Temos assistido nos últimos anos ao crescimento de proposições extremistas em quase todos os setores da atividade humana. Na Ufologia, marcadamente, pelo seu próprio caráter multifacetado, interdisciplinar e indefinido, isso vem se multiplicando cada vez mais. De um lado, os crentes que em tudo acreditam sem nada questionar, de outro, os céticos que em nada acreditam e tudo criticam e questionam.
O embate radicalizou-se sobremaneira em grande parte devido a estes últimos que, sem poupar ataques e empregando o máximo de suas energias, propõem a desconstrução e até a extinção do fazer e pensar ufológico. Como venho dedicando-me ao estudo da historicidade ufológica e sua dimensão no campo das ciências sociais, pretendo neste ensaio entabular uma análise crítica da postura cética.
Tal empreendimento justifica-se, primeiro, porque os ufólogos têm sido sistematicamente detratados sem que houvesse uma contrapartida que atingisse os alicerces das práticas discursivas dos céticos. Cabe dizer ainda que a presente desconstrução discursiva será operada por meio da crítica filosófica, assentada na perspectiva dialética. Sem querer ferir suscetibilidades, longe disso, devemos reconhecer, com justiça, que na fileira dos céticos há uma geração de intelectuais, familiarizados com a rigorosidade e a vanguarda do pensamento científico e que faz uso pertinente de suas teorias e métodos para chegarem aos resultados objetivados.
Entendo que os pressupostos capitaneados pelos céticos são de grande serventia para o avanço da própria Ufologia, à medida que obrigam os ufólogos a sobrelevarem-se a um nível congruente, porém, discordo inteiramente dos limites absolutos e dos preconceitos que pretendem impor. Para eles, as coisas existem ou não existem, se bem que a melhor filosofia é não acreditar em nada.
Dogmas e preconceitos
A ciência é que se encarregaria de mostrar toda a verdade. Assim, a postura que adotam é deveras cômoda: creem e aceitam como verdade apenas aquilo que foi efetivamente comprovado e homologado pela ciência oficial, desprezando tudo aquilo que vai contra o “credo” científico, pois, assim, podem falar em voz alta sem medo de serem vistos como “crédulos” e “ingênuos”. Seguem ao pé da letra o que foi enunciado pelo filósofo e matemático inglês Bertrand Russell (1872-1970) em seu livro Sceptical Essays [1928]: “Não é aconselhável acreditar em uma proposição enquanto não há qualquer motivo para supô-la verdadeira”.
Trata-se, sem dúvida, de um comportamento restrito que não pode ser generalizado a todo o conjunto dos céticos, subdivididos, como em qualquer outro setor, em correntes mais ou menos ortodoxas. Não obstante, é típico de uma significativa parcela da comunidade cética, sintomaticamente composta, em sua maioria, por indivíduos com formação educacional elevada, muitos deles seguindo carreiras acadêmicas de prestígio em renomadas instituições universitárias.
No fundo, acreditam desacreditando, ou seja, querendo que se comprove cientificamente, pois, assim, as questões da crença poderão deixar de ter necessidade de fé. Bastaria, assim, a comprovação científica. O ceticismo é definido como o sistema que, negando a legitimidade dos meios de adquirir a certeza, nega a existência da mesma e considera a dúvida como o resultado definitivo da ciência, e como o estado normal do espírito humano. Suas atitudes filosóficas se pautam pelo recurso exclusivo à noção de matéria para explicar a totalidade dos fenômenos do mundo físico e do social.
O ceticismo nasceu entre os gregos, no século VI a.C. – daí o termo skeptikós [Céticos] –, e foi retomando nos séculos XVI e XVII com o advento do racionalismo e iluminismo. Sustentando que nada é certo e que, por conseguinte, se deve duvidar de tudo, o cético nega assim as verdades da fé, o valor do testemunho e a metafísica, pregando que toda pesquisa das coisas é estéril e que a ciência deve limitar-se aos fatos e às leis. Para eles, tudo o que não for condizente com a ciência material não passa de uma construção social e ideológica.
A grande questão que nos interessa não é o quanto podem estar certos, ou não, neste ou naquele caso, ainda que seja preciso admitir que muitas vezes de fato estão, mas a relação que fazem com aquilo que conhecem de ciência, ou mesmo as informações “científicas” que lhes chegam. A declaração de princípios dos céticos remete inequivocamente a um racionalismo cientificista, a uma vertente central ortodoxa que preservou os elementos ideológicos do ideário positivista, herdados de suas fases anteriores e que foi dominante durante certo tempo nos meios acadêmicos, mas que hoje está completamente superada.
“Duvidar de tudo ou crer em tudo são duas soluções igualmente cômodas, que nos dispensam, ambas, de refletir” — Henri Poincaré (1854-1912)
Sob o influxo do racionalismo, em geral, e do positivismo, em particular, o cientificismo foi tardiamente adotado pelos céticos como modelo epistemológico [Relativo à teoria do conhecimento] cientificamente legítimo e válido de explicação dos fenômenos ufológicos e paranormais, desempenhando um papel semelhante à ilustração na Europa nos séculos XVII e XVIII, ao oferecer um saber secular e temporal, afastado das concepções religiosas.
A adoção do cientificismo por eles está associada à expectativa – malograda ou frustrada – de que a ciência fundaria um tipo de autoridade mais racional e civilizada. Cientificismo é uma posição filosófica, e não científica, que considera válido somente o conhecimento científico. A ciência se converte no mito da modernidade, substituindo o impulso pessoal, a paixão e o ímpeto revolucionário. O avanço científico europeu do final do século XVIII, decorrente da Primeira Revolução Industrial, fe
z com que o homem acreditasse que detinha o domínio total da natureza.
Teorias cientificistas
Os últimos anos do século XIX e os primeiros do XX foram marcados pela difusão de diversas teorias cientificistas que, apregoando o predomínio da ciência e do método empírico sobre os devaneios metafísicos da religião, deixaram marcas profundas no estudo da natureza, com o evolucionismo de Charles Darwin (1809-1882), e da sociedade, com o positivismo de Auguste Comte (1798-1857) e o darwinismo social de Herbert Spencer (1820-1903). Além disso, aprimoraram teorias no direito e na psiquiatria, com a antropologia criminal de Cesare Lombroso (1835-1909) e Enrico Ferri (1856-1929), e mesmo na religião, com o espiritismo de Allan Kardec (1804-1869).
Tais correntes procuraram romper com as assunções abstratas e metafísicas. Compartilhavam a convicção de que a ciência e a técnica resolveriam os problemas básicos da humanidade e proporcionariam a felicidade geral. O positivismo foi uma grande moda intelectual de sua época, ao qual todas as teorias que se pretendessem científicas – leia-se “verdadeiras” ou “corretas” –, deveriam ajustar-se.
As raízes do positivismo são atribuídas ao empirismo absoluto do filósofo iluminista escocês David Hume (1711-1776), que concebia apenas a experiência como matéria do conhecimento. Em sentido estrito, o termo designa o conjunto das doutrinas do filósofo e matemático francês Isidore Auguste Marie François Xavier Comte, ou simplesmente Auguste Comte, cujo princípio essencial é: só podemos conhecer os fenômenos positivos – reais – da experiência e as suas leis, isto é, eles seriam os únicos objetivos de investigação do conhecimento.
Comte sustentava que as ideias se relacionavam de forma lógica e matemática, de modo que toda investigação transcendental ou metafísica que não pudesse ser comprovada deveria ser relegada ao plano da imaginação e da fantasia. O papel da razão fica limitado à ordenação dos fatos, procurando determinar seus antecedentes necessários e generalizar as interpretações a fim de estabelecer leis úteis à sociedade humana.
Trazida ao Brasil por jovens que estudaram na França, alguns dos quais tinham sido até mesmo pupilos de Comte, a doutrina positivista encontrou ampla acolhida por aqui, afinal, para diversos setores da elite urbana, política e intelectual tupiniquim, nosso país, mergulhado no atraso da monarquia e da escravidão, precisava seguir urgentemente os rumos do “progresso” e da “civilização” sinalizados pela Europa.
“Porre ideológico”
Em 1884 foi publicado o livro de Luís Pereira Barreto (1840-1923), As Três Filosofias [Editora Laemmert], tido como marco inicial, e dois anos mais tarde fundado a Sociedade Positivista Brasileira no Rio de Janeiro. O positivismo brasileiro logo se dividiu em duas facções: a ortodoxa e a dissidente. Miguel Lemos (1854-1917) e Teixeira Mendes (1855-1927) lideravam a primeira, ao passo que Luís Pereira Barreto, Tobias Barreto (1839-1889) e Sílvio Romero (1851-1914) lideravam a segunda.
A atuação doutrinária do tenente-coronel Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1836-1891), professor da Escola Militar, bem no interior das Forças Armadas, foi fundamental para criar um espírito de corpo na caserna, pois boa parte da oficialidade imbuiu-se do destino histórico de implantar um regime republicano que fosse fundamentado na égide da razão e da ciência positivista. A Proclamação da República em 15 de novembro de 1889 foi, sem dúvida, o ápice do positivismo no Brasil, levando em conta que os adeptos de Comte não só tomaram parte na preparação e no desfecho do golpe, como também assumiram cargos de relevo no nascente regime.
Foram numerosas as influências do positivismo na organização formal da República brasileira, entre elas o dístico Ordem e Progresso da bandeira, a separação da Igreja e do Estado, a decretação dos feriados, para comemorar e fortalecer o espírito cívico, do Dia da Bandeira, Proclamação da República, Tiradentes e Sete de Setembro, o estabelecimento do casamento civil etc. Como ministro da instrução pública, Constant reformulou todo o ensino brasileiro de acordo com o ideário de Comte. O positivismo continuou a prevalecer entre os militares, fornecendo as diretrizes para as rebeliões tenentistas da década de 20.
Entre 1930 e 1945, o positivismo orientou a formulação da organização estatal do presidente ditador Getúlio Vargas em seu projeto de desenvolvimento nacionalista burguês. No golpe deflagrado pelos militares em 31 de março de 1964, sob a alegada justificativa de que agiam para salvar o país do caos e do perigo comunista, também podemos entrever as linhas gerais da doutrina de Comte. De modo sutil e pouco visível, remanesceu entre nós um modo de pensar positivista que se faz sentir, consciente ou inconscientemente, em todos os campos: nas ciências, política, economia, artes, teatro, literatura etc.
Foi adotando esses dogmas como leis científicas, ou inspirando-se neles, que os céticos formularam e difundiram uma série de diagnósticos sobre Ufologia e parapsicologia.
O erro infantil e a impropriedade de perceberem tal assimilação tardia atestam um caso sintomático de “ideia fora do lugar”, ou de “porre ideológico”. Mas é preciso fazer algumas distinções, se quisermos realmente compreender a atitude dos céticos, sem incorrer n
os mesmos slogans cientificistas que a gente “esclarecida” tanto gosta de repetir.
Ao se assumirem e se comunicarem por meio de um discurso pautado nos paradigmas positivistas, os céticos acabaram por ressuscitar, involuntariamente ou não, a teoria fundamental da doutrina, a chamada Lei dos Três Estados, segundo a qual a evolução da humanidade está necessariamente pautada por três estados sucessivos: o teológico – subdividido em fetichismo, politeísmo e monoteísmo –, no qual os fenômenos da natureza e os problemas do homem são explicados por causas sobrenaturais.
Equívoco primário dos céticos
O metafísico ou abstrato, em que essas causas sobrenaturais são substituídas por entidades metafísicas e o positivismo ou científico, no qual o espírito humano renuncia a conhecer a essência dos seres, e se propõe unicamente a estabelecer relações invariáveis de sucessão e similitude entre os fenômenos. Com essa atitude, os céticos, ingenuamente, incorrem no equívoco primário de considerarem o pensamento mágico, ou tudo aquilo que não for racional e científico, como resquício de um passado a ser apagado e esquecido, ou uma maneira equivocada de pensar a realidade.
Quando as crenças mágicas ou religiosas insistem em se fazer presentes, costumam dizer que subsistem apenas porque a ciência ainda não se deu conta de explicá-las devidamente ou porque as pessoas que as cultivam são simplórias, atrasadas e supersticiosas. Entretanto, não é isso o que os antropólogos, sociólogos, historiadores e psicólogos têm verificado desde o início do século XX.
O fato é que, conforme qualquer pessoa pode constatar – e é estupefaciente que os céticos, geralmente tão bem informados, não tenham constatado isso –, que a ciência convive e mescla-se com as crenças religiosas e que formas diferenciadas de pensar convivem simultaneamente.
“Há duas classes de tolos: os que não duvidam de nada e os que duvidam de tudo” — Sabedoria Popular
O sociólogo francês Émile Durkheim (1858-1917), em seu clássico livro Les Formes Élémentaires de la Vie Religieuse [As Formas Elementares de Vida Religiosa, Editora Paulus, 2001], publicado em 1912, assinalou que tanto a lógica do pensamento religioso quanto a do pensamento científico são constituídas dos mesmos elementos essenciais: “Sob esse aspecto, a mentalidade do cientista só difere em graus da precedente. Quando uma lei científica conta com a autoridade de experiências numerosas e variadas, é contrário a todo método renunciar facilmente a ela com a descoberta de um fato que parece contradizê-la. Antes é preciso estar seguro de que esse fato comporta apenas uma única interpretação e de que não é possível negar”.
Para ele, o primitivo é então motivado a não duvidar do seu rito diante da prova de fato contrário, sobretudo, porque o seu valor está ou parece estabelecido por número mais considerável de fatos concordantes. Não é por acaso, portanto, que a ciência encontra-se repleta de elementos religiosos. É que, como demonstrou Durkheim, ela nasceu da religião, assim como quase todas as instituições sociais.
Pretensa superioridade da ciência
Atestou também que até as noções essenciais da lógica científica são de origem religiosa. “Certamente, a ciência, para utilizá-las, submete-se a nova elaboração, mas esses aperfeiçoamentos metodológicos não bastam para diferenciá-la da religião. Entretanto, ela tende a substituir a religião em tudo o que diz respeito às funções cognitivas e intelectuais”.
Todavia, ao pretender isso, estabelece um conflito contraditório, pois não pode negar algo que existe e é uma realidade. A ciência não teria competência especial para atribuir a si o conhecimento do homem e o mundo, já que sequer conhece a si própria. “Ela própria é objeto de ciência e está longe de poder impor. Permanece sempre a distância da ação. É fragmentária, incompleta. Avança muito lentamente e jamais está concluída, mas a vida não pode esperar. Teorias que se destinam a fazer viver, a fazer agir, são obrigadas a passar à frente da ciência completando-a prematuramente”.
Discípulo de Durkheim, o filósofo e sociólogo francês Lucien Lévy-Bruhl (1857-1939) dedicou grande parte de sua vida ao estudo das sociedades ditas primitivas. Em sua obra La Mentalité Primitive [1922], define a mentalidade primitiva como sendo pré-lógica, sem que se refira às inabilidades para o raciocínio, e sim às categorias em que o mesmo se processa.
O humano moderno não é o primitivo, mas tampouco possui os valores, conceitos, axiomas e sentimentos idealizados pelo cientificismo positivista dos céticos. E como os primitivos, tende a ser místico ao situar-se para além da verificação possível da experiência empírica e ser indiferente às contradições. Na mentalidade mística, tudo pode acontecer a partir de forças não visíveis. As ligações de causa e efeito são até percebidos, mas o significado principal é atribuído às causas naquele determinado momento em que são socialmente relevantes.
Tão certo quanto o raciocínio lógico e a própria capacidade de inferir logicamente as consequências de tais ou quais situações não serem exclusivas do pensamento científico, este não constitui garantia de cientificidade, muito menos de verdade. A ausência do real, diferença entre a ciência desenvolvida segundo os moldes adotados desde o século XVI e as pajelanças dos selvagens, foi cabal e magistralmente demonstrada pelo antropólogo Claude Lévi-Strauss (1908-2009), que eliminou a distinção feita entre mentalidade lógica e pré-lógica, para afirmar a superioridade de uma cultura sobre outra e revalorizou sobremaneira os mitos, a religião e as artes.
Nascido na Bélgica em 1908, membro da Academia Francesa e ex-professor de antropologia social no Collège de France e na então n
ascente Universidade de São Paulo (USP), Lévi-Strauss arguiu que o pensamento “selvagem” e o mitológico obedecem ao mesmo inconsciente coletivo que o científico, uma vez que se nutrem da mesma lógica. Entre 1935 e 1949, realizou várias expedições pelo Brasil e conviveu com diversas tribos indígenas, especialmente com os nambikwaras – próximo das nascentes do Rio Tapajós, no Brasil Central.
Isso fez com que ele soubesse observar e reconhecer, exemplarmente, que a cultura não era privilégio da Europa e naquilo que erroneamente se convencionou considerar como estágio infantil da humanidade, reside toda uma gama de conhecimentos complexos e profundos, derrubando o mito racista de que os primitivos seriam incapazes de estabelecer visões de mundo coerentes – sistemas lógicos –, e se comunicariam a partir de referenciais puramente afetivos.
Projeções inconscientes
Enquanto a ciência racionalista e positivista do século XIX desprezava o folclore, a mitologia, a magia, o animismo e os rituais fetichistas em geral, Lévi-Strauss entendeu-as como recursos sofisticados da narrativa tribal e expressões legitimas de manifestações de desejos e projeções inconscientes. A narrativa oral, conforme decodificou, corre da esquerda para a direita num eixo diacrônico [Relativo à diacronia, perspectiva de análise histórico-evolutiva], num tempo não reversível, enquanto que a estrutura do mito sobe e desce num eixo sincrônico, num tempo que é reversível.
“O dualismo diametral aparente entre os de cima e de baixo, por sua vez, esconderia um sistema de três pólos, o alto podendo ser representado por um pólo, o céu, enquanto o de baixo exige dois, a terra e a água” [As Organizações Dualistas Existem?, Editora Tempo Brasileiro, 1967]. Em outros lugares, as duas metades representariam uma criação do mundo, a outra, a sua conservação.
A oposição notada por Lévi-Strauss na Melanésia e na América do Sul, entre o alimento cozido e o cru – como, aliás, o que lhe é sempre paralelo, entre casamento e celibato –, implicaria “numa assimetria do mesmo tipo entre estado e processo, estabilidade e mudança, identidade e transformação”. Partindo da linguística e da psicologia do princípio do século XX, Lévi-Strauss estabeleceu que as crenças e as instituições, em toda a sociedade, obedecem a um sistema ou estrutura.
Metodologicamente, o estruturalismo lida com sistemas em grande escala decifrando e delineando as relações e as funções dos elementos que constituem tais sistemas, desde a linguagem e práticas culturais aos contos folclóricos e textos literários. O estruturalismo fez do filósofo seu mais celebrado representante, embora este sempre renegasse o papel de fundador de uma escola.
Alguns anos mais tarde, a noção de estrutura se firmaria graças principalmente ao psicanalista Jacques Lacan (1901-1981), aos filósofos Michel Foucault (1926-1984) e Louis Althusser (1918-1990) e ao semiólogo Roland Barthes (1915-1980). Ao abolir a concepção de história linear e negar peremptoriamente a existência de uma historicidade única, fundada nos ditames ocidentais, Lévi-Strauss voltou-se para os mitos, nos quais tudo pode acontecer e toda relação concebida é possível.
Isso sem estar sujeita a regras de continuidade, ressalvando, contudo, que não seriam construções arbitrárias nem ilógicas, visto que “se reproduzem com os mesmos caracteres e segundo os mesmos detalhes, nas diversas regiões do mundo” [A Estrutura dos Mitos, Editora Tempo Brasileiro, 1967]. Em suma, os mitos seriam essenciais para a compreensão da origem e do funcionamento da cultura que o gerou e perpetuou. Não obstante, tenta impor categorias lógicas e racionais absolutas. Tal conduta, por si só, não é autossuficiente e, como bem asseverou Lévi-Strauss, chega a ser inútil.
Lições da história
De fato, na história da humanidade aconteceu um fenômeno importante, o nascimento do pensamento científico e seu desenvolvimento. “Agora, se você olha as coisas um pouco mais do alto, dirá que isso que respeitamos, nos apaixona em seus progressos passo a passo e se efetua no decorrer dos séculos, anos ou dias, é na realidade profundamente vão. Já que o que nos ensina é, ao mesmo tempo, a melhor compreensão das coisas em seus detalhes e jamais podemos compreender na totalidade”.
Este pensamento, ao mesmo tempo em que alimenta nossa reflexão, aumenta o conhecimento. Segundo ele, mostra a insignificância do mesmo, levando em conta o ponto de vista do homem ocidental do século XX. “O pensamento científico é algo fundamental e devemos utilizá-lo. Porém, se nos tornamos metafísicos, diremos que de fato ele é essencial, mas ao mesmo tempo é preciso saber que não serve para nada” [Claude Lévi-Strauss em entrevista a Bernardo Carvalho, em Folha de S. Paulo, 22 de outubro de 1989].
Chamando a atenção para a natureza profunda e intelectual das condutas mágicas, que consistem em respostas a uma situação que se revela à consciência por manifestações afetivas [O Feiticeiro e sua Magia, Editora Tempo Brasileiro, 1985], Lévi-Strauss derrubou uma das maiores bravatas do triunfalismo iluminista-positivista, tão louvado pelos céticos: a da conquista da maturidade do homem com a redução do real ao racional e do racional ao real e, consequentemente, a da comprovação da superioridade de todos os povos que atingiram esse estágio.
No caso, os europeus que se investiram da missão – como se estivesse destinada, mas que serviu na verdade de desculpa e justificativa para a expansão da civilização ocidental – de libertar os primitivos das trevas do seu obscurantismo, nem que tal libertação tivesse de ser feita com o rigor com que um pai severo e amoroso ensina ao filho imaturo e indisciplinado.
Por incrível que pareça, como se ignorassem ou tivessem desaprendido completamente as lições da história, os céticos assimilaram integralmente a perversa ideologia colonialista, invocando o direito natural, como se esta coubesse a uma determinada casta de homens, de impor aos ufólogos seu modo de pensar em virtude destes serem inferiores e, portanto, destinados a submeterem-se aos pressupostos, preceitos e princí
;pios de verdade dos superiores, como defendera Aristóteles na Política. Nessa transposição, os céticos encaram os ufólogos como se estes fossem primitivos ou aborígenes, tal como os europeus ao julgarem aqueles destituídos de cultura ou no máximo aptos a serem moldados pelos ditames de seu projeto civilizatório, que de tão civilizado acabou por praticamente extingui-los.
Estereotipagem do ufólogo
Invariavelmente, em todos os ataques que dirigem, novamente sem entrar no mérito do quanto podem estar ou não certos em relação a este ou aquele caso, procuram insinuar, sub-reptícia ou diretamente, que o ufólogo é incapaz de assimilar conceitos elementares da ciência e de lidar com eles pelo simples fato de ser desprovido de capacidade para o raciocínio científico devido, intrinsecamente, às suas características deficientes, patológicas e degenerativas.
O discurso cético esconde, por trás de um suposto trabalho científico imparcial, neutro e distanciado, um pernicioso teor discriminatório que redunda na tipologização e estereotipagem do ufólogo, como um indivíduo portador de atributos estigmatizantes que tendem a relegá-lo a um status inferior ao que ocupa. Não é somente a postura que adotam que os colocam em patamares superiores, mas é a própria lógica do pensamento que professam aos ufólogos atributos de desqualificação.
Todavia, ao pugnarem pelo banimento da Ufologia e por extensão do pensamento místico e religioso, o que levaria, consequentemente, a um “desencantamento” do mundo, não sabem que estão combatendo o próprio desaparecido da sociedade enquanto tal. Temos constatado dolorosamente no dia-a-dia o que a ausência do mágico e do sobrenatural provoca nos horizontes de vida das pessoas.
Eles não devem ser desprezados, pois configuram realidades plenas de sentido. Durkheim já reputava que “todas as religiões conhecidas foram, de uma forma ou de outra, sistemas de ideias, tendendo a abarcar a universalidade das coisas e dar-nos uma representação total do mundo” [As Formas Elementares de Vida Religiosa, Editora Paulus, 2001].
E não foi em outro lugar senão na sociedade que fomos buscá-las para projetá-las em nossa representação do mundo: “A sociedade é que forneceu o modelo sobre o qual trabalhou o pensamento lógico”. A religião assume assim “um sentido e uma razão que até o racionalista intransigente não pode desprezar”, segundo Durkheim. Seu objetivo principal não seria dar ao homem uma representação do universo físico, e sim, um sistema de noções, através do qual os indivíduos compreendessem a sociedade de que são membros, e as relações, obscuras mais íntimas, que mantêm com ela.
A secularização impôs o acolhimento das explicações da ciência. Porém, pela sua própria natureza, a ciência não dá conta de satisfazer os anseios por explicações mais amplas e profundas, de modo que a secularização não significou um aumento linear da não crença. A ciência não pode nem consegue substituir as crenças, tanto que a sociedade, com toda sua carga de ciência, não se encontra mais descrente ou cética, muito pelo contrário.
Para horror dos céticos, os sistemas de crenças religiosas interagem com as demais esferas da vida social, notadamente a ciência. A modernidade produziu uma secularização ambivalente, dessacralizando e ao mesmo tempo mitificando o profano, ou aquilo que o filósofo e historiador romeno das religiões Mircea Eliade (1907-1986) chamou em seu clássico livro O Sagrado e o Profano: A Essência das Religiões [Livros do Brasil] de “camuflagem do sagrado”.
De personalidade polifacética, difícil de ser enquadrada num sistema de pensamento, influenciado significativamente pela sociologia de Durkheim e pela historiografia francesa da Escola dos Annales, foi o mais admirado fora dos círculos acadêmicos e a quem mais opuseram resistência determinadas correntes ortodoxas.
Eliade sempre se contrapôs a qualquer preconceito de natureza positivista, rechaçando os céticos e ateus com a constatação de que a cultura secularizada dos nossos dias não conseguiu eliminar os mitos da consciência do homem. Eles estão vivos, mais do que nunca, disfarçados nas revoltas sociais e políticas, na contracultura, em movimentos ecológicos e nos casos da Ufologia.
“Inteligibilidade inconsciente”
Numa antológica frase que escreveu em seu diário, sintetizou a importância da religião em nossas vidas: “O homem moderno, radicalmente secularizado, vê a si próprio e se proclama ateu, não religioso ou, ao menos, indiferente. Porém, se engana. Ele não conseguiu abolir o homem religioso que vive nele. Isso significa que se tornou ‘pagão’ sem querer. Nunca existiu, até o momento, uma sociedade irreligiosa e, acredito, não poder existir. Contudo, se isso acontecesse, sucumbiria ao cabo de algumas gerações, de tédio, neurose ou em virtude de um suicídio coletivo”.
Na acepção de Eliade, a irrupção e a persistência do sentimento religioso se explicariam, antes de tudo, por uma profunda insatisfação do homem com a sua situação atual, com aquilo que se chama condição humana. Sente-se dilacerado e separado. O desejo de recuperar essa unidade perdida é que teria obrigado o homem a conceber os opostos, como aspectos complementares de uma realidade única.
“É a partir de tais experiências existenciais, desencadeadas pela necessidade de transcender os contrários, que se articularam as primeiras especulações teológicas e filosóficas. Antes de se tornarem conceitos filosóficos por excelência, o Um, a Unidade e a Totalidade constituíam nostalgias que se revelavam nos mitos e nas crenças e se enalteciam nos ritos e nas técnicas místicas” [Mefistófeles e o Andrógino, 1991].
Ao tratar a religião como um universo cognitivo, Durkheim já acentuava a dimensão lógica subjacente a esse sistema de conhecimento, afastando a ideia de que seria simples ilusão. Para ele, dificilmente um fenômeno constante ao longo da história dos homens poderia ser resultado de mero equívoco. O mesmo poderíamos dizer com relação à Ufologia. Será que um fenômeno que tem persistido por mais de 60 anos e que já foi presenci
ado por uma grande parcela da humanidade seria fruto de mera ilusão, como têm insistido os céticos?
O Fenômeno UFO é reduzido por eles a um sistema de quadros e imagens alucinatórias, a uma imensa metáfora dos tempos contemporâneos. A origem dos fenômenos ufológicos está situada na incapacidade das testemunhas em distinguirem, como a criança, o real do sobrenatural, e por entenderem que no fundo eles representariam uma espécie de confusão de natureza lingüística.
A aparente eficácia desses princípios serve de fundamento à crença que depositam numa inteligibilidade, numa racionalidade do real. Admitem até que o fenômeno parta de uma base real, a saber das crises sociais, psicológicas e existenciais e das sensações provocadas pelos fenômenos da natureza, mas que, pela distorção e projeção do inconsciente, assumem formas extravagantes.
O crente em UFOs viveria, pois, como o delirante, dominado pelo onírico. A Ufologia não passaria, em suma, de um desenvolvimento parasitário do misticismo, calcado em concepções aberrantes e imaginárias.
É inadmissível, com efeito, que sistemas de ideias como da Ufologia, que ocupam um lugar tão considerável na história, não sejam mais que tramas de ilusões e enganações. Como vã fantasmagoria não teria podido modelar as consciências humanas tão fortemente e por tanto tempo. Toda a questão está em saber, excetuando as fraudes, a que reinos da natureza se vinculam essas realidades e o que pôde determinar os homens a concebê-las dessa forma singular, que é próprio do pensamento religioso.
O postulado da sociologia, conforme assinalou Durkheim, “é que uma instituição humana não poderia repousar sobre o erro e a mentira: sem isso ela não conseguiria durar. Se não tivesse por base a natureza das coisas, encontraria nas coisas resistências que não conseguiria vencer”. Portanto, quando enfrentamos o estudo das religiões primitivas já temos a certeza de que se prendem ao real e que o exprimem.
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