Arqueólogos anunciaram nesta quinta-feira a descoberta de um idioma perdido falado por indígenas do norte do Peru. Eles encontraram uma carta do século XVII, sob um amontoado de adobe (tijolo grande de argila acrescido de palha ou capim), que trazia, no verso, números em espanhol e sua respectiva tradução para a linguagem desconhecida.
O achado ocorreu em Trujillo, cerca de 560 Km ao norte da capital, Lima. As escavações foram realizadas nas ruínas de um complexo habitado por monges dominicanos por cerca de dois séculos. “Nossas investigações determinaram que esse pedaço de papel registra um sistema numérico de uma linguagem que foi perdido durante centenas de anos”, disse Jeffrey Quilter, arqueólogo e diretor para assuntos de curadoria adjunta de Harvard no Museu Peabody de Arqueologia e Etnologia. O idioma nunca mais teria sido ouvido a partir do século XVI ou XVII, segundo Quilter.
A língua é aparentemente influenciada pelo Quéchua (ou Quíchua), ainda falado por milhões de pessoas da região andina. Pode, ainda, ser uma versão escrita de uma língua da era colonial à qual os espanhóis se referiam em registros históricos como “pescadora”. A carta, enterrada nas ruínas da igreja de Magdalena de Cao Viejo, no sítio arqueológico de El Brujo, foi achada em 2008.
Entretanto, os cientistas decidiram manter a descoberta em segredo até que a pesquisa apresentando evidências sobre o idioma perdido fosse publicada, este mês, na revista científica American Anthropologist. “Acho que muitas pessoas não fazem idéia de quantas línguas eram faladas nos tempos pré-contato [entre colonizadores e nativos]”, disse Quilter.
A história de um pedaço de papel – No início do ano de 1600, no norte do Peru, um espanhol curioso fez algumas notas sobre a parte de trás de uma carta. Quatrocentos anos depois, os arqueólogos desenterraram e estudaram o registro, revelando o que parecem ser os primeiros vestígios de uma linguagem perdida. “É um pequeno pedaço de papel com uma grande história para contar”, constatou o arqueólogo Quilter, que conduziu as investigações no Peru há mais de três décadas.
A escrita é um conjunto de traduções de nomes espanhóis dos números (uno, dos e três) e algarismos arábicos (10/04 , 21, 30 , 100 e 200) para a língua desconhecida. Alguns dos números traduzidos nunca foram vistos antes, enquanto outros podem ter sido emprestados de Quíchua ou uma outra linguagem relacionada com o local. Quíchua é falado ainda hoje no Peru, mas no início do século XVII muitas outras línguas eram comuns na região, tais como Quingnam. Informações sobre esses idiomas, hoje, é limitada. Mesmo assim, os arqueólogos foram capazes de deduzir que os falantes da língua perdida utilizavam um sistema decimal como o nosso.
Quilter explicou que essa lista simples oferece “uma visão dos povos antigos até o início do Peru colonial que falavam uma língua desconhecida para nós até agora. O achado é importante porque oferece o primeiro vislumbre de uma linguagem até então desconhecida e um sistema de números. Também chama a atenção para a grande diversidade do patrimônio cultural do Peru no início do período colonial. As interações entre os nativos e os espanhóis foram muito mais complexas do que se pensava“.
O nome da linguagem perdida ainda é um mistério. A equipe de investigação americana-peruana foi capaz de determinar que não era Mochica, falado na costa norte do período colonial, mas hoje extinta, e apontou para Quingnam e “pescadora” como possíveis candidatas. Nenhuma das duas, contudo, têm sido documentadas além de seus nomes. Existe ainda a possibilidade de que Quingnam e pescadora são a mesma língua, mas foram identificadas como distintas, no início de escritos coloniais da Espanha, assim, uma conexão definitiva ainda não foi estabelecida.