Um trabalho recém-divulgado mostra como deve ter ocorrido um dos passos mais importantes na caminhada para que uma química simples pudesse dar origem a formas de vida capazes de se replicar. A chave de tudo é uma molécula que pode ter sido a precursora das primeiras coisas vivas na Terra, o RNA. Mais delicada que o DNA, é uma partícula que se degrada mais facilmente, ms em compensação, pode fazer o papel duplo de guardar informação genética – função primordial do DNA – e atuar no metabolismo, função primordial das proteínas. Então, é tida como uma excelente candidata à primeira molécula da vida. A alternativa seria pensar no surgimento de uma criatura primordial que usasse DNA e proteínas. Como codifica proteínas e elas ajudam na replicação do DNA, os dois se reunirem juntos, gerados individualmente, num mesmo momento era um evento altamente improvável. Se dependesse disso, a vida provavelmente jamais teria surgido.
Entra em cena o RNA, que consegue fazer tudo ao mesmo tempo. Mas ainda havia um mistério a ser resolvido: como o RNA surge de moléculas mais simples? Foi esse o grande avanço realizado pelo grupo de John Sutherland, da Universidade de Manchester, no Reino Unido, e publicado na revista científica Nature. Eles conseguiram demonstrar um caminho para a síntese de RNA a partir de compostos que estavam presentes na Terra primitiva, 4 bilhões de anos atrás.
O segredo foi repensar a forma como o RNA poderia surgir. Normalmente, a formação dessa molécula era vista como a junção de três pedaços distintos, que teriam de surgir separadamente. Mas, como não houve meio de fazer isso acontecer em laboratório, a pesquisa não parecia avançar. Sutherland e seus colegas fizeram diferente: imaginaram uma molécula precursora, mais simples, que já produzisse pelo menos dois dos 3 pedaços juntos. E aí a experiência deu certo. Claro, não sem um grande esforço de síntese de substâncias em laboratório. A boa notícia é que mais uma peça do quebra-cabeça parece se encaixar nesse enigma do surgimento da vida a partir de moléculas inanimadas. A má é que ainda falta um bocado a entender. “Mas é justamente porque esse trabalho abre tantas novas direções para pesquisa que ele ficará marcado por anos como um dos grandes avanços na química precursora da vida”, disse Jack W. Szostak, do Hospital Geral de Massachusetts, em Boston, num comentário sobre o estudo publicado na mesma edição da citada revista.