O movimento mundial de pesquisas ufológicas não é um paraíso, um meio em que existem apenas pessoas bem intencionadas buscando ou interessadas no estabelecimento da verdade — e o ufólogo consciente deve ter isso em mente em seu trabalho. No processo de busca por informações consistentes sobre uma ocorrência ufológica, é importante ouvir cada suposta testemunha, assim como também é imprescindível descobrir o que pode haver por trás de dados que estão sendo oferecidos como legítimos — a chave da verdade muitas vezes está na observação cuidadosa dessa noção. Um amigo do passado costumava dizer que “a testemunha é a mais prostituta das provas”, e ele não falava assim por acaso, mas com conhecimento de causa, pois é um dos mais competentes advogados que eu conheço.
A análise de um caso ufológico geralmente pode se confundir com uma investigação policial, e não encarar esta realidade pode muitas vezes levar a conclusões totalmente equivocadas sobre o que se pesquisa. Neste cenário, uma única testemunha de determinado fato pode ser crucial e definitiva — no meio judiciário, por exemplo, ela poderia levar outra pessoa a passar o resto de sua vida na cadeia. Claro que, antes que lhe seja dada credibilidade, é preciso estabelecer claramente o nível de confiança que suas declarações podem merecer, além de comprovar a inexistência de evidências contrárias ao seu depoimento — em Ufologia temos que ter o mesmo cuidado, e é essa a razão central deste artigo.
Foi com progressiva decepção que passamos a ver também no Brasil, nos últimos anos, uma situação que já ocorria no exterior e que causava igual sensação de frustração: um movimento negativo visando atingir a credibilidade de alguns dos principais episódios da Ufologia. No Brasil, esta onda de ceticismo é inspirada, em parte, no surgimento do que passaram a ser corriqueiramente chamadas de “novas testemunhas”. Apesar dessas manifestações não serem orquestradas em conjunto, a verdade é que as pessoas envolvidas nos ataques estão naturalmente se aproximando, por terem interesses comuns. Até porque, tanto essas supostas testemunhas como os investigadores que resolveram dar crédito ou divulgação às suas mais absurdas declarações, demonstram estar envolvidos em uma cumplicidade, algo que combina o objetivo de retaliação de algumas testemunhas contra seus familiares — os principais protagonistas dos casos atacados — com a necessidade de afirmação e busca de reconhecimento na comunidade ufológica.
O mais absurdo nesse nocivo processo é o que vem a seguir: justamente essas pessoas, que se dizem ufólogas e que foram capazes de ouvir as maiores barbaridades de suas “novas testemunhas”, sem fazer qualquer questionamento, passam em seguida a repetir sistematicamente o que lhes foi declarado, como se falassem as mais acabadas verdades, apresentando-se como guardiões da verdade e da seriedade na Ufologia. São vários os casos clássicos da Ufologia Brasileira e Mundial que sofreram ataques recentes — e não se tinha a menor dúvida de que, mais cedo ou mais tarde, o Caso Ilha de Trindade também acabaria por se tornar um novo alvo desta sórdida campanha.
Referência da Ufologia Mundial
Afinal, assim como a Operação Prato, que fora atacada antes, a ocorrência de Trindade já preenchia o principal pré-requisito para ser alvo de céticos: todas as principais testemunhas militares envolvidas diretamente com o caso já estão mortas, inclusive o fotógrafo Almiro Baraúna, falecido em 2000 — sem dúvida a figura de maior destaque da história, considerada ícone da Ufologia Mundial. Sim, pois com a inexistência de testemunhas vivas dos casos a serem atacados, que poderiam revidar às agressões céticas, tudo fica mais fácil. O fato de elas estarem mortas é uma situação que favorece àqueles que precisam da impunidade para terem a coragem de se manifestar livremente — mas, infelizmente, não em busca da verdade.
Nos últimos anos temos presenciado uma irresponsável onda de ataques céticos aos principais episódios que comprovam a presença alienígena na Terra. Muitos deles não têm a menor consistência, mas ainda assim causam estragos à Ufologia Mundial, que precisam ser energicamente reparados.
Almiro Baraúna se tornou o centro da controvérsia após a divulgação de suas famosas fotografias documentando o UFO que fora observado por militares e civis a bordo do navio-escola Almirante Saldanha, da Marinha de Guerra Brasileira, em 16 de janeiro de 1958. A embarcação se preparava para deixar o arquipélago de Trindade, 1.100 km mar adentro no litoral do Espírito Santo, rumo à cidade de Vitória, quando a observação se deu, confirmada por inúmeros presentes, e as fotos foram feitas. O Caso Ilha de Trindade rodou o mundo e tornou-se referência da Ufologia. Porém, com a ampla divulgação pública da seqüência de quatro fotos feitas por Baraúna, pouco mais de um mês da ocorrência, após o carnaval de 1958, veio à tona também seu passado de especialista em trucagens fotográficas — antes do caso, Baraúna havia, inclusive, demonstrado como poderiam ser produzidas fotos de discos.
No entanto, a competência e a capacidade do fotógrafo eram bem conhecidas da Armada — então Marinha de Guerra. Baraúna estava a bordo do Almirante Saldanha como convidado dos militares justamente para usar suas credenciais técnicas durante as pesquisas do Ano Geofísico Internacional, que eles realizavam em Trindade, e estava acompanhado de outros membros do Clube da Caça Submarina de Niterói, do qual era um dos integrantes. Inclusive, coube a ele, durante aquela missão militar e científica, a obtenção de inúmeras fotos submarinas da fauna e flora do arquipélago. Baraúna havia criado uma caixa blindada que permitia esse tipo de trabalho, antes da invenção das câmeras submarinas que já vêm com este recurso. Este fato, aliado à sua inegável capacidade nas mais variadas áreas relacionadas à fotografia, serviram para que a Marinha Brasileira agisse com extrema cautela em todas as fases da investigação do caso, incluindo a determinação da validade das fotos.
As testemunhas militares e civis do notório avistamento, que estavam a bordo do navio-escola, foram cuidadosa e detalhadamente ouvidas no inquérito iniciado poucos dias depois dos fatos, e os negativos originais das fotos do objeto voador não identificado foram analisados e periciados por equipes independentes. A investigação militar que a Armada realizou contemplou não apenas os detalhes relacionados à ocorrência de 16 de janeiro de 1958, mas também outros avistamentos que haviam ocorrido antes deste fato, narrados por membros da guarnição militar estabelecida na Ilha de Trindade, nos dias e semanas que antecederam o caso pri
ncipal. Ou seja, não tinha sido a primeira vez que um UFO fora avistado no arquipélago — esse fato, que era de conhecimento dos militares, ganhou peso na divulgação do Caso Ilha de Trindade.
Confirmação em nota oficial
Como é do conhecimento de quem acompanha mais profundamente a história da Ufologia Brasileira, exatamente três meses depois de o UFO ter sido fotografado por Almiro Baraúna no arquipélago, justamente quando a controvérsia e polêmica sobre o caso já estavam mais do que estabelecidas, a Marinha convocou a imprensa da época e confirmou em nota oficial que um artefato havia sido realmente observado em 16 de janeiro de 1958 pelos passageiros do Almirante Saldanha, sendo inclusive registrado em quatro fotos claras — isso apesar de os militares não darem acesso e nem liberarem o conteúdo do inquérito realizado pelo Estado-Maior da Armada, classificado como confidencial.
A nota oficial afirmava ainda que as análises dos negativos originais, realizadas inicialmente pelo Departamento de Hidrografia e Navegação da Marinha e posteriormente pelo Serviço Aerofotogramétrico da Cruzeiro do Sul — onde foram estudados de maneira mais aprofundada —, não haviam revelado qualquer sinal de fraude. Foram feitos até exames microscópicos dos negativos originais para verificação detalhada do processo de granulação, estudo que elimina a possibilidade de ter havido uma montagem ou trucagem através de dupla exposição — ou demonstra que isso foi feito, se for o caso. Enfim, ficou determinado de forma categórica que o Brasil detinha registros oficiais e inquestionáveis do Fenômeno UFO.
Este artigo, no entanto, não pretende apresentar novamente cada detalhe do Caso Ilha de Trindade. Até porque, além de ser conhecido dos leitores, pelo menos em seus aspectos básicos, o episódio já foi suficientemente detalhado em um de meus livros [UFOs: Arquivo Confidencial, código LIV-019 da coleção Biblioteca UFO. Confira na seção Shopping UFO desta edição e no Portal UFO: ufo.com.br]. Mas certos detalhes devem ser abordados aqui para que se esclareça o que está por trás das supostas “novas informações” sobre o caso, partindo de aludidas “novas testemunhas”, que vieram a público recentemente tentar atacá-lo — algumas das quais chegaram ao absurdo de afirmar que “tudo não passou de uma grande brincadeira”.
O primeiro ataque
Desenvolvi uma visão particular de toda essa história, não apenas devido ao conhecimento que adquiri ao longo de quase 40 anos de pesquisas ufológicas em geral, e 30 do Caso Ilha de Trindade em particular, como também pelo fato de ter acompanhado de perto — e sem interferir — o processo que levou ao surgimento das atuais denúncias de fraude. Entre os elementos que garantem a minha isenção nesta análise estão inúmeros contatos pessoais que tive nas últimas décadas com a principal testemunha do episódio, o fotógrafo Baraúna, entrevistando-o em várias ocasiões [Veja edição UFO 054, agora disponível na íntegra em ufo.com.br].
Em agosto do ano passado, a Ufologia Brasileira tinha vários motivos para comemorar. Logo na segunda semana do mês conquistamos mais uma vitória da campanha UFOs: Liberdade de Informação Já, iniciada em 2004 pela Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU) através da Revista UFO: a liberação de um novo pacote de documentos antes secretos dos arquivos da Aeronáutica. Antes, no dia 10, ocorria uma notícia que surpreendeu muito positivamente os ufólogos brasileiros: a publicação no Diário Oficial da União da Portaria 551/GC3, que havia sido assinada na véspera pelo comandante da Arma, brigadeiro Juniti Saito, regulamentando o manuseio, a partir daquela data, dos registros de observações e detecções de objetos voadores não identificados sobre o Território Nacional. A nova norma determinava o envio de todo o material gerado sobre o assunto para o Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro (Comdabra), com posterior repasse para o Arquivo Nacional [Veja edição 170, agora disponível na íntegra em ufo.com.br].
Como é do conhecimento dos leitores, sou um dos fundadores da CBU e um dos responsáveis pela formulação do referido movimento, que teve como alicerce central o chamado Dossiê UFO Brasil, um documento protocolado na Casa Civil da Presidência da República, na administração do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O material tinha um capítulo voltado justamente para a apresentação às nossas autoridades do Caso Ilha de Trindade, em todos os seus detalhes. Portanto, acompanhei o processo com especial interesse.
No entanto, em que pese a Ufologia Brasileira ter conquistado em agosto feitos impensáveis anos antes, naquele mesmo mês fomos surpreendidos de forma negativa pelo programa dominical Fantástico, da Rede Globo, que parece não ter entendido a importância do que ocorria. Enquanto a imprensa nacional em geral dava destaque a tais conquistas, no dia 15, depois de repetidas chamadas durante a semana, supostamente para uma abordagem equivalente, o dominical da Globo veiculou uma matéria altamente tendenciosa e danosa à Ufologia. Nela, o processo de abertura dos arquivos militares secretos e a própria portaria da Aeronáutica foram utilizadas apenas como introdução para uma seqüência de ataques a alguns dos principais acontecimentos ufológicos do país, especialmente prejudiciais à Operação Prato, ao Caso Varginha e ao Caso Ilha de Trindade — episódios cuja credibilidade o próprio programa, no passado, contribui para ter solidificada. Por quê?
A falta de responsabilidade
Como em outras ocasiões recentes de nossa história, em que matérias jornalísticas — cada vez mais raras — não corresponderam aos mínimos padrões éticos de imparcialidade, seriedade e, sobretudo, de legitimidade quanto à aferição do material apresentado, a Revista UFO se posicionou clara e objetivamente contra o Fantástico, com protestos variados que tiveram como um de seus pontos centrais um artigo de min
ha autoria, no qual fiz considerações e analisei a falta de responsabilidade com que os ataques foram desferidos contra os citados episódios de nossa Ufologia [Veja edição UFO 170, agora disponível na íntegra em ufo.com.br].
Entre as “revelações” do dominical da Globo foi apresentado o depoimento da senhora Emília Bittencourt, supostamente amiga da família do fotógrafo Almiro Baraúna, que simplesmente alegou ter ouvido dele, décadas atrás, a informação de que tudo a respeito do Caso Ilha de Trindade não passou de um truque fotográfico desenvolvido com o emprego de duas colheres, tendo como fundo uma geladeira. Ou seja, o UFO de forma discoidal fotografado por Baraúna seria, na verdade, uma imagem de dois talheres de mesa registrados maliciosamente pelo fotógrafo a curta distância. Mas o Fantástico foi mais ainda longe e “revelou”, na própria narrativa da matéria, que uma sobrinha de Baraúna, apesar de não aceitar participar do quadro, havia confirmado a fraude.
Quem poderia levar a sério tamanho absurdo? Ao se acolher informações tão levianas e irresponsavelmente apresentadas, onde ficariam as testemunhas do avistamento, tanto civis quanto militares reputados que estavam a bordo do navio-escola Almirante Saldanha? O que faríamos com as análises dos negativos originais realizados pela Armada? É justamente por causa de tudo o que se conhece sobre o Caso Ilha de Trindade que não foi surpresa para a Equipe UFO que, depois de ser contatada pelo editor A. J. Gevaerd através de e-mail, Mara, a sobrinha do fotógrafo, tenha desmentido categoricamente ter confirmado ao Fantástico que o episódio era uma fraude. “O único contato que tive com a produção do programa foi para declarar que eu não queria participar dele. Jamais dei a declaração que me foi atribuída”, disse Mara, que está processando a Globo por causa do uso indevido de seu nome.
Nova série de ataques a Trindade
Infelizmente, no entanto, o episódio do Fantástico e o desqualificado e absurdo depoimento da senhora Emília Bittencourt eram apenas o início de uma nova série de ataques que o Caso Ilha de Trindade viria a sofrer. No começo desse ano, o pesquisador Alexandre de Carvalho Borges, consultor da Revista UFO, inaugurou uma nova série de ataques ao episódio. Há muito tempo convencido de que ele era real, nos últimos anos Borges vinha buscando novas informações sobre o caso para substanciá-lo ainda mais, especialmente através de contatos com familiares de Baraúna. Surpreendentemente, no entanto, no final de janeiro ele comunicou ao editor Gevaerd que havia obtido um depoimento que considerava “revelador”, uma “prova definitiva”, indicando justamente o contrário — que o caso seria uma fraude!
Borges acabara de realizar uma entrevista com o senhor Marcelo Ribeiro, de 69 anos, que afirmou ser sobrinho de Almiro Baraúna e também fotógrafo, como o tio. Ribeiro surgiu em cena “revelando” ao ufólogo que teria recebido de Baraúna informações detalhadas de como fora feita a “fraude” de Trindade. A entrevista girou em torno dessas supostas revelações e foi publicada na íntegra no site da Revista UFO, onde ainda se encontra para consulta [Veja endereço em box nestas páginas]. Apesar de não conhecer Borges pessoalmente, ou qualquer trabalho publicado por ele no passado, aguardei com interesse novos detalhes sobre suas alegadas descobertas. Eu sabia apenas, através de trocas de e-mails, que ele vinha realmente procurando informações sobre o episódio.
Mas como mudou sua opinião e por quê? Alexandre de Carvalho Borges demonstrou, ao longo das semanas seguintes à entrevista, que parecia não ter qualquer dúvida sobre o valor do testemunho recebido de Ribeiro, tanto que teve seu artigo veiculado no site da publicação. Mas, paralelamente a isso, foi iniciado um debate entre os membros da Equipe UFO sobre a verdadeira importância das declarações que ele recebera, e que considerava provas tão inquestionáveis da “fraude” de Trindade. Afinal, ao contrário de outras ocasiões, em que ataques foram desferidos contra a credibilidade do caso e das famosas fotografias de Baraúna em sites brasileiros de pouca expressão e visibilidade, descompromissados com a legítima busca da verdade, tínhamos agora um membro da família de Baraúna afirmando que tudo não passou de um embuste.
Polêmica e questionamento veemente
Verdadeiro ou não, o depoimento de Marcelo Ribeiro tinha que ser apresentado à Comunidade Ufológica Brasileira e discutido abertamente, como manda a ética jornalística que pauta as atividades da Revista UFO — mesmo que isso representasse um golpe para um dos principais acontecimentos da Ufologia Mundial. Foi o que o editor Gevaerd decidiu fazer. Mas a entrevista com o sobrinho, apresentada em artigo preparado por Borges, causou polêmica e questionamentos veementes mesmo antes de ir ao ar, levantados principalmente por quem tinha conhecimento mais profundo do Caso Ilha de Trindade, como o co-editor da publicação e atual coordenador da Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU), o geógrafo Fernando A. Ramalho. Além das manifestações de protesto de outros membros da Equipe UFO que têm conhecimento significativo de técnicas fotográficas, como um dos líderes do grupo de análise de imagens da revista,o perito policial Inajar Kurowski.
Neste ponto, é importante que se diga que a missão do ufólogo não é simplesmente ouvir ou registrar um depoimento e, em seguida, repassá-lo a quem possa por ele se interessar. Não, antes disso é necessário avaliar de forma isenta o que se está oferecendo a outras pessoas, em todos os seus aspectos. Em Ufologia nos deparamos sempre com informações que não são passíveis de verificação objetiva, mas que, se forem verdadeiras, podem modificar visões já consagradas sobre a fenomenologia ufológica, independe de trazerem subsídios contra ou a favor de um determinado caso.
Existe uma metodologia própria a ser usada nesses casos, e um bom caminho é examinar a parte do testemunho que pode ser comprovada. Por exemplo, avaliando as referências a aspectos que deveriam ser do conhecimento da testemunha dentro da estrutura da experiência relacionada ao seu próprio depoimento. Da mesma forma, muitas vezes também são necessários conhecimentos técnicos em determinadas áreas para uma avaliação realmente criteriosa de uma informação, sem o que o entrevistador ou investigador pode se tornar presa fácil de um engodo ou da má-fé de uma suposta testemunha.
“Caso encerrado”
Com isso em mente, quando tomei conhecimento de maneira mais detalhada das afirmações de Marcelo Ribeiro ao consultor Alexandre de Carvalho Borges, relendo várias vezes o artigo por este preparado — para não ser injusto tanto com ele como com seu depoente —, a primeira sensação que tive foi de incredulidade. Afinal, Borges havia garantido que o “caso estava encerrado” no que dizia respeito à sua credibilidade. Mas como ele havia conseguido chegar a tal conclusão passou a ser um mistério para este autor. Simplesmente, da primeira à última declaração de Ribeiro, a entrevista é um conjunto de afirmações vazias de significado, repleta de contradições e abundante em demonstrações de desconhecimento de detalhes básicos do Caso Ilha de Trindade — continham até mesmo considerações técnicas sobre o processo fotográfico que poderiam vir de qualquer pessoa, menos de um fotógrafo profissional, como o depoente de Borges alegava ser.
Já na primeira resposta do sobrinho Ribeiro ao ufólogo, quando foi questionado sobre a veracidade das fotos, ele mostrou claramente toda a sua pretensão contra o caso — e o argumento que, na verdade, parece ser a razão da sua convicção de que Trindade é uma fraude. Isso ocorre quando ele declara para Borges: “Aquilo não é verdade. Até porque, disco voador não existe, não é? Se existisse, você acha que só ele [Baraúna] ia conseguir fotografar isso de verdade”. E continuou Ribeiro afirmando que Baraúna lhe contara a história toda e que “até ganhou muito dinheiro com isso na época”.
Em seu depoimento para Borges, Ribeiro revelou que a história contada pela citada Emília Bittencourt, na entrevista para o Fantástico, é falsa. Chamou de “mentirosa” a versão das duas colheres e disse que seria impossível produzir as imagens do UFO de Trindade da maneira afirmada por ela, supostamente amiga da família. O curioso é que Ribeiro ressalta que Almiro Baraúna “brincava” sobre o assunto com familiares e amigos contando diferentes versões a eles, assumindo a possibilidade de seu tio ter igualmente brincado com Emília, tendo dito a ela o que ela reproduziu ao dominical da Globo. No entanto, claro, Ribeiro afirma que a versão supostamente revelada a ele é que é a verdadeira, nenhuma outra. Mas qual é a sua versão, afinal? E no que ela é melhor do que a de Emília, que ele afirmou ser falsa? Surpreendente, segundo Marcelo Ribeiro “revelou” a Alexandre de Carvalho Borges, Baraúna teria feito a “fraude” de Trindade reproduzindo um efeito fotográfico que já havia utilizado antes: um modelo feito com duas fichas unidas da extinta Frota Carioca, como apresentou em reportagem publicada na revista Mundo Ilustrado, de 1954.
Militares de alta patente
Na referida publicação, quatro anos antes das fotos do UFO no arquipélago de Trindade, Baraúna ensinava como fazer fotos que levassem as pessoas a crer serem de discos voadores — fato conhecido de todos e devidamente explicado. Ribeiro quer nos fazer crer que seu tio, o conceituado fotógrafo Almiro Baraúna, diante de militares de alta patente da Marinha Brasileira, iria fraudar fotos com uma técnica que ele mesmo expôs anos antes. Acredite o leitor se puder, mas vejamos seu relato a respeito.
“Na realidade, as pessoas viram alguma coisa lá. Tinha alguma coisa, uma formação de nuvem, outra coisa. Ele [Baraúna] estava fazendo fotos submarinas para a Marinha e, quando estava saindo de dentro d’água, não tinha mais filme na máquina. Já tinha usado tudo lá embaixo. Quando as pessoas viram aquele negócio, ele achou que não era nada, mas, como repórter, a gente primeiro aperta [O botão da câmera] e depois vê. Ele não tinha filme, mas fez como se tivesse feito umas dez fotos ali, rodando e apertando. E correu para a cabine para pegar mais filme. Quando voltou, a coisa já não estava mais lá, a formação já tinha desaparecido”.
Para começar, não possui o menor fundamento a informação de que Almiro Baraúna havia acabado de sair da água, depois de mais um mergulho, e que supostamente havia batido fotos submarinas até a última pose disponível em sua câmera. Como se sabe, no momento do surgimento do UFO, a embarcação já estava nos preparativos finais para deixar o arquipélago de Trindade. Baraúna havia chegado da ilha momentos antes, não de um mergulho, e tinha ido se deitar devido ao enjôo que o acometeu — foi justamente neste momento que foi alertado pelos militares quanto à presença do artefato na área e correu para registrá-lo.
“Ganhou muito dinheiro com isto”
Na seqüência da entrevista concedida ao consultor Borges, quando questionado se Baraúna não havia realmente fotografado nada, Ribeiro afirma: “Lá não fotografou nada além do céu. Depois, fez no laboratório uma montagem. Ele já tinha feito outras coisas, como tesouro para a Mundo Ilustrado, e não era tesouro coisa alguma, era pura mentira. Ele gostava de brincar com isso, não fazia de má-fé. Gostava de as pessoas acreditarem em qualquer coisa”. Ribeiro disse que ele então usou fichas da Frota Carioca para perpetrar o “truque”, e que chegou a vê-lo fazer isso uma vez em sua casa. “Ele pendurava a fichinha da Frota Carioca na janela, contra o céu da noite. Fazia essas coisas, que eu cansei de ver. Então fez e, como o pessoal começou a ‘entrar numa’, ele deixou rolar”.
O entrevistado não economizou em seus ataques ao próprio tio. “Teve gente que viu ele [Baraúna] lá dentro [Do navio], apertando e rolando. O povo viu e então ‘comprovaram’ que realmente ele fez. Quem vai dizer que não?” Marcelo Ribeiro declarou ainda que, quando Baraúna chegou à sua casa, começaram a surgir as notícias de que havia aparecido um disco voador no Almirante Saldanha. Assim afirmou sobre o que o tio teria lhe dito: “Pô, vou ganhar uma grana com isso: todo mundo está vendo um disco voador, eu vou fazer um disco voador (…) Foi uma dupla exposição. Ele fez a foto do disco contra o céu, à noite, na casa dele em Niterói. Depois imprimiu junto com o céu lá da ilha. Fez uma foto da ficha, que é o disco, e juntou com a foto da ilha. Ele juntou os dois e ganhou muito dinheiro com isto”.
O que o sobrinho de Almiro Baraúna quer nos fazer acreditar é que s
eu tio, depois de pública e exaustivamente explicar, anos antes, como ele mesmo poderia produzir imagens de discos voadores semelhantes às que vinham sendo divulgadas pela imprensa, forjara as fotos obtidas em 16 de janeiro de 1958, quando estava a bordo de uma embarcação da então Marinha de Guerra do país e fora chamado para registrar o objeto que já estava sendo observado por várias testemunhas. Ribeiro ainda diz que o artefato no céu seria apenas uma formação de nuvens ou um balão meteorológico, como menciona mais a frente em seu depoimento, que Baraúna havia simulado ter feito fotos com a câmera sem filme na frente de militares e que, ao retornar para casa, utilizara fotos da ilha, tomadas por ele em outros momentos, para fazer uma imagem em que o disco voador seria apenas a montagem de duas fichas acopladas, suspensas por um fio.
Para Marcelo Ribeiro, Baraúna teria desconsiderado até mesmo o fato de ter sido avisado pelos militares, ainda no navio, de que o filme que ele havia revelado a bordo, logo após a obtenção das fotos, seria retido nos dias seguintes para ser submetido a uma perícia.
E ainda, ao ser questionado por seu entrevistador sobre as referências feitas à presença do UFO em algumas das chapas dos negativos originais, verificada logo após sua revelação por várias pessoas que estavam a bordo — entre elas o então capitão de corveta Carlos Alberto Ferreira Bacellar, que deixava o posto de comandante militar da ilha —, mesmo sendo este um fato conhecido e amplamente divulgado no passado, Ribeiro sentenciou: “Não tinha nada ali. Nem todo mundo sabe ver um negativo. Todo mundo olha o negativo, e daí? Você sabe ver um negativo, não sendo você um fotógrafo laboratorista? Tem até fotógrafo que não sabe ver. Só um laboratorista sabe ver um negativo com olhar técnico. Quando alguém disser ‘está aqui, está vendo?’, outro vai dizer ‘ah, estou vendo’. Todo mundo vai dizer que está vendo”.
Com declarações desse nível, nesse ponto da entrevista associadas a já progressiva passividade do entrevistador frente às respostas fornecidas por Ribeiro, o absurdo se instalou. Na versão do sobrinho, as análises iniciais efetuadas pelo Departamento de Hidrografia e Navegação da Marinha, e posteriormente pelo Serviço Aerofotogramétrico da Cruzeiro do Sul — de maneira ainda mais aprofundada —, recebem uma curiosa explicação. Sobre o exame da granulação do filme, de sua textura e até dos aspectos relacionados à luz presente no meio ambiente e que incidia no próprio disco, que não havia revelado qualquer sinal de fraude, Ribeiro insinua que não servem para nada.
Processo físico-químico
Ele chegou a reconhecer de maneira contraditória a elevada capacidade dos técnicos e a qualidade dos equipamentos utilizados no exame das fotos, dando a entender até que foram empregados os melhores recursos da época. Mas acabou caindo no lugar comum ao afirmar: “Eu não diria que ‘comeram mosca’, mas é porque você não detecta [A fraude]. Não é que eles [Os técnicos] não a detectaram por incapacidade. Porque também tem isso: você vê o que você quer ver”. Ribeiro afirmou ainda que, da mesma maneira que o pessoal a bordo do navio achou ter visto um disco voador, os técnicos que analisaram os negativos também acreditaram que Baraúna tinha fotografado um. “Então, quando estavam examinando esse negativo, a cabeça deles funcionou desse jeito. Não é que eles tivessem incapacidade ou má-fé. É que, pela estrutura do grão [Do negativo], não iam detectar, pois esta era real”.
É visível a constante contradição nas declarações do entrevistado. Afinal, o que Marcelo Ribeiro quis dizer, já que ele mesmo se desmente a cada momento. Sua tentativa de explicar tecnicamente a não detecção da fraude nos negativos não se sustenta pela análise do próprio processo fotográfico. Ribeiro declara que, “pela estrutura do grão, não iam detectar, pois esta era real”. Para começar, não existe estrutura de grão real ou irreal em película fotográfica, como não existe grão verdadeiro ou falso. Os grãos em negativos tradicionais — antes da era das câmeras digitais — ocorrem como resultado de um processo físico-químico em que a luz interage com a emulsão fotográfica. No caso dos filmes em preto e branco, como foi o usado por Baraúna em Trindade, eles surgem mediante a sensibilização produzida pela luz nos sais de prata da emulsão fotográfica, haletos ou halogenetos de prata.
O grão em uma película fotográfica é a célula básica para a formação da imagem nas fotografias do passado, com bases fotoquímicas, exatamente como o pixel é hoje para a moderna fotografia digital. Falando de maneira menos técnica, o que as análises nos negativos originais teriam que detectar, em caso de uma fraude como a aventada pelo sobrinho de Baraúna — já que ele afirma que a técnica usada foi o conhecido e nada misterioso truque da dupla exposição —, seria a presença de dois processos distintos de granulação. Um deles seria causado pela formação da imagem do disco voador, supostamente as duas fichas unidas, e o outro quando as paisagens de fundo das fotos foram feitas no arquipélago de Trindade. Como o próprio Ribeiro assume, isso não aconteceu e nada foi detectado. Ele parece que foi pego de surpresa para dar a entrevista a Borges, não se preparando como devia. Vejamos mais à frente que isso de fato aconteceu.
Mais do que um grande fotógrafo
Apesar de ter optado por denegrir o Caso Ilha de Trindade e a imagem de seu próprio tio, demonstrando claramente sua visão radical contra o Fenômeno UFO, Marcelo Ribeiro acabou se perdendo em uma retórica cheia de contradições. Segundo ele, os técnicos da Cruzeiro do Sul não detectaram a fraude porque, “da mesma maneira que o pessoal lá do navio estava acreditando que tinha visto disco voador, eles [Os técnicos] acreditavam que Baraúna tinha fotografado um”. Em seguida, o sobrinho passa a justificar, por meios que imagina técnicos, o fato de não ter havido detecção do embuste. Na verdade, isso tudo foi um preâmbulo para ele fazer um novo ataque à honra de seu tio — como ele insistia, Baraúna não somente produziu as fotos do UFO em Trindade com um truque de dupla exposição fotográfica, como também não repassou à Marinha os negativos originais utilizad
os na montagem. Ou seja, ele teria produzido uma cópia para escapar da possibilidade de detecção dos sinais da dupla exposição, e assim, cometido uma nova fraude.
Tecnicamente, uma cópia poderia encobrir dois processos distintos de sensibilização da emulsão fotográfica, já que se trataria de uma produção posterior do conjunto já montado em duas fases. O que Ribeiro evidentemente não disse é que esta cópia revelaria outro tipo de “assinatura”, ou seja, a de não estarmos diante de um material original, um negativo de primeira geração — isso seria detectado facilmente nas análises. Esgotado o seu “repertório técnico”, diante de um entrevistador que infelizmente parece nada conhecer de fotografia, o sobrinho faz uma colocação ainda mais absurda. Ele então afirmou que Baraúna seria mais do que um grande fotógrafo e laboratorista especialista em trucagens: ele poderia produzir fraudes que mesmo hoje não seriam detectáveis. Até porque, em suas palavras, as técnicas de análise continuam as mesmas. É lamentável, mas vejamos:
“A tecnologia melhorou algumas coisas, mas a análise é a mesma que você vai fazer. Não significa que você hoje tenha alguns equipamentos mais modernos. Eu não chamo aquilo de fraude, não. Eu chamo aquilo de uma grande brincadeira, porque aquilo ali não existiu. Eu acho que fraude é você falsificar uma coisa que realmente existe. Disco voador não existe. Nós estamos isolados aqui. Não existe essa possibilidade de vir de outro planeta, são bilhões e bilhões de anos-luz”.
O entrevistado de Alexandre de Carvalho Borges, com esta última declaração, parece que conseguiu o que buscava: pelo menos uma vez na vida ser maior do que Almiro Baraúna, seu tio. Afinal, pelo que se observa na declaração acima, só existiriam planetas a bilhões de anos-luz da Terra. Em mais um momento em que revela sua falta de compromisso com a realidade dos fatos, Marcelo Ribeiro conseguiu fazer desaparecer nada menos do que todas as estrelas e planetas de nossa galáxia, a Via Láctea, que possui cerca de 100 mil anos-luz de diâmetro e no mínimo 100 bilhões de estrelas e seus possíveis planetas. Sim, é claro que existem incontáveis estrelas e planetas a bilhões de anos-luz da Terra, mas não pertencem à nossa galáxia, e sim a outras, muito mais distantes. Mas os UFOs não precisam necessariamente vir de tão longe, ou seja, não precisamos pensar em outras galáxias para explicar sua existência, já que a nossa é repleta de possibilidades de vida.
“Benevolência” com amigos de Baraúna
Em outro momento da entrevista — que poderia de maneira ingênua ser tomado como um inesperado sinal de cuidado, para não comprometer ou relacionar outras pessoas com sua triste e descabida denúncia —, Ribeiro chega a inocentar de qualquer participação na fraude os próprios companheiros de Baraúna, membros do Clube de Caça Submarina de Niterói que também estiveram a bordo do Almirante Saldanha. Mas quando Borges lhe revela que havia entrevistado o senhor Amilar Vieira Filho, um desses companheiros de Baraúna, e que foi testemunha direta da aparição do UFO em Trindade, o fotógrafo usou mais uma vez o mesmo argumento: “O povo vê o que quer”. Com respostas desse tipo, por incrível que possa parecer, ele foi progressivamente convencendo seu entrevistador de que o Caso Ilha de Trindade realmente “não passou de uma grande brincadeira”, o que é facilmente percebido por qualquer um que escute a gravação da entrevista [Veja como em box nestas páginas].
O grão em uma película fotográfica é a célula básica para a formação da imagem nas fotografias do passado, com bases químicas, exatamente como o pixel é atualmente para a moderna foto da era digital
Depois de décadas de dedicação à pesquisa e divulgação do Fenômeno UFO, sei que não estamos livres de cometer erros de avaliação em nosso trabalho — não somos infalíveis, é claro, mas ingenuidade tem limite. Pelo nível de contradição e principalmente de desinformação geral que Marcelo Ribeiro demonstra sobre o Caso Ilha de Trindade, provavelmente ele não sabia se todos os membros do Clube de Caça Submarina de Niterói estavam realmente mortos, e por isso foi cauteloso — envolver alguém do grupo em sua história poderia ser perigoso, caso a pessoa resolvesse desmenti-lo.
Mas existe outro aspecto a ser considerado. Segundo suas declarações, só duas pessoas, além dele, sabiam do “segredo de Baraúna”, como se referiu à história. Uma era dona Adoléia, sua tia e primeira esposa de seu tio. Outra era dona Soraia, a segunda esposa do fotógrafo. Providencialmente, é claro, as duas estão mortas e não podem desmentir o que disse. Ou seja, a “glória” de revelar a suposta fraude é apenas dele — Ribeiro seria o único a ter a prerrogativa de destruir de maneira definitiva a imagem de seu tio, fazendo o que ninguém antes conseguiu, nem mesmo a amiga da família Emília Bittencourt, em entrevista ao Fantástico. Mas o que o motiva a isso? Veremos mais adiante.
Alexandre de Carvalho Borges chegou a perguntar ao seu entrevistado se Mara Baraúna, igualmente sobrinha do fotógrafo — que após sua morte acabou se tornando a guardiã de todo o acervo do tio —, também não saberia do tal “segredo de Baraúna”. Ribeiro afirmou que não e insistiu que ele seria a única pessoa portadora da informação. E isso nos leva a uma reflexão: se sua história estivesse realmente próxima da verdade, como ele poderia ter essa certeza? Como poderia garantir que a sobrinha — justamente a depositária do acervo do fotógrafo — não teria ouvido a tal suposta verdade? Enfim, em que ele se baseia para ter tamanha convicção e por que insiste tanto em que não existe ninguém vivo que possa ter ouvido a confissão da alegada fraude? Que o leitor tire suas próprias conclusões…
Mais absurdos se sucedem
Quando se pensa que já se leu todos os absurdos na entrevista de Ribeiro a Borges, eis que nos deparamos com muitos outros. Em seu artigo no site da Revista UFO, o ufólogo comenta “novidades” sobre o Caso Ilha de Trindade que supostamente apoiariam a tese da fraude — entre elas está a diferença no padrão das nuvens presentes na primeira e na última foto da seqüência obtida por Baraúna, que indicaria terem sido feitas em momentos diferentes. De início, Ribe
iro declarou que poderia ser detectado um sinal de fraude pela simples comparação das imagens, mas em seguida deve ter se lembrado que acabara de afirmar que os truques de seu tio estavam acima de qualquer possibilidade de detecção, e então voltou atrás e declarou: “Essa análise aí é diferente, é outra. Estão comparando posição de nuvem, mas também não vai provar coisa nenhuma, não”. Ele não parece disposto a dividir seu momento de glória com ninguém.
“Alguém ia desdizer o comandante?”
Chegou até a afirmar, em seguida, que a Marinha foi envolvida na história por causa do comandante do navio-escola Almirante Saldanha, que, segundo ele, teria afirmado ser testemunha direta do avistamento: “O comandante do navio disse que viu. Você acha que alguém ia desdizê-lo?” Além de mostrar mais uma vez sua aversão quanto à possibilidade de o Fenômeno UFO ser algo real, Ribeiro acrescentou mais um dado reconhecidamente falso ao seu depoimento: em nenhum momento o capitão-de-mar-e-guerra Saldanha da Gama, comandante, reconheceu ter observado o UFO, pelo menos publicamente. Infelizmente, no entanto, mesmo sabendo que essa afirmação é falsa, o entrevistador manteve seu silêncio, sem fazer questionamento.
Enfim, ao longo de seu depoimento, Marcelo Ribeiro cansou de fazer afirmações desprovidas de qualquer sustentação, misturando fatos sem sofrer questionamentos. Outro exemplo é a afirmação de que Baraúna teria ganhado dinheiro vendendo suas fotos para o Correio da Manhã. Nesse caso, logo em seguida, Borges questionou o sobrinho, como se suplicasse por uma informação mais próxima da verdade — pelo menos nesse aspecto. Ele perguntou se quem pagou pelas fotos foi a revista O Cruzeiro, ouvindo como resposta que não. “Primeiro, ele vendeu para o Correio da Manhã. Depois, O Cruzeiro se interessou em fazer uma reportagem, aí ele vendeu para eles. Depois para umas revistas européias e americanas”.
Ora, qualquer pessoa razoavelmente bem informada sobre os detalhes do Caso Ilha de Trindade sabe, entretanto, que isso não foi verdade. Pelo contrário. Logo após o Carnaval de 1958, várias emissoras de rádio revelaram que o Correio da Manhã traria um furo internacional, “a história de um disco voador fotografado pela Marinha em Trindade” — pelo menos era esta a versão que precedeu a publicação das fotos de Baraúna. O Correio foi o primeiro diário do país a ter acesso às fotos, mas não através do fotógrafo — e muito menos pagou por este privilégio. Baraúna foi surpreendido pelas chamadas que estavam sendo veiculadas pelas rádios, e descobriu-se que o jornal teve acesso às fotos diretamente do gabinete do presidente da República na época, Juscelino Kubitschek, que as teria recebido do então ministro da Marinha, o almirante-de-esquadra Antônio Alves Câmara Júnior [Veja box nestas páginas].
Versão inteiramente desmentida
Como se vê, Marcelo Ribeiro apresenta seu tio também como estelionatário, pois, afinal, em vários pontos da entrevista a Alexandre de Carvalho Borges, ele afirma que Baraúna fez tudo por dinheiro. Teria até simulado fotografar alguma coisa no céu, mesmo sem filme na câmera, já pensando na possibilidade de criar a fraude e na posterior venda do material. No entanto, como também se vê, as atitudes do sobrinho desmentem completamente sua versão. Ao contrário do que alega, Baraúna distribuiu gratuitamente cópias de suas fotos para serem publicadas pelos principais jornais do Rio de Janeiro, durante uma entrevista coletiva em fevereiro de 1958 — e fez isso com o objetivo de tirar a exclusividade do Correio da Manhã, que havia obtido cópias das fotos através de JK, que aparentemente desconhecia o verdadeiro responsável por elas.
E mais: para a surpresa de Baraúna, conforme confirmou pessoalmente em entrevista, posteriormente ele recebeu uma oferta de 60 mil cruzeiros pelos negativos originais, que evidentemente foi aceita. A proposta foi feita em nome da Meridional, a primeira agência de notícias do país, fundada pelo jornalista Assis Chateaubriand, dos Diários Associados. Ele, melhor do que ninguém, sabia o valor daquelas imagens — e mesmo assim, como confidenciou, não esperava receber tanto. Foi esta agência quem comprou os negativos e passou à sucessora dos direitos de Baraúna da documentação fotográfica do UFO na Ilha de Trindade, através de um documento lavrado em cartório. Assim, a Meridional passou a vender e a distribuir as fotos, principalmente no exterior.
Esta é uma história muito diferente da contada pelo sobrinho Marcelo Ribeiro. Desde que vendeu os negativos originais, o fotógrafo manteve apenas negativos de segunda geração — feitos dos negativos originais. Assim somadas, o leitor pode perceber nesse ponto o quão absurdas são suas declarações. Se fossem minimamente verdadeiras, Baraúna teria sido um dos maiores falsários da história do país e teria enganado também um dos maiores grupos de comunicação que existiam na época. Enfim, a versão contada por Marcelo Ribeiro é que é “uma grande brincadeira”, uma ofensa à inteligência dos leitores, que tomaram conhecimento dessa absurda e desqualificada denúncia por meio do site da Revista UFO.
Estelionato e vantagens financeiras
De maneira totalmente absurda, e mais uma vez ridicularizando a inteligência alheia, Ribeiro tenta fundamentar a idéia de que era parte da vida do principal personagem do Caso Ilha de Trindade, como se fosse uma coisa corriqueira, a prática de estelionato e a obtenção de vantagens financeiras através de truques fotográficos. E como outros personagens do passado, o entrevistado de Borges cita o caso do famoso truque do “tesouro enterrado da Ilha dos Franceses”, uma reportagem trucada vendida por Baraúna e publicada pelo jornal Tribuna da Imprensa, da qual fazia parte a fotografia de um antigo cofre enferrujado com uma caveira em cima, feita por ele em uma gruta na região do Saco de São Francisco, em Niterói.
Esse episódio, explicado pessoalmente pelo fotógrafo em entrevista, além de ter sido a única coisa do gênero que ele produziu — uma trucagem vendida como se fosse verdadeira —, foi desenvolvido devido a um desafio que Baraúna recebeu de alguns amigos jornalistas, entre eles Ubiratan Fernandes, de O Cruzeiro. O desafio consistia em produzir uma matéria que enganasse Calazans Fernandes, do Tribuna da Imprensa, então considera
do um dos mais sagazes profissionais de imprensa da época, “um sujeito muito vivo”, segundo Baraúna. Com a posterior revelação de que tudo não passou de uma fraude, após a ocorrência dos fatos em Trindade e a publicação das fotos que ele fez, o jornal tentou desmoralizar sua história utilizando justamente a trucagem do tal tesouro, da qual o jornal havia sido vítima.
Mas, com todo o respeito que o autor das fotos do Caso Ilha de Trindade sempre fez por merecer deste autor, a história do tesouro da Ilha dos Franceses está longe de ser uma evidência de suas capacidades ou de suas habilidades técnicas na área da fotografia — e muito menos de suas qualificações para vender algo falso como verdadeiro, como sugerem seus detratores. Alguém já se perguntou por que o referido jornal não processou Baraúna, já que houve uma admissão pública da real natureza dos materiais utilizados na reportagem que foi vendida pelo fotógrafo? E quem, na verdade, vendeu a reportagem? Foi mesmo Baraúna? Algum juiz acreditaria que o Tribuna da Imprensa realmente foi enganado pelo fotógrafo? E mais: em pleno século XX, quem compraria uma matéria sobre um tesouro que tinha como destaque a foto
de um cofre com uma caveira?
Estas são indagações pertinentes, se quisermos ir a fundo na busca de respostas para o Caso Ilha de Trindade. Eu fiz uma pesquisa bem “objetiva” sobre isso, dias atrás: perguntei ao meu filho se ele compraria algo parecido, descrevendo-lhe a foto. Destaquei, inclusive, o detalhe do cofre enferrujado e da caveira que estava em cima. Ele pensou um pouco, mas depois realmente respondeu que sim, que compraria. Afinal, ele acabou de completar cinco anos de idade! Essa história e a importância que lhe é atribuída revelam bem o nível daqueles que estão por trás dos ataques ao caso. E há ainda outro aspecto que evidentemente não é ressaltado pelos céticos e interessados em denegrir a imagem de Almiro Baraúna: as fotos de discos voadores trucadas por ele antes do caso foram montadas justamente como uma alerta aos incautos, tendo em mente possíveis fraudes — e não para enganar as pessoas ou para que ele revelasse suas habilidades.
Como o leitor pode concluir, toda esta história já foi longe demais — as tentativas desqualificadas de destruir o Caso Ilha de Trindade passaram dos limites. Mas por que elas persistem e como algo como a entrevista de Marcelo Ribeiro surgiu? E até que ponto as declarações do depoente foram investigadas? Faço estes questionamentos porque tal material pode vir a comprometer a credibilidade do caso de maneira irreversível, devido ao fato de que, uma vez na internet, perde-se o controle de qualquer informação — mesmo que seja completamente falsa. Ou seja, as repercussões dessa entrevista são incalculáveis, se ela não for agora veementemente repelida. Talvez neste ponto da matéria seja importante dizer que a referida entrevista não passou de uma simples conversa telefônica, sem que entrevistador e entrevistado se encontrassem pessoalmente.
Ora, não se pode pretender colher um depoimento de tal importância, como seria o de um sobrinho de Almiro Baraúna, por meio de uma ligação telefônica — isso é simplesmente abolir o mais elementar conceito de investigação ufológica. E nessa situação bizarra, Ribeiro ainda fez curiosas afirmações, como a de que a posse do acervo de seu tio seria sua por direito. É importante ressaltar que os materiais relacionados ao Caso Ilha de Trindade são, na verdade, apenas um detalhe desse manancial acumulado durante a vida do fotógrafo.
Situação no mínimo surreal
Some-se a tudo isso alguns fatos que igualmente devem ser levados em consideração, entre eles o de que Baraúna não deixou nada em vida para Marcelo Ribeiro, e deve ter tido seus motivos para isso. O acervo do fotógrafo também não acabou em suas mãos mesmo após a morte da segunda mulher de Baraúna, dona Soraia, o que também parece ser bem sugestivo e merece maior reflexão. Afinal, ele não era o sobrinho querido e, além disso, igualmente fotógrafo e herdeiro do legado do tio? Pelo menos essa é a idéia que Ribeiro tenta passar, mas que não é confirmada na prática. O fato é que todo o acervo foi entregue à Mara Baraúna. Seja como for, a real importância desses fatos e seus possíveis desdobramentos na mente do entrevistado não podem ser vislumbrados plenamente na entrevista.
Para encerrar, resta lamentar que um dos casos ufológicos mais significativos e bem investigados da Ufologia Mundial, alvo até de um inquérito militar da Marinha Brasileira, esteja sofrendo tentativas de desmoralização do nível da apresentada por Marcelo Ribeiro, uma situação no mínimo surreal. Procurei algum subsídio, mesmo que mínimo, que justificasse todo o alarde em torno de seu depoimento, mas não encontrei. Mas se a entrevista ainda pudesse oferecer algum sinal ou mesmo a ilusão de que estivemos realmente diante de uma peça investigativa legítima, a gravação original e bruta, oferecida pelo entrevistador, revela justamente o contrário. E em que pese o fato de Ribeiro ter feito a Almiro Baraúna as mais pesadas acusações que já se viu até hoje, o que se ouve na gravação mais parece uma confraternização entre entrevistador e entrevistado do que uma investigação legítima.
O presente episódio, apesar de gravíssimo, é apenas mais uma das tentativas de desmoralizar o Caso Ilha de Trindade. Os questionamentos do passado, principalmente produzidos no exterior, e que agora estão sendo reproduzidos e repetidos também em nosso país — mesmo quando supostamente inspirados em questões técnicas relacionadas às fotografias de Baraúna —, revelam claramente a ambigüidade e a pouca seriedade dos responsáveis por tais ataques. Antes deles, o UFO fotografado em Trindade já havia sido “comprovadamente” definido até como um simples avião — ou seja, não haveria fraude, mas uma interpretação equivocada do que foi avistado e fotografado. A base para esta afirma