Durante o século XX, a física desenvolveu duas teorias revolucionárias: a Teoria da Relatividade de Albert Einstein, e a Mecânica Quântica de Niels Bohr, Erwin Schrödinger, Paul Dirac e muitos outros. O adjetivo “revolucionárias” não é exagero: a Teoria da Relatividade transformou profundamente nossa compreensão do que é espaço, tempo e a relação entre energia e matéria. Ao contrário da visão clássica sobre a natureza do cosmos, que prevalecia desde os dias de Isaac Newton, no final do século 17, Einstein mostrou que o espaço, mais precisamente as medidas de distância entre dois pontos, e a passagem do tempo dependem do observador. Um segundo para você pode não ser um segundo para outra pessoa, se vocês estiverem em movimento relativo, acelerado ou não. Ademais, a nova teoria reformulou a noção de gravidade, que pode ser interpretada como a curvatura do espaço em torno de um objeto. Esses efeitos só são relevantes se os movimentos ocorrem próximos da velocidade da luz ou se o objeto tem massa comparável ou maior do que a do Sol. Mas eles estão lá, descrevendo uma física além de nossas percepções. O mesmo com a Mecânica Quântica, que descreve a física dos átomos e das partículas subatômicas.
Para surpresa dos próprios físicos, tudo é diferente no mundo do muito pequeno: trocas de informação e energia são feitas em porções discretas em vez de serem contínuas, como quando aquecemos água numa chaleira. Partículas podem estar em mais de um lugar do espaço ao mesmo tempo, seguir todas as trajetórias possíveis e atravessar barreiras como se fossem fantasmas. No mundo quântico tudo flutua, nada é exatamente determinado: energia, posição, velocidade. Apenas quando um observador interage com o que está medindo (por exemplo, enviando luz ou outra partícula que colide com o que está sendo medido) é que um valor determinado é obtido. Em outras palavras, a natureza intrínseca da matéria não pode ser definida “a priori”. A realidade emerge de forma clara apenas quando é convocada por algum observador. Esses dois pilares da física moderna coexistiram pacificamente até a década de 1960, parecendo tratar de dois aspectos muito diferentes da realidade física, o muito pequeno e o muito grande. Com a confirmação de que o universo está em expansão, aliada ao sucesso da Teoria da Relatividade, tudo mudou. Afinal, se o universo cresce cada vez mais na medida em que o tempo passa, era menor no passado. E, se voltarmos até bem próximos do “tempo zero”, que hoje sabemos ter ocorrido em torno de 14 bilhões de anos atrás, o universo como um todo teria dimensões semelhantes às de um átomo. Nesse caso, para descrever a física da infância cósmica, seria necessário usar a Mecânica Quântica: os dois pilares teriam de ser unificados.
Infelizmente, devido a dificuldades técnicas e conceituais, esse casamento ainda não foi consumado. Mas já houve paqueras e flertes entre as duas teorias, intensos o suficiente para termos uma idéia de como ele seria. E o que emerge é um cosmo quântico, onde a geometria do espaço e a passagem do tempo flutuam aleatoriamente. De fato, não se pode nem falar em um universo: falamos em um multiverso, uma sopa de universos talvez até infinita, onde todas as possibilidades existem. O nosso seria apenas um deles, uma raridade, uma bolha que cresceu, solitária em meio a tantas que existem por instantes e voltam à sopa primordial. Existiriam então outros universos? Seria possível passar de um a outro? Será que há vida em alguns deles? As respostas à essas perguntas e muitas outras esperam, impacientes, pelo casamento. Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover, EUA, e autor do livro O Fim da Terra e do Céu [Cia das Letras, 2001].