Dan Baumgardt: A mais recente produção absurda de Yorgos Lanthimos, diretor de A Favorita e Coitadinhos dos Outros, chega aos cinemas esta semana, e Bugonia promete ser outra obra-prima estranha e hilariante de caos completo e imperdível.
A musa de Lanthimos, Emma Stone, e Jesse Plemons se reencontram nesta história sombriamente cômica sobre uma CEO farmacêutica (Stone) sequestrada por teóricos da conspiração. Acreditando que ela é uma extraterrestre com a intenção de destruir a Terra, eles a aprisionam em um esforço para salvar a humanidade.
O filme é um remake de “Salve o Planeta Verde”,o clássico cult sul-coreano de 2003. Sob sua superfície surreal, reside uma questão fascinante: por que algumas pessoas realmente acreditam em alienígenas – não como ficção, mas como fato?
Em psiquiatria, um delírio é definido como uma crença fixa e falsa. É falso porque é factual mente incorreto e fixo porque é inabalável e resiste a todas as evidências em contrário. Por mais irracional que pareça aos outros, é totalmente verdadeiro para a pessoa que vivencia.
Delírios frequentemente coexistem com alucinações, nas quais as pessoas veem figuras, ouvem vozes ou sentem uma presença que não está realmente lá.
Na era moderna, os delírios alienígenas assumem muitas formas. Alguns acreditam que seus corpos são controlados por extraterrestres ou que alienígenas estão manipulando seus pensamentos. Outros desenvolvem crenças persecutória, convencidos de que alienígenas estão tentando prejudica los ou implantaram dispositivos de rastreamento em seus corpos.
Alguns chegam a experimentar delírios de identidade, acreditando que são alienígenas ou que foram escolhidos para uma missão especial. Delírios de grandeza envolvem crenças exageradas no próprio status, importância ou poder.
Tais sintomas são mais frequentemente observados em transtornos psicóticos, incluindo esquizofrenia, embora também possam ocorrer no transtorno bipolar ou como resultado do abuso de substâncias, particularmente estimulantes ou alucinógenos como cocaína, anfetaminas ou LSD.

Um breve histórico das crenças alienígenas:
Hoje, os delírios alienígenas se baseiam em décadas da cultura popular, de Arquivo X e Prometheus a Distrito 9 e E.T. Mas e quanto aos tempos anteriores aos discos voadores e às histórias de abduções que dominavam nossas telas?
Já na Idade Média, as pessoas descreviam experiências que hoje poderiam ser consideradas delirantes. A crença religiosa era predominante, então visões de anjos e demônios forneciam a linguagem do controle e da perseguição. Durante os surtos de pânico relacionados à bruxaria, as pessoas afirmavam ser atormentadas ou possuídas por bruxas e demônios.
Com o avanço da ciência e da tecnologia, o conteúdo dos delírios também evoluiu. No início do século XX, escritores como H.G. Wells ajudaram a popularizar a ideia de vida inteligente além da Terra por meio de obras como A Guerra dos Mundos, uma história sobre uma invasão marciana que cativou tanto a imaginação do público quanto a ansiedade em relação ao desconhecido.
Com o surgimento do rádio, psiquiatras começaram a registrar delírios envolvendo ondas de rádio, nos quais os pacientes acreditavam que seus pensamentos estavam sendo transmitidos ou recebidos pelo ar. À medida que a tecnologia evoluía, o mesmo acontecia com os medos: as pessoas começaram a relatar delírios de controle tecnológico ou alienígena, convencidas de que raios X, lasers ou até mesmo a internet estavam influenciando suas mentes.
Em julho de 1947, destroços recuperados de um rancho perto de Roswell, Novo México, foram inicialmente atribuídos a um “disco voador” antes de serem identificados pelos militares dos EUA como um balão meteorológico. Os relatos contraditórios acenderam décadas de especulação sobre acobertamento governamentais e visitas alienígenas, fixando a imagem dos OVNIs no imaginário popular. Após o incidente de Roswell no pós-guerra, os OVNIs se tornaram um elemento cultural e logo, um elemento clínico.
Os psiquiatras logo se depararam com pacientes cujos delírios refletiam essas histórias de discos voadores e abduções alienígenas. Com o tempo, essas crenças evoluíram juntamente com as novas tecnologias e ansiedades sociais, da vigilância governamental à nanotecnologia e à inteligência artificial. Os temas, no entanto, permanecem surpreendentemente consistentes: possessão, controle, abdução. O vocabulário muda, mas a psicologia permanece.
Parte do cérebro “normal“?
Embora os delírios sejam fixos e angustiantes, outras experiências com alienígenas não são necessariamente patológicas. Muitas pessoas relatam ver luzes, formas ou figuras inexplicáveis, frequentemente durante as transições nebulosas entre a vigília e o sono. Outras interpretam essas sensações dentro de contextos culturais, religiosos ou recreativos como formas de contato cósmico. Tais experiências fugazes são surpreendentemente comuns e geralmente inofensivas.

Então, por que a mente recorre a imagens alienígenas ao construir delírios? O cérebro pode simplesmente usar os símbolos disponíveis — histórias, mitos, filmes — para dar sentido ao medo ou à confusão. Dessa forma, o delírio não é tanto um absurdo, mas sim uma busca por significado que se desviou do caminho certo.
Isso nos leva de volta a Bugonia.
O título do filme vem da palavra grega bougonia, que significa “nascimento do boi”. Refere-se a um antigo mito mediterrâneo no qual se acreditava que animais mortos davam origem a enxames de abelhas — uma metáfora de como a vida, ou o significado, pode emergir da decomposição.
Lanthimos leva essa ideia tanto literal quanto simbolicamente. Em Bugonia, delírio e revelação, horror e comédia, tudo se mistura. Stone e Plemons entregam atuações excepcionais, com Stone em particular buscando um merecido terceiro Oscar.
Além do absurdo, Bugonia deixa uma reflexão sutilmente perturbadora: a de que a distância entre a imaginação e a “loucura” é muito menor do que gostaríamos de acreditar – e que talvez todo delírio comece como uma tentativa da mente de criar ordem a partir do caos.
Dan Baumgardt , Professor Sênior, Escola de Psicologia e Neurociência, Universidade de Bristol




