
Na matéria intitulada Um Alien em Fátima [Veja edição UFO 092, agora disponível na íntegra em ufo.com.br], dedicamo-nos a desmontar e transpor o teatro encenado pela Igreja Católica que como qualquer outro poder estabelecido na Terra, sempre tratou de convenientemente manipular a realidade, dogmatizar manifestações extraordinárias de natureza desconhecida, fabricar mentiras, impor “verdades” e obliterar segredos de modo a canalizar em seu proveito fenômenos que escapam à compreensão comum e desafiam a lógica e as ciências convencionais. A sociedade, atônita diante de uma gama assustadora de estímulos e irrupções inexplicáveis, não sabendo como lidar com tais efeitos e implicações, costuma aceitar os esquemas, pressupostos e condicionamentos socioculturais e as convenções e certezas temporais decretados pelas autoridades.
Já chegamos ao ponto em que ninguém mais pode contestar o fato de que o próprio surgimento da Igreja, sua existência e perpetuação como poder institucional secular, se devem, primordialmente, à apropriação e distorção, dentro de um contexto religioso particular, de uma abundante e diversificada fenomenologia paranormal e, por extensão, ufológica. Não obstante, em meados dos anos 90 ganhou força uma versão de cunho eminentemente político que propugna a total negação de Fátima, qual seja de que ali absolutamente nada de concreto e de real teria acontecido, e que apenas estiveram em jogo as forças do imaginário coletivo. Desencavada por historiadores revisionistas, afinados com a linha da chamada Nova História, e abraçada incondicionalmente por setores sectários antirreligiosos e esquerdistas, ciosos por incorporarem-na em seus proselitismos, por ela Fátima não teria passado de um culto fomentado como parte vital da estratégia de reorganizar os setores conservadores hostis à República — e que se expandiu numa forma de popularização da peculiar síntese de fascismo e catolicismo implantada e praticada pelo ditador Antônio de Oliveira Salazar (1889-1970).
Totalitarismo obscurantista
Em 1917, no ano das aparições, Portugal, governado por Bernardino Luís Machado (1915-1917), estava à mercê das facções políticas e à beira do totalitarismo, que se implantaria definitivamente em 1928 com o golpe perpetrado por Salazar, formado em direito pela Universidade de Coimbra e que ensinou economia política no mesmo estabelecimento. Sob o reinado de dom Carlos I (1889-1908), agravou-se a crise financeira herdada de governos anteriores, e cresceu a agitação política. Numa tentativa de restabelecer a ordem, o soberano confiou poderes ditatoriais ao ministro João Franco (1906). Pouco tempo depois, explodia uma revolta em Lisboa, e dom Carlos era assassinado com seu filho mais velho. Sucedeu-lhe dom Manuel II, destronado em 05 de outubro de 1910 por uma revolução que estabelecera uma forma republicana de governo, toscamente moldada pelo padrão norte-americano, a partir de 1915. A nova Constituição fora promulgada em 1911.
A República havia sido proclamada, portanto, há apenas sete anos num país que vivera sob o reinado desde o século XII, com a instauração da Casa de Borgonha por dom Afonso I (1139-1185). Com a queda da monarquia, veio o declínio da religião, pois, embora o povo português permanecesse fiel à Igreja Católica, o governo provisório, a fim de estabilizar a economia e a estrutura social do país, determinou a expulsão dos jesuítas e a extinção dos conventos, legislou sobre o divórcio e decretou a separação da Igreja e do Estado. Abertamente hostil à Igreja, acabou rompendo relações com Roma em 1913 e disseminou uma ampla campanha de propaganda anticlerical — as propriedades eclesiásticas foram confiscadas, congregações dissolvidas e o clero era tratado praticamente como uma casta inferior.
Superstições
A intelligentsia e vários setores formadores de opinião eram antirreligiosas e decididamente anticlericais. Os governantes tornaram-se antagônicos às crenças religiosas tradicionais, qualificando-as frequentemente como meras superstições veiculadas pelos jornais e revistas demagógicos e sensacionalistas. Até mesmo as áreas rurais, geralmente imunes aos ditames intelectualistas dos centros cosmopolitas, foram afetadas pelo fechamento compulsório das igrejas e pelo estreito controle de qualquer expressão religiosa. A despeito disso tudo, remanesceu profundo o fervor entre os camponeses, de hábitos religiosos arraigados, nas áreas rurais. E foi exatamente ali que se verificou a série de aparições da Virgem.
Em outras palavras, Fátima teria nascido tentando ser algo como a marcha sobre Roma de Mussolini e teria evoluído como o equivalente dos comícios em Nuremberg da Alemanha nazista. De fato, reconhecemos que foi a partir da consolidação do Estado Novo, em 1930, que a mitologia de Fátima foi sendo enriquecida com símbolos nacionalistas como o Anjo de Portugal, transformada de antirrepublicana em anticomunista com a introdução a posteriori de profecias condenando a Revolução Bolchevique e alertando quanto ao deflagrar da Segunda Guerra Mundial. Tais conceitos foram largamente usados para legitimar a ditadura com a autorizada declaração da vidente Lúcia, feita em 1945, numa carta dirigida ao cardeal Manuel Gonçalves Cerejeira a partir do convento onde permaneceu enclausurada desde as pretensas aparições, de que “o Salazar é a pessoa por Ele [Deus] escolhida para continuar a governar a nossa Pátria. A ele é que serão concedidas a luz e graça para conduzir o nosso povo pelos caminhos da paz e da prosperidade”. A santa de Fátima foi, e jamais deixará de ser, a Nossa Senhora do fascismo.
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