A pesquisa de avistamentos de naves e seres extraterrestres ao longo e em momentos remotos da história pode contribuir bastante para o estudo de diferentes aspectos da Ufologia Moderna. É assim que a leitura ufológica de um antigo e conhecido documento histórico revela um caso de avistamento coletivo no Brasil e traz elementos para o estudo da manifestação de outras espécies cósmicas no passado de nosso país. Trata-se de um avistamento ocorrido em 1887, envolvendo personagens que marcaram a história do Brasil. No acontecimento, Antônio Conselheiro e os sertanejos que o seguiam estão no papel de testemunhas, enquanto o jornalista Manuel Benício é o autor do relato. São muitos os aspectos interessantes deste fato, vejamos.
Primeiramente, o avistamento é muito anterior à própria Ufologia e evidentemente nenhuma testemunha se refere à hipótese extraterrestre. Porém, é possível identificar no relato, e com bastante clareza, as características específicas de um caso ufológico. O interesse em sua pesquisa foi despertado justamente porque a descrição do evento não corresponde às interpretações convocadas para explicá-lo, levando à reflexão sobre a questão sempre atual da credibilidade dos relatos de testemunhas. Conselheiro era considerado louco e seus seguidores eram vistos como fanáticos, o que os teriam desqualificado como observadores confiáveis para a Ufologia se tivessem recorrido à hipótese extraterrestre para explicar o que viram. Mas esse não foi o caso.
Conta a história de Peregrino Antônio Vicente Mendes Maciel (1830-1897), amplamente conhecido como Antônio Conselheiro, que ele levava uma vida de asceta e aconselhava o povo em suas pregações, dando acolhimento e mansidão a quem dele se aproximava, além de organizar a construção de igrejas, cemitérios e açudes. Logo o movimento gerado em torno de Conselheiro acabou se tornando um sério problema político, pois ele começava a interferir nas relações socioeconômicas tradicionais do Sertão Nordestino — famílias inteiras abandonavam o trabalho nas propriedades rurais, vendiam o que tinham e largavam tudo para segui-lo. Ele era adorado e obedecido por seus adeptos e quatro guerras foram necessárias para riscar do mapa a cidade de Belo Monte, fundada por ele em 1893 e que chegou a ser a segunda maior da Bahia na época, depois de Salvador, capital da então província.
Sob ameaça de morte
O relato do avistamento em questão encontra-se no livro O Rei dos Jagunços: Crônica de Costumes Sertanejos, de autoria do jornalista Manoel Benício e publicado em 1899. O autor foi um dos inúmeros repórteres enviados por diferentes jornais do país para cobrir a Guerra de Canudos, no Sertão Baiano. Benício ficou conhecido por seu compromisso com a verdade do conflito, sendo o primeiro correspondente a denunciar os erros de estratégia e a confusão reinante nas ações do comando da 4ª Expedição, enviada para acabar com a cidade fundada por Conselheiro. Desagradou, assim, os militares que tentavam tomar pé em uma guerra com dificuldades inesperadas, que levou à morte milhares de pessoas de ambos os lados, expondo o Exército Brasileiro a três fracassos sucessivos — o Clube do Exército exigiu sua retirada do cenário da guerra, de onde saiu sob ameaça de morte.
De súbito, no sopé de um serrote vizinho apareceu uma chama amarela, que aumentava a olhos vistos. Nesta ocasião em que a atenção de todos voltava-se amedrontada para a extraordinária aparição, Conselheiro surgiu, sem ser visto por onde entrara
Certa ocasião, ainda vagando com seus adeptos pelo Nordeste, Antônio Conselheiro chegou até o município de Cabaceiras, ao pé do Rio Paraíba, naquele estado, mais especificamente no local conhecido como Boqueirão. Ele se dirigia frequentemente às feiras, vaquejadas e a qualquer lugar onde houvesse ajuntamento de povo para evangelização. “Fora na fazenda do major Tomé que, no ano de 1887, os vaqueiros daquelas bandas conchavaram-se encontrar, vindo de diversos cantos de criação, tangendo magotes de gado de vários donos, para aí dividi-los a quem pertencessem”, conta Benício. Ele escreveu ainda que “ali todos os dias entravam boiadas conduzidas por homens bronzeados na cor e na vestimenta de couro, chapéu, gibão, guardas e guarda-peito. A fazenda de Tomé era uma planície rodeada de penedos enormes e serras, só acessíveis aos bodes. Media uma extensão de seis léguas em quadro”.
Manuel Benício também discorre sobre o contexto particular de exaltação religiosa que precedeu à anunciada pregação de Conselheiro: “O espírito de todos estava impressionadíssimo, encolhido dentro de uma sensação vaga de susto e contrição. Iam ouvir a voz do santo e afamado missionário praticador de milagres, para quem não havia segredo nem mistério na alma dos pecadores. Como que um peso estranho calcava-lhes os ombros, fazendo-os cabisbaixos e submissos”. O avistamento ocorreu justamente neste ambiente psicológico e logo recebeu uma explicação do autor como sendo apenas fogo fátuo. “De súbito, no sopé de um serrote vizinho apareceu uma chama amarela e movediça, que aumentava a olhos vistos, rente com o solo. Nesta ocasião em que a atenção de todos voltava-se amedrontada para a extraordinária aparição, Conselheiro surgiu, sem ser visto por onde entrara, em uma espécie de altar sob a latada. O murmúrio fê-lo erguer os olhos e descobrir o movimento do fogo fátuo ao pé do morro”.
Uma sagração invisível
Duas outras explicações foram convocadas para entender a manifestação daquela luz que impressionou e amedrontou as centenas de testemunhas.“As opiniões divergiam e as mulheres se benziam. Os mais ousados, procurando acalmar o pânico, opinavam que eram fachos de caçadores cavando tatus. Outros que eram almas penantes de mulheres amancebadas com padres”. E continua o autor, explicando que o major alertara a todos para o fato de que, com certa regularidade, aquela mesma luz surgia no local, perto de uma serra. “Havia uma furna ali embaixo, cheia de caveiras e um penedo com inscrições em língua desconhecida. A explicação tranquilizou um pouco os espíritos, a maioria convictos de que aquele fogo tinha alguma coisa com a vinda do missionário ali. Seria uma alma penada, talvez que vinha ao mundo pedir orações e penitências para sair do purgatório. Só então deram com o Conselheiro em pé, de cabeça baixa, como que recebendo uma sagração invisível ou ouvindo uma voz inaudível aos pecadores, no centro do altar improvisado”, conta Benício.
O comportamento do fenômeno luminoso desacreditou duas das explicações dadas pelas testemunhas. Continua o repórter: “E nesta hora o fogo fátuo escalava o penedo a prumo, por onde nem bode subia, galgava-lhe o cimo inacessível e projetara de lá a chama amarela com uma quietude e esmorecimento fantásticos. Houve um oh! uníssono e a chama desapareceu no espaço, como um santelmo que era. O velho fazendeiro, que nunca vira o tal fogo subir tão alto no penedo, estremeceu com esse movimento e ficou pensando no poder sobrenatural do leigo sacerdote. Os que acreditavam que a luz fosse de caçadores também reconsideraram tal juízo. Por aquele lajedo acima, só lagartixa podia subir. Fora um milagre feito pelo Conselheiro!”
O tão adorado místico falou poucas vezes de sua missão e sempre de maneira enigmática e lacônica, por pequenas frases. Mas no texto de Manuel Benício encontramos a única notícia de Antônio Conselheiro explicitando longamente o que considerava ser sua missão, o que aconteceu após a experiência. A interpretação religiosa do fenômeno luminoso criou um ambiente de exaltação que teve sem dúvida efeito sobre o próprio Conselheiro. Associado a este evento, ele então enunciou longamente o mandato que teria recebido de Deus, conforme o texto de Benício: “Sim, meus irmãos, obedecei à Igreja e aos mandamentos de Deus Nosso Senhor, nosso pai e salvador eterno, de quem sou na Terra um miserável apóstolo. Porque ele me apareceu uma noite e disse: ‘Antônio, sairás pelos sertões como teu xará de Lisboa a fazer penitência, pregando o meu Evangelho e as Escrituras Sagradas. Sofrerás perseguições dos maus e dos hereges, que retribuirás com benefícios derramados por onde passares. Terás, como Pedro, Paulo e todos os meus santos discípulos, o teu povo que te seguirá e de que serás o guia. Encher-te-ei de poder na terra e serás tu e serão os teus adeptos cheios de graça na vida eterna’”.
O repórter de guerra registrou que a imaginação continuou funcionando após o avistamento, já que a luz tornou a aparecer e a desaparecer. Diz ele: “E como nos olhos da imaginação de todos a chama lívida e sobrenatural do fogo fátuo passava, repassava, desaparecia e reaparecia, ninguém pensou em caçar a facho naquela noite, como era costume, com medo de um mau encontro”. Manuel Benício fala de uma “chama lívida e sobrenatural”, traduzindo o ambiente luminoso particular que caracteriza as manifestações ufológicas.
Fogo fátuo ou UFO?
O fogo fátuo, como sabemos, é uma manifestação luminosa ocasionada pela decomposição de matéria orgânica. Os gases metano e fosfina entram em combustão em contato com o ar causando uma pequena explosão e uma luz de tonalidade azul — que é produzida rente ao solo e se desloca horizontalmente em combustão, consumindo-se em poucos segundos. Essa chama pode dar a impressão de perseguir a testemunha se esta correr, deslocando o ar que a puxará na sua direção. Observa-se o fogo fátuo mais frequentemente em cemitérios e vales dos rios. No sítio arqueológico do Boqueirão, na Paraíba, a existência de matéria orgânica em decomposição poderia creditar tal explicação.
Porém, a luz descrita por Benício tem em comum com o fogo fátuo apenas o fato de ter aparecido rente ao solo. No mais, temos uma luz amarela que aumenta de tamanho e, em movimento vertical, sobe até o alto do penedo, “onde nem bode subia”, de onde projeta sua chama e desaparece no espaço “como um santelmo que era”. A luz parece continuar a se manifestar, pois “passava, repassava, desaparecia e reaparecia”, causando medo e espanto. O avistamento impediu que caçadores saíssem naquela noite com medo de “um mau encontro”. Outros aspectos do relato situam o avistamento dentro do contexto mais geral das ocorrências ufológicas. A casuística tem demonstrado o interesse dos tripulantes dos UFOs pelos sítios arqueológicos, assim como pelas manifestações religiosas coletivas. Neste caso, estariam eles testando uma forma de contato? Mas o que aconteceria se fossem confundidos com deuses?
Muitos casos de manifestações de seres e luzes sobrenaturais dentro do contexto religioso são interpretados pela Ufologia como eventos de origem extraterrestre — o caso mais célebre são as aparições de Fátima, acontecimento sem precedentes do início do século passado, no qual milhares de pessoas foram testemunhas de um evento luminoso de grande magnitude. Guardadas as proporções, o avistamento do Boqueirão também se deu em meio a uma manifestação religiosa coletiva das mais importantes que o Sertão do século XIX havia visto.
Dois avistamentos em um
A presença de Antônio Conselheiro atraía milhares de pessoas às feiras e vaquejadas para ouvirem a palavra de Jesus, e ele era divinizado por seus seguidores, embora não se posicionasse como divindade. O ambiente de respeito e contrição religiosa era também o de suas pregações. A única saudação entre os seguidores de Conselheiro era “louvado seja nosso senhor Jesus Cristo”, com a réplica “tão bom Senhor, para sempre seja louvado”. Com essa saudação os interlocutores firmavam um pacto com o discurso religioso.
No caso em questão, houve a manifestação de uma luz com comportamento particular no momento em que Antonio Conselheiro chegava para uma de suas pregações noturnas. O UFO lhe roubou a cena e a multidão nem o viu chegar, atraída que estava pelo inusitado fenômeno luminoso. Estariam os tripulantes do veículo observando essa exaltada manifestação religiosa? O relato demonstra que Conselheiro integrou a luz a seus interesses religiosos, mas que foi também afetado por ela.
Mas o relato apresenta ainda outra característica interessante. O repórter Manoe
l Benício provavelmente condensou na sua crônica romanceada dois eventos ufológicos, e não apenas um, dos quais ouviu narrativas transmitidas oralmente. O relato em estudo parece trazer dois casos em um só, pois se refere ao Serrote dos Caboclos, que se situa no município de São João do Tigre, enquanto descreve o avistamento no povoado de Boqueirão, situado no município de Cabaceiras. Haveria um Serrote dos Caboclos também em Boqueirão? Nada conseguimos apurar a esse respeito, pois a região do avistamento está hoje submersa pelo açude Epitácio Pessoa, ali inaugurado em 1957. Mas apuramos que o nome Boqueirão deve-se à passagem do Rio Paraíba na Serra do Carnoió. Antonio Conselheiro se encontrava ali com sua gente para construir justamente um açude nas terras do velho Tomé.
Sítio arqueológico
Desde o século XVII, inscrições rupestres foram registradas no local e uma viagem de exploração realizada por Costa Lira, do Instituto Histórico da Paraíba, em 1905, confirmou a informação dada pelo dono da fazenda de que há, “na margem direita do Paraíba, três léguas ao oeste do povoado de Boqueirão, um monumento rochoso com uma grande quantidade de inscrições. Uma légua abaixo deste local, na margem esquerda do rio, viram-se diversos caracteres gravados em um lajedo e na fralda da Serra do Carnoió, banhada pelo Paraíba, identificaram-se caracteres gravados no interior de uma furna. Estas são apenas algumas das notificações registrando inscrições rupestres no Vale de Carnoió, antes deste se tornar um manancial artificial, que provam que ali existe um grande número de vestígios e testemunhos do passado ameríndio e paleoíndio encoberto pelas águas e toneladas de material de enxurros, sem nunca ter sido devidamente registrado”.
A fazenda do velho major Tomé situava-se naquele local e lá foi avistada a luz. Temos então a comprovação da afinidade arqueológica do Boqueirão com o sítio arqueológico paraibano. Antônio Conselheiro e sua gente penetravam na Paraíba pelo extremo sudeste do Ceará, e é razoável pensar que tenham passado pelo Serrote dos Caboclos na sua caminhada até o povoado de Boqueirão. O local também é conhecido por uma caverna que contém os restos mortais de índios que pereceram no local, tentando proteger-se de colonos, além de inscrições rupestres em idioma desconhecido. No local do relato, o velho major Tomé assimila o fenômeno luminoso à mesma história de furnas cheias de caveiras e inscrições que existe em suas terras, tal qual uma caverna em São João do Tigre.
O evento luminoso assinala a existência de sítios arqueológicos no local, reforçando a tese de que os tripulantes dos UFOs têm preferência por tais lugares, fato estudado pela Ufologia. Um de seus interesses são os vestígios de antigas civilizações antediluvianas
Mais adiante no livro O Rei dos Jagunços: Crônica de Costumes Sertanejos, onze dias depois do avistamento, Manuel Benício se refere ainda ao evento luminoso animando a fala de Raimundinho Doutor, protagonista da história: “Contara ele que fora ao Serrote do Caboclo e entrara em uma furna escura, onde viu para mais de mil caveiras. Trouxe uma para fora, a fim de fita-la à luz do Sol, e reconheceu que o dono dela morrera em consequência de um enorme talho que rachara a cabeça ao meio”.
Assim, percebe-se que o evento luminoso vem como que assinalar a existência de sítios arqueológicos no local, reforçando a tese de que os tripulantes dos UFOs têm preferência por tais lugares, fato amplamente estudado pela Ufologia. Hoje sabemos que um de seus grandes interesses são os vestígios de antigas civilizações antediluvianas. Estamos assistindo em todo o planeta o desvendar de um passado civilizado do homem do qual não suspeitávamos — e os achados arqueológicos recentes nos empurram para um enorme recuo no tempo. Existiram em todo o planeta civilizações que foram antediluvianas e as provas materiais pululam atualmente com as novas descobertas arqueológicas em todo o mundo. Trata-se de uma expansão da consciência sem precedentes na história humana, é como se uma grande parte do conteúdo cultural inconsciente se desvendasse. A Paraíba é certamente parte dessa história muito antiga do homem, com inúmeros vestígios de culturas completamente desconhecidas.
A questão das testemunhas
O ufólogo paulista Reinaldo Stabolito propõe uma abordagem dos relatos de testemunhas que se adequa bem ao estudo do avistamento de Antônio Conselheiro. O grande esforço dos pesquisadores para autenticar e classificar a casuística ufológica passa pelo estudo da credibilidade das testemunhas, e as que são consideradas válidas para a Ufologia são as que, após verificação segundo certos protocolos, não apresentam qualquer distúrbio mental, não estariam movidas por interesse financeiro ou de alcançar fama. Mas talvez esses três quesitos não sejam suficientes para garantir a confiabilidade de um relato, pois as testemunhas têm órgãos sensoriais específicos que talvez não sejam totalmente apropriados para apreender a realidade extraterrestre. Segundo a perspectiva dos espectadores, Stabolito conceitualiza os eventos ufológicos de três formas:
# Avistamento percebido, ou a observação em si, que resulta do contato do fato com o sistema sensorial da testemunha, seu estado físico e emocional.
# Avistamento interiorizado, ou a interpretação do fato, onde geralmente o observador recorre às suas referências culturais.
# Avistamento descrito, ou a descrição da ocorrência, ou seja, a narrativa do acontecimento pela própria testemunha ou por terceiros.
Essas três facetas levam Stabolito a dizer que o relato não é registro fiel de um evento ufológico. Aplicando seus conceitos à leitura da posição das testemunhas no relato de Manuel Benício, vamos, porém, chegar a uma conclusão diferente. Mas pode-se examinar a questão também por outro ângulo, a partir do momento em que são os ETs que têm a iniciativa do contato. Se eles são tão mais adiantados do que nós, devem conhecer o funcionamento da psique humana e saber como se manifestar para que possamos, com nossos sentidos, apreender o que nos comunicam. É graças ao relato de testemunhas que o objeto de estudo da Ufologia vem se constituindo ao longo dos anos. Sabemos hoje, por exemplo, que os mais envolvidos em casos de abdução são os grays, sobre os quais já temos milhares de informações obtidas pela repetição nos relatos.
No caso do relato histórico tratado, a percepção do avistamento não é do autor da descrição — Manuel Benício não foi testemunha ocular do
ocorrido, mas escreve a partir de uma situação de avistamento que lhe foi contada provavelmente por várias testemunhas, já que incorpora à sua descrição diferentes interpretações. Esse é, aliás, o caso de grande parte dos relatos de testemunhas de eventos ufológicos, que são geralmente descritos por jornalistas, pesquisadores e outros profissionais relatando o que ouviram delas. O repórter de guerra dedica mais de três páginas ao avistamento, que situa em 1887, dez anos antes de sua chegada ao cenário do conflito no Sertão da Bahia. Essas três paginas demonstram a forte impressão causada pelo avistamento aos sertanejos, a ponto de Benício julgá-lo digno de ser incorporado à sua crônica de costumes sertanejos.
Grande parte do relato do repórter são as interpretações convocadas para explicar o fenômeno luminoso. As testemunhas oculares dividem-se em três explanações diferentes: uma racional, outra religiosa e uma terceira posição testemunhal, a do velho major Tomé, que avança uma explicação — que é, antes, uma interrogação sobre um avistamento que escapa à sua compreensão. Já Manuel Benício, que não foi testemunha ocular do avistamento, coloca-se como o portador de uma explicação científica para o acontecimento que não presenciou. Esta é a percepção que teve do evento ufológico que lhe foi contado, algo que ficou muito tempo gravado na memória dos sertanejos e que ele, jornalista e homem culto do Rio de Janeiro, sabia pela descrição que ouvia que seria fogo fátuo. Estava certo de sua interpretação sem se preocupar com a concordância dos fatos — para ele era um fogo fátuo e pronto, uma atitude típica de fé cega na ciência, ideal do século XIX.
Interpretações variadas
As certezas científicas de Benício não interferem, porém, na descrição que faz do que lhe foi contado, pois o autor não procura distorcer o acontecimento para adequá-lo à sua explicação. A distorção é introduzida no próprio relato justamente como um problema de percepção atribuído pelo autor às testemunhas oculares, consideradas como sertanejos crentes e ignorantes: “a luz passava, repassava, aparecia e desaparecia”, “como um santelmo que era”, mas “nos olhos da imaginação”. Mas, definitivamente, o comportamento do fenômeno não correspondia ao de fogo fátuo, mas ao de um UFO, tal como vem sendo descrito há décadas por incontáveis testemunhas.
A explicação do avistamento pelo dono da fazenda, o velho major Tomé, é mais uma interrogação, uma tentativa de entender um avistamento que talvez não tenha sido o primeiro para ele. Já a posição de Antônio Conselheiro enquanto testemunha é muito interessante. Sua fé religiosa e a de seus seguidores não deixa dúvidas sobre a interpretação a ser adotada para o fato: a luz era uma “alma penada de mulher amancebada com padre”, pedindo penitência e oração. Observamos aqui, entretanto, certa ambiguidade de Conselheiro. Na noite do avistamento da luz amarela, ele falou explicitamente de sua missão religiosa, e a ocorrência ufológica é traduzida como que trazendo uma nova realidade, agora transcendental, às crenças religiosas sobre as almas que não encontram descanso por causa dos seus pecados.
‘Pelo Brasil afora existem histórias que nos falam de bolas de fogo que vagam à noite pelas regiões rurais. Na maioria dos estados brasileiros essa aparição é denominada Mãe do Ouro’, diz o ufólogo e consultor da Revista UFO Antonio Faleiro, especialista no tema
Entretanto, o Conselheiro não era dado a crendices, como atestam os ensinamentos contidos em seus manuscritos — efetivamente, seus textos nos revelam uma cultura religiosa consistente, sempre dentro da mais estrita ortodoxia católica. O místico era um letrado, não um homem de acreditar em bruxarias. A explicitação de sua missão é proferida em associação com o avistamento ufológico, indicando que o evento afetou-o profundamente — esse relato é o único documento em que Antônio Conselheiro fala de sua missão, pois antes se referia a ela poucas vezes e de maneira enigmática pela repetição nos relatos.
Tudo leva a pensar que Conselheiro interpretou a luz como sendo a Mãe do Ouro. Verificamos então a ocorrência em época remota daquilo que vem sendo estudado pelo pioneiro Antônio Faleiro, consultor da Revista UFO, no contexto folclórico do país. “Pelo Brasil afora existem histórias que nos falam de bolas de fogo que vagam à noite pelas regiões rurais. Na maioria dos estados brasileiros essa aparição é denominada Mãe do Ouro”, diz. Faleiro nos informa que as testemunhas que entrevistou lhe descreveram uma bola de fogo voando de uma serra a outra e enterrando-se chão adentro. “Diziam ser ‘ouro mudando de lugar’. Outras vezes a luz ficava imóvel nos topos de serras e até sobrevoava povoados. Quantas pessoas chegaram a cavar determinados lugares em busca do ouro indicado pela Mãe do Ouro, e algumas até chegaram a encontrar algo”, completa.
Racionalidade x religiosidade
Quando a enigmática luz apareceu no local, causando espanto e medo aos sertanejos ali reunidos, uma explicação racional foi logo lançada: tratava-se de fachos de caçadores noturnos cavando tatus. Mas o comportamento particular da luz rapidamente desacreditou essa explicação. A interpretação religiosa parece ter sido de longe a explicação mais evocada para entender o avistamento. O interessante estudo de Faleiro sobre as interpretações folclóricas relativas às manifestações de UFOs dirige nossa atenção para as almas penadas ou a Mãe do Ouro, ambas presentes no relato de Manoel Benício. A crença na Mãe do Ouro é bastante diferente da crença em alma do outro mundo, embora ambas sejam convocadas para explicar avistamentos de luzes no céu.
A Mãe do Ouro vem localizar muito concretamente jazidas minerais, indicar tesouros enterrados, deixando sempre nas populações do interior uma interrogação sobre acontecimentos que têm características próprias. Pode-se classificar o relato daquele fato no Sertão Nordestino como um contato imediato de primeiro grau, de acordo com a siste
mática ufológica. E como a maioria das testemunhas era adepta ou simpatizante de Antônio Conselheiro, e seus seguidores eram profundamente religiosos, chegando à beira do fanatismo, a explicação religiosa, que não necessita ser verossímil, prevaleceu — a luz era uma alma penada.
Contatos e testemunhos
Os observadores do Fenômeno UFO não têm nenhuma prerrogativa de provocar um evento — são os extraterrestres que se dão a conhecer quando querem e da maneira que querem. Ainda segundo Stabolito, a testemunha é sujeita a tantas limitações para restituir fielmente a experiência ufológica que viveu, que esta deve ser considerada como muito diferente do evento real. O que é mais interessante no relato de Manuel Benício, no qual encontramos a interação de diversas interpretações, é que nenhuma interferiu na descrição do avistamento, nem mesmo a certeza científica do autor. Pode-se dizer que não houve influência das tentativas de explicação do fato na descrição do repórter, porque é possível identificar com clareza um avistamento ufológico tal como a Ufologia o explica hoje.
Assim, o que o fenômeno luminoso do Boqueirão demonstra é que o evento ufológico impõe-se à testemunha, apesar das diferenças de percepção a que recorrem para explicar o avistamento, e transcende suas particularidades subjetivas. O conhecimento sobre a realidade ufológica vem se depositando ao longo dos milhares de relatos de observadores, definindo uma experiência que é propriamente ufológica e não de outra natureza. A coerência do testemunho com outros relatos decidiria a validade da experiência e se pode ou não corresponder ao que se repete ao longo dos relatos.
Antônio Conselheiro foi um místico, mas também um homem com grande senso prático. Foi um grande organizador social que conseguiu promover uma prosperidade nunca vista no Sertão Nordestino, dando provas de sua capacidade de congregar pessoas. O estudo de sua obra permite afirmar que ele provavelmente não acreditava em alma do outro mundo. Dias depois da experiência, ainda o vemos afetado pelo fato. Certa noite, ao terminar sua prédica, disse: “Sim, rezai e fazei penitências, enquanto irei pedir a Deus graça e misericórdia”. No relato do repórter de guerra Manuel Benício, ele teria então descido do improvisado trono, atravessado o pátio cheio de devotos maravilhados e contritos e todos o viram desaparecer na sombra da noite para as bandas do Serrote do Caboclo. Achamos que foi investigar o local, pois o homem não era dado a crendices.