Pela primeira vez, cientistas americanos conseguiram detectar a “assinatura”, em infravermelho, de um planeta localizado fora do Sistema Solar. E o que eles descobriram foi… algo esquisito. O achado mostra que ainda temos muito que aprender sobre os variados tipos de planeta que existem lá fora. Mas já estamos começando, o que é ótima notícia. O mundo distante recém-observado é conhecido entre os astrônomos simplesmente como HD 209458b (isso significa basicamente que ele é o primeiro objeto companheiro descoberto ao redor da estrela HD 209458). Trata-se de um planeta gigante, como Júpiter, mas com uma órbita muito apertada ao redor de sua estrela central, que o deixa sempre muito próximo dela. Daí ele ser conhecido como um “jupiteriano quente” (“Hot Jupiter”), uma classe de planetas sem igual no Sistema Solar.
Desde 1995, quando o primeiro planeta extra-solar foi descoberto, os Hot Jupiters têm sido maioria entre os mais de 200 mundos descobertos. Daí que vários cientistas já ousaram modelar em computador como seria a atmosfera deles – esperando o dia em que os pesquisadores conseguissem detectar o espectro de luz vindo de lá. (Um espectro é a luz total vinda de um objeto, só que repartida em suas várias “cores” componentes – um arco-íris é um bom exemplo). No caso em questão, os cientistas liderados por Lee Jeremy Richardson, do Centro de Vôo Espacial Goddard, da Nasa, conseguiram extrair o espectro do planeta nas freqüências do infravermelho – uma espécie de luz menos energética que a luz visível, impossível de ser vista naturalmente por seres humanos.
Obter essa informação não foi moleza, e exigiu mais matemática do que observações. Para começar, só foi possível fazer isso porque o planeta em questão realiza “trânsitos” periódicos à frente de sua estrela-mãe – o que faz com que, do ponto de vista da Terra, um “tampe” a luz do outro de tempos em tempos. Observar só a luz vinda do planeta é impossível, porque a luz emanada da estrela, em qualquer circunstância, ofusca seu brilho. A solução adotada pelos cientistas foi captar então o espectro vindo da estrela em duas circunstâncias – uma, quando o planeta estivesse eclipsado por ela; outra, quando ele estivesse, em tese, visível. O resultado foi a obtenção de dois espectros: um representando a composição da estrela e outro com uma mistura dos espectros da estrela e do planeta.
Aí ficou “fácil”: foi só “subtrair” um espectro do outro e o que sobrasse, o que quer que fosse, deveria ser a assinatura do planeta. Em tese, era isso. E foi o que os cientistas obtiveram – mas eles admitem que há uma porção de incertezas em suas medições, embora haja segurança para afirmar que existe um espectro coerente ali. Depois de processar todas essas observações, obtidas nos dias 6 e 13 de julho de 2005 com o Telescópio Espacial Spitzer, da Nasa, os cientistas começaram a comparar o espectro obtido com os modelos teóricos. E começaram a surgir as esquisitices.
A primeira delas é que não há vestígio, em seu estudo, da presença de vapor d\’água na atmosfera do HD 209458b. O que é engraçado, uma vez que todos os modelos sugeriam que água deveria existir em abundância em mundos como esse – onde a temperatura passa dos 2.000 graus Celsius e a vida é impossível, ao menos como é conhecida na Terra. Em compensação, os cientistas detectaram um traço no espectro que provavelmente corresponde a nuvens de silicatos presentes na atmosfera do planeta. E identificaram ainda um outro traço, que eles não têm a menor idéia do que pode ser. No final das contas, a observação tem tanto valor científico quanto histórico – é a primeira vez que os cientistas conseguem identificar um espectro infravermelho desse tipo vindo de um planeta fora do Sistema Solar. E eles não pretendem parar por aí. O campo de investigação do que existe nesses mundos distantes (versus o simples fato de que eles estão lá) está apenas começando.
Claro que planetas gigantes gasosos são legais, mas ninguém esconde o fato de que a grande busca é por mundos como a Terra. E eles imaginam que o estudo de planetas rochosos, do tipo terrestre, será possível em breve. “Estamos ansiosos para futuras extensões da espectroscopia de planetas extra-solares para o domínio de planetas terrestres em trânsito”, dizem os pesquisadores, em artigo publicado na edição desta semana da revista científica britânica “Nature”. “Embora o tamanho modesto do Telescópio Espacial Spitzer atualmente nos limite aos sistemas planetários mais brilhantes, o futuro Telescópio Espacial James Webb deve fornecer fluxo suficiente para medirmos o espectro de uma ‘Terra Quente”.