
O general Charles De Gaulle, numa visita ao Brasil, em 1959, referindo-se aos atos do Governo Brasileiro, soltou uma célebre frase: “Este país não é sério”. Ele deveria ter seus motivos para a afirmação, que, infelizmente, parecem tão atuais hoje quanto há quase quatro décadas, quando o militar causou indignação por aqui. Grande estrategista e astuto comandante da resistência francesa à invasão nazista, De Gaulle foi, sobretudo, um nacionalista e assumidamente antiamericano, quando o assunto se referia às políticas intervencionistas deste país no período pós-guerra.
Morto em 1970, De Gaulle certamente deve ter tido grande conhecimento sobre UFOs sobrevoando seu país e a Europa, já que os primeiros registros documentados e divulgados pelo Dossiê Cometa – até hoje, a maior compilação ufológica oficial de um país – datam de 1937, continuando nos anos seguintes e atingindo números expressivos na década de 50, exatamente quando o general assumiu o governo da França pela segunda vez [Leia o Dossiê Cometa. Código LIV-021 da coleção Biblioteca UFO. Veja Shopping UFO desta edição]. Além do que, De Gaulle foi contemporâneo de Hitler e Mussolini, que perseguiam obstinadamente a possibilidade de se apropriarem de tecnologia alienígena para consagrar suas ações bélicas.
Numa situação fictícia, fico imaginando o que diria o general francês, se fosse vivo, ao visitar novamente nosso país agora. Desembarcaria em Brasília, talvez a convite de um amigo seu, um brigadeiro muito famoso no Brasil, que adora ajudar os ufólogos. Viria ele orgulhoso e ansioso para contar ao seu colega sobre a liberação dos arquivos secretos do Grupo de Estudos e Informação de Fenômenos Aeroespaciais Não Identificados (GEPAN), órgão oficial de pesquisa ufológica ligado ao Centro Nacional de Estudos Espaciais (CNES), da França. Viria dizer, envaidecido pelo feito, que seu país passou por cima do processo mundial de acobertamento ufológico, orquestrado pelos Estados Unidos e seus aliados, e publicou na internet nada menos do que 100 mil páginas de documentos sobre o assunto, para qualquer cidadão ver.
De seu colega brasileiro, De Gaulle ficaria sabendo da longa caminhada que os membros de uma certa Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU) vêm percorrendo para obter o mesmo por aqui, nos últimos 10 anos, e, é claro, das confusões da política brasileira, que atrapalham a tão pretendida abertura ufológica em nosso país. De vez em quando, seu amigo brigadeiro se vê no “olho” destes “furacões” causados pelo Governo, pois o anfitrião, além de militar da Aeronáutica muito respeitado, foi um importante diretor de infra-estrutura aeroportuária desta administração, depois de ir para a Reserva da Aeronáutica. Presumo que, com absoluta certeza, De Gaulle não seria nem um pouco elogioso a respeito dos governantes do brigadeiro. Em novas opiniões, a falta de seriedade do Governo certamente seria o comentário menos depreciativo.
Sua sina palaciana e ministerial
Usei esta pequena crônica introdutória ao último relatório sobre a campanha UFOs: Liberdade de Informação Já para se ter uma noção aproximada e crítica de como anda a situação do Dossiê UFO Brasil em sua sina palaciana e ministerial. Sim, porque pretendemos que este seja o último e derradeiro informe, sendo a próxima matéria sobre o assunto a notícia da abertura já efetivada e a publicação, na Revista UFO, dos primeiros documentos já liberados. Parece piada, mas a retórica do Governo para protelar sua decisão neste campo continua a mesma depois de nove meses de tramitação do Dossiê, dos quais mais de quatro foram de preparativos efetivos, objetivando o envio dos documentos ufológicos secretos em posse do Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro (Comdabra) ao Arquivo Nacional, órgão que deverá recebê-los. É como se o processo fosse um “parto” complicado.
De julho para cá, pouca coisa evoluiu, a não ser confirmações sobre o que dissemos na edição 144 da Revista UFO, dadas por oficiais da Reserva da Aeronáutica, do Ministério da Defesa e da Casa Civil da Presidência da República. Ainda assim, dentro desta perspectiva, só podemos supor que realmente haverá a liberação de informações ufológicas em nosso país. Mas quais serão estas informações, quantas serão e quando a liberação ocorrerá são detalhes que continuam no campo da especulação, causada pela falta de decisão ou de ação daqueles servidores públicos que estão incumbidos de selecionar, catalogar e remeter tais dados ao Arquivo Nacional.
A Subchefia de Assuntos Jurídicos da Casa Civil (SAJ), responsável pelos desígnios e principais ações do Dossiê UFO Brasil, logo após termos lançado a referida edição da UFO, informou o que já adiantávamos na matéria Os Primeiros Resultados, nela contida. O doutor Marivaldo Pereira, alto funcionário da SAJ, confirmou as palavras do brigadeiro José Carlos Pereira, entrevistado da UFO 141 e 142 [É hora de Encerrar o Segredo Sobre os UFOs], que falara pessoalmente com o atual comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro-do-ar Juniti Saito, pedindo a agilização dos papéis, uma semana após o 36º Congresso Brasileiro de Ufologia Científica, realizado em Curitiba, em maio passado. Como se viu na edição 143, nesta ocasião estiveram presentes, ineditamente num evento ufológico, altas patentes da Força Aérea Brasileira (FAB), que garantiram apoio à Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU) e à abertura que ela pede, a exemplo do brigadeiro Pereira. No final de junho, quando troquei telefonemas com ele, o oficial foi taxativo em dizer que “o processo agora será mais rápido”.
Modificando níveis de sigilo
O problema é que a rapidez no processo, tão desejada pelos ufólogos e militares igualmente engajados na campanha UFOs: Liberdade de Informação Já, parece inatingível. Ao indagar novamente sobre esta questão, em outra comunicação que tive com o doutor Marivaldo Pereira, ele ponderou sobre os problemas no trato de documentação antiga, já em processo avançado de envelhecimento, além da quantidade de papéis, que não deve ser pouca. Até o fechamento desta matéria, o funcionário da SAJ ainda não havia recebido a listagem que será providenciada pela FAB, contendo todos os documentos que estão classificados em suas bases aéreas nos quatro ní
veis de sigilo, segundo a Lei 8.159/1991 [Veja tabela], recuperados pela Lei 11.111/2005, como já descrevemos em textos de edições anteriores. É com base nesta listagem que a Casa Civil e a CBU saberão o que deverá ser enviado ao Arquivo Nacional, em Brasília, e o que seguirá para avaliação da Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas (CAAIS).
Como se sabe, é a CAAIS, órgão ligado à Presidência da República e criado pela mesma Lei 11.111/2005, que foi instada pela CBU, através do Dossiê UFO Brasil, a se manifestar sobre os documentos que ainda se encontram com prazo de resguardo vigente. Marivaldo Pereira ainda lembrou que “o Ministério da Defesa pediu-nos um pouco mais de paciência”, mas enfatizou que “os documentos estão sendo providenciados”. Então, se sabemos que o comando da Aeronáutica já comunicou ao Ministério da Defesa, e posteriormente à Casa Civil, sua disposição em enviar seus documentos ao Arquivo Nacional, ainda resta saber se o Exército e a Marinha também fizeram ou farão o mesmo, pois estas Armas também têm considerável quantidade de informações ufológicas reservadas.
Só para efeito de constatação, no Dossiê UFO Brasil são citados dois casos da Marinha, um ocorrido na Ilha da Trindade, em 1958, e o Caso do Rio Paraguai, de 1962 [Veja obra UFOs: Arquivo Confidencial, código LIV-019 da coleção Biblioteca UFO. Consulte a seção Shopping UFO desta edição]. E do Exército, o mais importante episódio ufológico é certamente o Caso Varginha, de 1996, que, aliás, foi classificado como ultra-secreto, com prazo de resguardo vigente até 2026. A Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU) solicitou à CAAIS o rebaixamento de sua classificação para confidencial, com apenas 10 anos de resguardo, o que faria com que sua liberação ao Arquivo Nacional pudesse se dar a partir de 2006. Mesmo citando apenas estes três casos, além de outros da Aeronáutica, o Dossiê não deixa dúvidas. Na seção Dos Pedidos, o documento é explícito na solicitação de abertura de todos os arquivos do Governo, sem exceções.
Quanto à questão envolvendo arquivos ufológicos gerados pelas Forças Armadas que o Dossiê UFO Brasil não cita nem requisita formalmente – segundo o brigadeiro Pereira, alguns deles, por conterem assuntos que envolvem questão de segurança nacional, ficaram sob posse do antigo Serviço Nacional de Informações (SNI), atual Agência Brasileira de Informações (ABIN) –, o doutor Marivaldo Pereira novamente pediu paciência. Ponderou que precisamos, antes, ter em mãos a listagem de arquivos desejados, para ser enviada pelo Ministério da Defesa aos comandos de cada Arma. “É em cima dela que basearemos nossas próximas diligências”, disse o servidor da SAJ. Num dos últimos contatos mantidos com ele, lembramos que a CBU está ansiosa e atenta ao cumprimento da Lei 11.111/2005, especificamente quanto à existência de farta documentação além da citada no Dossiê e ao inevitável acionamento da CAAIS para liberação dos papéis do Caso Varginha.
Atentos ao cumprimento da Lei
Em concomitância a esta lembrança, solicitamos aos membros do Centro Brasileiro de Pesquisas de Discos Voadores (CBPDV) e a todos os ufólogos ligados à Revista UFO que cobrassem providências da Casa Civil, por meio eletrônico. A resposta não tardou a sair. Num telefonema de 24 de setembro, o servidor da SAJ disse que estava recebendo “toneladas de e-mails”, todos eles “cobertos de razão, pois a demora nas ações do Ministério da Defesa já extrapolou todos os limites de tolerância”, em suas palavras. Afirmou também que, se o Ministério não tomasse a cobrada posição, “acionaria instâncias superiores do Palácio do Planalto”. Obviamente, caso não venham estas providências, a cobrança da Subchefia de Assuntos Jurídicos da Casa Civil (SAJ) deverá ser elevada à alçada da ministra Dilma Rousseff, presidente da CAAIS, a quem cabe uma atitude quanto ao assunto.
Depois de mais este entrave enfrentado pela Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU), resta-nos torcer para que o general De Gaulle não continue com sua incômoda frase ecoando em nossas mentes. Todos têm acompanhado um novo escândalo em Brasília, agora envolvendo outra instituição onde o Dossiê UFO Brasil tramita, antes do “parto” comandado pela SAJ. O alvo da vez é o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e a nova celeuma federal envolvendo o Senado, a Polícia Federal, o Ministério da Defesa, a Agência Brasileira de Informações (ABIN), órgão do GSI, em torno dos autores de grampos ilegais de conversas entre o senador Demóstenes Torres e o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes. Ou seja, com a ABIN atolada até o pescoço, não é de se duvidar que o general Jorge Armando Félix, chefe do GSI, demore ainda mais para disponibilizar seus arquivos.
Neste quadro, outra situação fictícia e hilária, para não dizer trágica, começa a incomodar a Ufologia Brasileira: a de que, na expectativa que estamos de um iminente contato com extraterrestres, vamos supor que ele ocorra antes do Governo Brasileiro abrir todos os seus arquivos. Imaginemos neste dia o general De Gaulle aparecendo de carona num disco voador, rindo e dizendo: “Eu não disse que este país não era sério?” Eu diria: “É isso aí, general. Rir é o melhor remédio por aqui”.