No meio da semana, começou a circular no meio astronáutico o rumor de que a China havia destruído, com o lançamento de um míssil, um de seus satélites meteorológicos. Na sexta-feira (19), a Casa Branca confirmou o episódio. A China de fato destruiu, provavelmente com um foguete de médio porte, um de seus próprios satélites.
Ninguém deu muita bola, mas o episódio é causa para bastante preocupação. Esse pode ter sido o início de um processo que levará ao fim abrupto das incursões ao espaço exterior. Isso mesmo, o fim da exploração espacial. The end.
Nossa, mas se é tudo isso, por que não está nas manchetes de todos os jornais? O problema é que a maioria dos jornalistas anda vendo muito “Guerra nas Estrelas” para se incomodar. Nos filmes de George Lucas (e, para não ser injusto com ele, na imensa maioria das obras de ficção científica que retratam batalhas espaciais), a destruição de uma espaçonave resulta em sua pulverização completa – o espaço onde ela estava logo está livre e desimpedido.
Bem, a realidade não é tão generosa assim. Ao destruir seu satélite meteorológico FY-1C, a China não deixou a Terra com um satélite artificial a menos. Na verdade, deixou o planeta com centenas, possivelmente milhares, de satélites artificiais a mais. Isso porque os pedaços de um artefato atingido por um míssil no espaço não são vaporizados, como em “Guerra nas Estrelas”; eles apenas se quebram e se espalham, virando detritos espaciais que seguem órbitas erráticas ao redor da Terra – pequenos satélites.
No caso da explosão chinesa, que provavelmente aconteceu no dia 11 da janeiro, estações de rastreamento já detectaram pelo menos 40 pedaços diferentes – mas deve haver muito mais. E detritos muito pequenos não podem ser acompanhados adequadamente, o que significa que eles podem colidir com outros satélites e causar danos irreparáveis (talvez até fatais, caso atinjam uma espaçonave tripulada).
Pense que tudo que fica numa órbita terrestre baixa está girando ao redor do planeta a uma velocidade estonteante de cerca de 28 mil quilômetros por hora (cerca de 25 vezes a velocidade do som no ar). Agora imagine uma lasca qualquer de satélite atingindo uma parede nessa velocidade. É uma pancada bem agressiva, e não há material que resista adequadamente a ela.
O espaço ao redor da Terra já é cheio de detritos espaciais – satélites velhos, pedaços desprendidos de foguetes, estágios queimados de lançadores -, após tantos lançamentos (com graus variados de sucesso) realizados nos últimos 50 anos. Mas se a moda pegar e todo mundo começar a destruir satélites em órbita, a situação pode ficar muito pior do que está.
O resultado seria a criação de um denso invólucro de lixo espacial em torno do planeta, que por sua vez inviabilizaria a colocação de satélites nessas órbitas, assim como lançamentos que fossem além delas, mas tivessem de atravessar a camada altamente poluída.
Houve um tempo em que esse problema estava parcialmente contido por um acordo internacional de 1972, o Tratado Antimísseis Balísticos. Assinado pelos Estados Unidos e pela União Soviética, ele tinha por objetivo impedir que qualquer uma das duas potências desenvolvesse meios de alvejar um míssil nuclear em seu caminho – uma tentativa de manter algum equilíbrio de forças e, com isso, evitar uma hecatombe nuclear. Como efeito colateral, o tratado impedia o desenvolvimento de armas contra satélites.
O fim da União Soviética, nos anos 1990, enfraqueceu a importância do acordo, mas foi mantido até 2002, quando, adivinhe só, George W. Bush decidiu que os Estados Unidos deviam abandonar a estratégia. Foi apenas um dos muitos passos dos americanos rumo a uma corrida armamentista espacial. Entre outros, podemos citar a ressurreição do projeto Guerra nas Estrelas, criado pelo presidente Ronald Reagan nos anos 1980, mas nunca colocado em prática, e a decisão política de negar o acesso ao espaço para nações potencialmente inimigas – declaração feita pela Casa Branca em 2006.
A ação chinesa, além de propiciar uma nova escalada no armamentismo espacial, fornece todos os argumentos para que Bush e seus asseclas prossigam com essa política agressiva ligada ao espaço. Em suma: é de uma estupidez ímpar.
De imediato, o caso deve causar um afastamento entre chineses e americanos na área de cooperação civil no espaço, como colocou Gordon Johndroe, porta-voz do Conselho Nacional de Segurança dos EUA. “Os Estados Unidos acreditam que o desenvolvimento e o teste dessas armas é inconsistente com o espírito de cooperação a que ambos os países aspiram na área espacial civil”, disse, em nota. “Nós e outros países expressamos nossa preocupação com relação a essa ação dos chineses”.
É o cinismo imperial americano – enquanto eles se dispunham a brincar, tudo bem. Agora que os chineses entraram no jogo, aí já vira coisa feia. E o cinismo linha-dura chinês também está presente. Até anteontem, a China protestava contra a saída dos americanos do Tratado Antimísseis Balísticos e pedia que os EUA repensassem sua estratégia para o armamentismo espacial.
Ainda é cedo para concluir até onde vai essa confusão, e se outras nações irão “às vias de fato” destruindo satélites velhos só para mostrar sua força. O fato é que, enquanto o quadro evolui, o homem segue fazendo o que até hoje mostrou mais competência para fazer: poluir. E a punição desta vez pode ser prisão perpétua, no terceiro planeta ao redor do Sol.