio líquido, detectaram que a radiação infravermelha ou calor era superior ao esperado. Subsequentemente, foi comprovado que as emissões vinham de uma vasta região de poeira, detritos e rochas ao redor, confirmando a descoberta de um sistema planetário em formação, o primeiro do tipo.
A astronomia tem mecanismos de autocorreção e nenhuma descoberta é reconhecida como tal antes de ser comprovada por evidências sólidas. A caça a exoplanetas está em alta no meio científico e também agita o ambiente ufológico, que tem se beneficiado dos resultados
O IRAS localizou um ambiente similar em Fomalhaut, estrela também a 25 anos-luz de distância. E depois um dos feitos mais espetaculares da astronomia ocorreu quando, em novembro de 2008, foi divulgada uma foto obtida pelo telescópio espacial Hubble, não somente confirmando a descoberta do colossal disco de poeira e rochas ao redor do astro, mas também de um imenso planeta — um dos primeiros a ser fotografado diretamente orbitando outra estrela. Após muita controvérsia, a descoberta foi confirmada ao redor do jovem astro, com somente 440 milhões de anos e 1,84 vez maior do que o Sol. Por cima, a presença desse mundo forneceu uma explicação para a aparência do disco de material do sistema.
Os primeiros exoplanetas confirmados foram descobertos não ao redor de uma estrela, mas orbitando um pulsar, uma estrela de nêutrons muito pequena e densa — os pulsares podem apresentar um campo gravitacional até um bilhão de vezes maior que o campo gravitacional terrestre —, designado como PSR B1257+12. Um dos muitos destinos de estrelas, ao final de suas vidas e dependendo de sua massa, vem a ser uma estrela de nêutrons, um corpo de imensa densidade, do qual um punhado de matéria poderia pesar milhões de toneladas. Um pulsar é um corpo altamente magnetizado que emite raios de radiação eletromagnética em pulsos. Tais pulsos são tão regulares que, quando os primeiros pulsares foram descobertos, alguns consideraram que fossem algum tipo de potente transmissor de uma civilização alienígena avançada.
Astronomia renovada
O fato de existirem planetas ao redor de PSR B1257+12 surpreendeu os especialistas e os corpos foram considerados como resultado de um segundo processo de formação planetária, graças à supernova da qual resultou o pulsar. Banhados pela intensa radiação do corpo central, são provavelmente mundos estéreis. O primeiro exoplaneta descoberto orbitando outra estrela foi 51 Pegasi b, anunciado em 06 de outubro de 1995 por Michel Mayor e Didier Queloz, da Universidade de Genebra. É um gigante gasoso com diâmetro maior do que Júpiter, mas de menor massa. A descoberta foi confirmada por Geoffrey Marcy, da Universidade Estadual de San Francisco, e Paul Butler, da Universidade da Califórnia em Berkeley, que há anos trabalhavam também em uma técnica para caçar exoplanetas.
Os dois e sua equipe tornaram-se depois responsáveis pela descoberta de 70 dos primeiros 100 exoplanetas conhecidos da humanidade. Marcy comentou, em sua participação no episódio dedicado aos exoplanetas da série O Universo, do canal The History Channel, que astrônomos como ele eram anteriormente considerados um caso perdido, já que detectar planetas alienígenas parecia impossível. Agora, conforme comenta com satisfação, esse é um dos principais campos da astronomia.
O citado método de velocidade radial foi sendo aperfeiçoado ao mesmo tempo em que softwares de análise se sofisticavam e telescópios e instrumentos mais potentes entravam em operação. A primeira leva de exoplanetas era composta por gigantes gasosos com curto período de revolução, situados bem próximos de suas estrelas e apelidados de “Júpiteres quentes”. Essas descobertas surpreenderam a comunidade científica mais uma vez, já que, de acordo com modelos de formação planetária, esses mundos descomunais se formam distantes de seus astros. Chegou-se à conclusão de que eles de alguma forma migram para perto de seus sóis, o que certamente acaba por alterar as órbitas dos demais planetas do sistema ou até expulsá-los definitivamente. Contudo hoje se sabe que tais gigantes gasosos muito próximos de suas estrelas são uma minoria do total de exoplanetas.
Já em 1996 foi descoberto 47 Ursae Majoris b, do porte de Júpiter e orbitando sua estrela a 2,1 unidades astronômicas (UA) — uma UA é a distância da Terra ao Sol, aproximadamente 150 milhões de quilômetros. Seu ano de 1.078 dias terrestres fez dele o primeiro exoplaneta de longo período descoberto. No mesmo ano, Gliese 876 b tornou-se o primeiro mundo extrassolar descoberto orbitando uma anã vermelha.
Em 1999, Upsilon Andromedae, a 44 anos-luz da Terra, tornou-se o primeiro sistema multiplanetário conhecido, também descoberto por Marcy e Butler, que trabalhavam com o espectrômetro HIRES do telescópio Keck, I, no Havaí. Seus mundos b, c e d, todos gigantes gasosos, foram descobertos em 1996 e em 1999. No mesmo ano, HD 209458 b foi o primeiro exoplaneta descoberto pelo método do trânsito. Isso acontece quando, do ponto de vista do observador, o planeta passa diante de sua estrela, permitindo a medição da diminuição do brilho do astro. Para tanto, evidentemente, o plano da órbita do mundo alienígena precisa estar em posição favorável à observação. Em 2001 ocorreu outro marco histórico para a astronomia, quando a atmosfera do mesmo HD 209458 b foi observada pelo telescópio espacial Hubble — foram detectados os elementos sódio, hidrogênio, carbono e oxigênio, que parecem estar sendo ejetados da camada gasosa daquele mundo.
A vida pode estar nas luas
Alguns casos interessantes de exoplanetas envolvem gigantes gasosos em órbita das estrelas HD 177830, Iota Horologii e HD 134987, entre outras. Tais mundos encontram-se na distância correta de suas estrelas para que, caso fossem menores e rochosos, pudesse existir água líquida em suas superfícies. Essa é a chamada “zona goldilocks”, ou região habitável dos exoplanetas. É importante que se acrescente aqui que o tipo de vida na Terra, o único que sabemos existir além de qualquer dúvida, é basea
da em compostos tais como carbono, água (formada por oxigênio e hidrogênio) nitrogênio, enxofre, fósforo e outros. Tais elementos são extremamente abundantes no universo, conforme a ciência terrestre descobriu graças à utilização de radiotelescópios. Dessa forma, é altamente provável que boa parte da vida extraterrestre seja formada pelos mesmos elementos — e faz sentido procurar por locais habitáveis no Sistema Solar e além dele.
No caso de gigantes gasosos, eles são totalmente inadequados a formas de vida como conhecemos. Contudo, é alta a possibilidade de que, tal como Júpiter, Saturno, Urano e Netuno em nosso sistema, esses exoplanetas gasosos descomunais na região habitável de suas estrelas possuam luas, e tais satélites teriam alta probabilidade de serem mundos azuis cobertos de água, com atmosferas densas onde a vida poderia se desenvolver. Buscas nesse sentido já estão sendo feitas e um método promissor é analisar o que se chama de trânsitos exoplanetários. O período orbital desses planetas pode ser precisamente medido e qualquer adiantamento ou atraso poderia ser devido à gravidade de uma grande lua possivelmente habitável afetando a velocidade orbital de seu mundo. A busca por exoluas habitáveis, entretanto, está apenas começando — e por enquanto nenhuma foi descoberta.
Outro achado importante ocorreu em 2005, Gliese 876 d, a primeira “superterra”. Como este, tais mundos possuem massa maior que a de nosso planeta, mas bem menor que a de planetas gasosos de menor porte, como Urano e Netuno. Ainda restam dúvidas quanto ao fato de serem pequenos mundos gasosos ou grandes orbes rochosos, e na grande coleção de exoplanetas já catalogados, as surpresas têm se sucedido em intervalos cada vez menores. Gliese 581 d, possivelmente o primeiro mundo oceânico, foi anunciado em 2007, porém, como mostramos no início deste artigo, foi comprovado tratar-se de um engano.
Telescópio caçador de planetas
Em 07 março de 2009 aconteceu o lançamento do telescópio espacial Kepler. Sua missão primária era vasculhar estrelas nas constelações Draco, Lyra e Cygnus, a fim de flagrar trânsitos exoplanetários. A missão original de três anos e meio ganhou uma prorrogação, mas, infelizmente, em 11 de maio de 2013, o segundo de seus giroscópios apresentou problemas, juntando-se ao primeiro aparelho do tipo que já não funcionava corretamente. O telescópio foi lançado com quatro giroscópios, necessitando três para ser precisamente apontado para sua região alvo. Porém, o telescópio teve uma nova missão aprovada em maio de 2014, chamada de Segunda Luz (K2). Apontando-o para outros campos de observação e utilizando a pressão da radiação solar para estabilizá-lo, os cientistas poderão fazer observações precisas de supernovas, formação de estrelas e sistemas estelares, além de poder localizar mais exoplanetas.
Mundos gigantes gasosos são totalmente inadequados a formas de vida como conhecemos. Contudo, é alta a possibilidade de que, tal como Júpiter, Saturno, Urano e Netuno, esses exoplanetas possuam luas azuis cobertas de água líquida
Apesar dos problemas técnicos, a missão do Kepler como caçador de planetas extrassolares foi extraordinariamente bem sucedida — nada menos que 977 exoplanetas foram confirmados em mais de 400 sistemas estelares. Até o momento, restam ainda por confirmar 3.277 mundos alienígenas candidatos. Como se tais números não fossem espetaculares o suficiente, em novembro de 2013 foi publicado um estudo baseado nas descobertas do Kepler. Extrapolando a porcentagem de mundos descobertos pelo telescópio em uma fração minúscula da Via Láctea, astrônomos calcularam que podem existir somente em nossa galáxia cerca de 40 bilhões de planetas com tamanho aproximado ao da Terra, situados na região habitável de estrelas anãs vermelhas. Estima-se que 75% das estrelas da galáxia sejam desse tipo, que possuem um período de vida muito superior ao de astros amarelos, como nosso Sol. O mesmo grupo de astrônomos calculou que outros 11 bilhões desses mundos estariam em sistemas centrados em estrelas semelhantes ao Sol.
Além disso, o estudo aponta que mesmo que alguns desses planetas, pelo fato de estarem muito próximos de suas estrelas, mantenham sempre a mesma face voltada para ela, como a Lua em relação à Terra, as condições seriam favoráveis para a presença de nuvens, que equilibrariam as temperaturas e permitiriam haver água líquida. Assim, anãs vermelhas poderiam ter até mais de um planeta habitável, o que em 2018, com o lançamento do telescópio espacial James Webb (JWST), da NASA, poderá ser investigado. Otimizado para trabalhar na região infravermelha do espectro, ele teria a capacidade de observar temperaturas frias ou moderadas na face diurna de um exoplaneta, com o que descobriria pistas de um ambiente confortável para a presença de vida extraterrestre. Em um raio de 30 anos-luz ao redor do Sol existem 248 anãs vermelhas, de modo que a expectativa pelos resultados dos telescópios da próxima geração é enorme.
Efeito estufa da atmosfera
Não demorou para que o telescópio orbital Kepler localizasse o primeiro exoplaneta habitável do catálogo. Denominado de Kepler-22 b, este mundo orbita uma estrela similar ao Sol situada a 600 anos-luz de distância. Com um raio 2,4 vezes maior do que o da Terra, sua temperatura na superfície, graças a um possível efeito estufa da atmosfera, é calculada como 22º C em média. A missão do telescópio prosseguia, na época, com novos achados sendo regularmente anunciados, até que em abril de 2013 nada menos que três mundos habitáveis foram anunciados. Um deles foi Kepler-69 f, 1,7 vez maior do que a Terra e com um ano de 242 dias, a 2700 anos-luz daqui orbitando uma estrela similar ao Sol. Mas foram os outros dois orbes que ganharam mais destaque.
Kepler-62 f foi na época o menor exoplaneta habitável então descoberto. Somente 1,4 vez maior do que a Terra, ele orbita um astro menor e mais fraco do que o nosso, a estrela Kepler 62 — os números se referem à ordem na qual foram observadas pelo telescópio, portanto esse é o 62º astro investigado pelo instrumento. Essa estrela, situada a 1.200 anos-luz de distância, é do tipo K, menor e mais fria do que o Sol, tendo massa e raio equivalentes a 69% e 64% os valores da nossa, respectivamente, e sua idade é estimada entre 4 a 7 bilhões de anos. O planeta 62 f é um dos cinco nesse sistema e se insere dentro da região habitável de sua estrela.
Kepler-62 e leva 122 dias para completar uma órbita ou ano, ao passo que 62 f tem um período de 267 dias terrestres. Os demais planetas orbitam bem próximos da estrela, e são, portanto, quentes demais para serem candidatos a abrigar vida. O que chama atenção é que os modelos elaborados em computador apontam que ambos devem ser mundos oceânicos, tal
vez até mesmo cobertos por mares globais. Sobre isso, Lisa Kaltenegger, do Instituto Max Planck de Astronomia do Centro Harvard-Smithsonian, disse: “Pode existir vida nesses mundos, mas será que teria tecnologia como a nossa? A vida ali seria aquática, sem acesso facilitado a metais, eletricidade, fogo ou metalurgia. Contudo, esses mundos, ao que tudo indica, seriam belos planetas azuis circulando uma estrela alaranjada, e talvez a inventividade da vida possa fazê-la chegar a um estágio tecnológico que nos surpreenda”.
Cetáceos extraterrestres
O meio ufológico devia prestar mais atenção a declarações de pessoas da comunidade científica. Seguramente, palavras assim seriam impensáveis há alguns anos, pois indiscutivelmente Lisa aludiu a possíveis seres bem evoluídos no sistema Kepler-62, talvez semelhantes aos nossos golfinhos. Muito se especula que esses cetáceos, extremamente inteligentes, poderiam evoluir caso dispusessem, por exemplo, de mãos — a capacidade de manipular o ambiente ao redor foi absolutamente essencial para que os antepassados dos humanos desenvolvessem habilidades, conhecimentos e tecnologias a fim de que criássemos a civilização global que possuímos hoje.
Os modelos computacionais hoje nos permitem até mesmo estimar como seria o ambiente de tais mundos distantes. Assim, o exoplaneta Kepler-62 e, mais próximo de sua estrela, seria mais quente, bastante úmido e teria um céu tomado por densas nuvens. Já seu vizinho 62 f provavelmente necessitaria de efeito estufa atmosférico a fim de que seus oceanos não congelassem, mas mesmo frio pode ser capaz de abrigar seres vivos. Bill Borucki, principal cientista da missão Kepler e coautor do trabalho sobre o sistema, ainda acrescentou que existem na Terra seres como arraias e peixes voadores, para exemplificar sua hipótese de que seres voadores podem existir nos dois mundos oceânicos ao redor de Kepler-62.
Sistema triplo
Existe, de acordo com Borucki, a possibilidade de até mesmo organismos similares a nossos pássaros terem evoluído naquele sistema, lembrando ainda que as teorias científicas mais aceitas apontam o oceano como o local do surgimento da vida na Terra. E os cientistas responsáveis pelo estudo ainda assinalam que, caso houvesse continentes em um ou nos dois planetas, então a vida teria uma chance de evoluir para se tornar inteligente e desenvolver tecnologia.
Também em 2013, mas em junho, foi anunciado que a estrela Gliese 667C, a somente 22 anos-luz de nós, possui ao menos dois planetas na região habitável, onde a água líquida em suas superfícies é possível. Essa estrela do tipo anã vermelha faz parte de um sistema triplo, com outras duas companheiras — e por ser menor e mais fria do que o Sol, sua região habitável se encontra em uma região que, em nosso Sistema Solar, seria no interior da órbita de Mercúrio. As descobertas foram feitas graças ao instrumento HARPS mencionado anteriormente, com o método de velocidade radial. O planeta Gliese 667C c aparenta estar no extremo mais quente da região habitável e existem concepções artísticas de sua superfície mostrando seu astro mais as duas estrelas companheiras em seu céu. Esse mundo receberia cerca de 90% da luz que temos aqui na Terra, e seu vizinho Gliese 667C b é mostrado em concepções artísticas como um mundo azul com oceanos e continentes.
Dados do mesmo HARPS e de outros espectrógrafos foram utilizados pelos astrônomos Mikko Tuomi e Steve Vogt, respectivamente da Universidade de Hertfordshire e da Universidade da Califórnia, para examinar a estrela Tau Ceti, uma das vizinhas do Sol, a somente 12 anos-luz de distância — o sistema estelar é apontado por ufólogos como uma das procedências de nossos visitantes extraterrestres. Por meio dessas informações e pelo método da velocidade radial, Tuomi e Vogt encontraram cinco exoplanetas em sua órbita, com períodos entre 14 e 640 dias, e massas estimadas entre duas e seis vezes a da Terra. Um deles, Tau Ceti e, deve possuir uma massa equivalente a 4,3 vezes a do nosso planeta, e os cálculos indicam que recebe radiação de sua estrela equivalente a 1,71 vez a que recebemos do Sol. Uma dificuldade pode residir em um grande cinturão de asteroides detectado no sistema, o que levaria a impactos frequentes de objetos contra as superfícies daqueles mundos.
A primeira Terra alienígena
O dia 17 de abril de 2014 entrou definitivamente para os livros de história com o espetacular anúncio da descoberta da primeira “Terra alienígena”. O planeta Kepler-186 f, sexto planeta em órbita da anã vermelha Kepler-186, a 490 anos-luz de nós, reside precisamente na região habitável de seu sistema. Ele é somente 1,1 vez maior do que a Terra e sua massa também é pouco superior, apenas 1,11 vez a do nosso mundo. Kepler-186 f orbita sua estrela a 32,5 milhões de quilômetros, completando um ano em 130 dias terrestres. Como se vê, não se trata de fato de um “gêmeo” da Terra, mas tem sido chamado de “primo” de nosso mundo, já que circula ao redor de uma estrela anã vermelha com metade do tamanho do Sol.
O sistema tem mais quatro planetas, mais próximos de seu astro e com períodos variando entre quatro e 22 dias, sendo que todos devem ser muito quentes e inadequados à vida. Já 186 f, devido a sua distância, pode inclusive ser muito frio, visto que orbita no limite externo da região habitável — contudo, seu tamanho pode indicar que possui gravidade suficiente para ter uma atmosfera densa, cujo efeito estufa poderia aquecer o planeta. Dessa forma, Kepler-186 f poderia, tal como a Terra, ter vastas áreas cobertas por água líquida, com rios, lagos, mares e oceanos. O extraordinário achado comprovou que planetas rochosos como a Terra podem existir nas regiões habitáveis de suas estrelas, e durante o período em que este texto era escrito prosseguia a busca pelo verdadeiro irmão gêmeo de nosso mundo, um planeta com tamanho similar orbitando uma estrela amarela, como o Sol.
Lisa Kaltenegger, do Instituto Max Planck: ‘Pode existir vida nesses mundos, mas será que teria tecnologia? A vida ali seria aquática, sem acesso facilitado a metais, eletricidade, fogo ou metalurgia. Contudo, esses mundos seriam belos planetas azuis’
De fato, vale lembrar que, em 1961, quando o radioastrônomo Frank Drake elaborou sua famosa equação para estimar a quantidade de civilizações extraterrestres que poderiam existir em nossa galáxia, ele e seus colegas consideravam muito remota a possibilidade de anãs vermelhas abrigarem planeta
s com vida. Hoje sabemos que tais mundos existem e ainda se pode apontar uma imensa vantagem deles: anãs vermelhas, por consumirem seu combustível em reações termonucleares internas muito mais lentamente do que astros como o Sol, têm um período de vida muitíssimo maior, podendo chegar a até trilhões de anos. Isso, evidentemente, é superior à idade atual de nosso universo, de 13,8 bilhões de anos, o que sem dúvida aponta para um longo futuro em que a vida existirá nesta realidade.
Ainda a respeito de Kepler-186 f, vale destacar os comentários de duas importantes figuras da ciência. “Esta é uma descoberta histórica do primeiro planeta do tamanho da Terra encontrado na região habitável de sua estrela. É o melhor caso de um mundo habitável já descoberto. Os resultados são definitivos e o planeta pode não ser sólido, mas aposto que é. É um achado precioso”, disse o citado Geoffrey Marcy. Já Seth Shostak, astrônomo sênior do Projeto SETI [O programa de busca por vida extraterrestre inteligente], disse que “o planeta será para sempre descrito nos livros de história como o primeiro além do nosso no qual nós, e possivelmente outros seres vivos, se sentiriam confortáveis”.
Grande diversidade de mundos
A profusão de dados colhidos pelo telescópio espacial Kepler permite que, mesmo diante de seus problemas técnicos e das incertezas que ainda resistem quanto à sua nova missão, os astrônomos tenham anos de trabalho à frente analisando tais informações. Dessa maneira, outro achado importante, mesmo que não se configure em um exoplaneta habitável, foi o de Kepler-10 c. Já se conhecia outro mundo nesse sistema a 560 anos-luz de distância, orbitando junto a sua estrela, e um dado importante é que a descoberta via método do trânsito do telescópio foi confirmada pelo instrumento HARPS-North, do Telescópio Nazionale Galileo, nas Ilhas Canárias. O trânsito possibilitou uma estimativa quanto ao tamanho do orbe, ao passo que a medição da velocidade radial permitiu calcular a gravidade e assim deduzir sua massa. Com os dois valores tornou-se possível estabelecer um valor para a densidade de Kepler-10 c, primeiramente tomado como um pequeno planeta gasoso, da classe dos “mininetunos”.
Porém, ao seu diâmetro 2,3 vezes maior do que o da Terra se somou uma massa 17 vezes maior que a de nosso mundo. Assim foi possível calcular sua densidade, comprovando que Kepler-10 c é um enorme planeta rochoso, o primeiro da classe das “megaterras”. Com um período de rotação em torno de seu astro de apenas 45 dias, e ainda próximo demais dele, deve ter temperaturas superficiais altas demais para abrigar vida. Mesmo assim, o achado é importantíssimo, já que Kepler-10, uma estrela amarela de tipo G similar ao Sol, é muito antiga — sua idade estimada é de 11 bilhões de anos, ou seja, o sistema surgiu com o Big Bang menos de 3 bilhões de anos após o início do universo. Dessa maneira, planetas rochosos podem existir desde muito antes do princípio do Sistema Solar, há 4,5 bilhões de anos, significando que é provável que a vida tenha tido chances de surgir e evoluir desde o início da história do cosmos.
E esse fato foi confirmado por outro dos mais fundamentais achados da história da humanidade. Poucos dias após o anúncio de Kepler-10 c, novamente utilizando os espectrógrafos HARPS do observatório ESO de La Silla, no Chile e o HIRES do telescópio Keck, uma equipe de astrônomos descobriu dois planetas orbitando a estrela Kapteyn, uma pequena anã vermelha a 12,7 anos-luz de nós, com somente 30% do tamanho do Sol. Esse astro foi descoberto pelo astrônomo holandês Jacobus Kapteyn (1851-1922), em 1897, enquanto revisava cartas estelares e placas fotográficas obtidas por David Gill, utilizando o Observatório Real, no Cabo da Boa Esperança. Kapteyn não estava ligado a qualquer instituição na época e voluntariou-se para auxiliar no trabalho de Gill, que estava realizando um projeto de observações das estrelas do Hemisfério Sul. A descoberta dos dois mundos foi realizada pela equipe de Guillem Anglada-Escude, da Universidade Queen Mary, em Londres.
Berço cósmico?
Um dos mundos, Kapteyn b, é, por enquanto, o exoplaneta habitável situado mais próximo do Sistema Solar. Circula ao redor de sua estrela em somente 48 dias terrestres, tendo massa cerca de cinco vezes a da Terra, com diâmetro 1,6 vez maior do que o de nosso planeta. Seu companheiro Kapteyn c orbita mais distante, com um ano de 121 dias e sete massas terrestres, porém deve ser muito frio para a vida. Mas Kapteyn b é importante ainda por outro fator: a idade estimada de seu sistema estelar é de 11,5 bilhões de anos — trata-se do exoplaneta habitável mais próximo de nós e também o mais antigo, quase tão velho quanto o universo, uma boa aposta para conter vida extraterrestre. Os astrônomos calculam que a estrela Kapteyn já foi integrante de outra galáxia absorvida pela Via Láctea, tendo feito parte do aglomerado estelar Omega Centauri, que hoje se situa a 16.000 anos-luz de distância, tendo milhares de estrelas com essa mesma idade.
O achado é surpreendente por representar um lugar onde a vida teve muito mais tempo de evoluir, se já existiu em Kapteyn b, do que a que conhecemos na Terra. O líder do estudo, Guillem Anglada-Escude, resumiu: “Isso nos faz pensar a respeito de que tipo de vida poderia ter evoluído nesses planetas por um período de tempo tão vasto”. Lembrando que a Terra, o Sol e o Sistema Solar existem há 4,5 bilhões de anos, Kapteyn b pode ter se mantido habitável por um período superior ao dobro desse tempo. As possibilidades são tremendamente vastas e quase inimagináveis, e uma delas foi explorada por outro astrônomo, Alastair Reynolds, também escritor de ficção científica e a quem a equipe de Anglada-Escude pediu que escrevesse algo a respeito. O resultado é um conto e uma peça digna de reflexão.
O fato de tais mundos serem considerados habitáveis não quer dizer que de fato abriguem algum tipo de vida no presente. No próprio Sistema Solar, Vênus se localiza no extremo interior da região habitável e Marte no extremo exterior. Contudo, o primeiro possui uma atmosfera sufocante que queima a quase 500º C, ao passo que o segundo é frio demais para comportar qualquer tipo de vida mais complexa. Seguem, entretanto, as tentativas de descobrir sinais de vida passada, ou mesmo presente, em Marte, na forma de microrganismos.
Sinais de habitabilidade em Marte
É importante salientar que o achado de vida alienígena microbiana em Marte ou em algum dos satélites dos planetas exteriores do Sistema Solar, ao contrário do que pensam alguns, seria uma das descobertas mais importantes de todos os tempos, conforme mostrado no artigo A Implicação do Recente Fórum Econômico Mundial para a Ufologia, na edição UFO 203 [Agora disponível na íntegra em ufo.com.br]. Conforme Carl Sagan escreveu em sua obra-prima Cosmos [Editora Francisco Alves, 1981], a existência de uma biologia separada da nossa em um mundo próximo seria um tesouro inestimável, e sua preservação é uma tarefa
obrigatória.
Várias missões devem chegar a Marte nos próximos anos, incluindo o projeto europeu Exomars, a sonda Insight da NASA e seu novo rover, marcado para lançamento em 2020 e baseado no bem sucedido Curiosity. Tais missões vão aprofundar a busca por mais sinais de habitabilidade em Marte, dos elementos essenciais à vida no Planeta Vermelho — e até mesmo de possíveis fósseis de microrganismos que já tenham existido lá. Além disso, descobertas recentes mostram a possibilidade de locais habitáveis nas luas Europa, de Júpiter, Titã e Encelado, de Saturno, com missões a esses mundos já sendo planejadas. Dessa maneira, os astrônomos da comunidade caçadora de planetas têm debatido incessantemente o conceito de região habitável, que mesmo em nosso Sistema Solar pode se mostrar mais flexível do que é atualmente considerado.
A escolha da Ufologia
A astronomia, como ciência que é, está sempre se reinventando e renovando, movida por seus próprios questionamentos e dúvidas. Nada denuncia mais a ignorância científica do que a equivocada manifestação de que “a ciência não tem todas as respostas”, como aludido por alguns. Como muito bem colocou em seu livro O Mundo Assombrado pelos Demônios [Companhia das Letras, 1996], o citado divulgador científico Sagan afirmou ser a ciência nossa única arma contra as trevas da ignorância e do fanatismo. Este último tem plena certeza e jamais admite que se façam as incômodas perguntas que temos liberdade de apresentar no campo científico.
O fato de tais mundos serem considerados habitáveis não quer dizer que realmente abriguem algum tipo de vida no presente. No próprio Sistema Solar, Vênus se localiza no extremo interior da região habitável e Marte no extremo exterior
E assim a astronomia experimentou, desde 1995, uma de suas maiores revoluções. De dúvida, a existência de exoplanetas passou à certeza absoluta diante dos fatos, e até mesmo nosso Sistema Solar foi revelado como um dos incontáveis modelos possíveis. A ciência é sempre cautelosa e afirmações novas e audaciosas precisam estar solidamente ancoradas em fatos para que se tornem certezas. E no tocante aos exoplanetas, a cautela de antes foi convertida em realidade inegável hoje, com cientistas até mesmo já comentando abertamente a possibilidade de vida, não apenas microbiana, mas também complexa e até mesmo inteligente no caso de alguns dos mundos alienígenas que investigamos neste artigo.
Aliás, somente entre 22 de julho e 18 de agosto, de acordo com a Enciclopédia dos Planetas Extrassolares, do site Exoplanet [Endereço: www.exoplanet.eu], o número de mundos extrassolares conhecidos e catalogados passou de 1.811 a 1.815 — quatro novos exoplanetas em poucas semanas. E o ritmo das descobertas tende a aumentar. Cabe à Ufologia abraçar o comprovadamente eficiente método da ciência e, especialmente aos que se dedicam a esse estudo, apoiarem-se unicamente nos fatos sem se deixarem levar por crenças pessoais. As certezas absolutas produzem somente ignorância e fanatismo e nos afastam da busca pela verdade e conhecimento, ao passo que apenas os questionamentos sem qualquer tipo de restrição nos permitem aprender e evoluir.