O político e literato Rui Barbosa, na introdução de Viagens de Gulliver [Editora Tecnoprint, 1961], escreveu: “Tão substancialmente se confunde, em Swift, a obra com o homem, que os seus escritos olham para a posteridade como máscaras modeladas no rosto de um vivo”. Na acepção do crítico literário Eugênio Gomes, “a obra de Swift acha-se tão entrelaçada com os acontecimentos capitais de sua vida solitária, que seria francamente inútil querer apreciá-la apenas pelo prisma estético”. Jonathan Swift nasceu em Dublin, Irlanda, em 30 de novembro de 1667. Filho póstumo de pai pobre, foi criado por um tio. Aos 14 anos, ingressou na Universidade de Trinity, por onde passou sem deixar mostras de inteligência excepcional ou meramente brilhante — muito pelo contrário. Entregue a jogos de cartas e à poesia, não manifestou interesse por quaisquer outras coisas.
O aluno não queria entender de lógica, metafísica, filosofia, matemática e outras matérias do currículo, e no breve espaço de dois anos sofreu mais de 70 punições por irregularidades de conduta. A concessão do grau de bacharel só foi deferida por uma condescendência especial da congregação. Em 1688, Swift transferiu-se para Leicester e, de 1689 a 1695, serviu como uma espécie de secretário particular de William Temple, ilustre estadista e literato da época, com o qual seus tios maternos mantinham antigas relações. Seu orgulho não permitia que se conformasse com a situação subalterna. Devorado pela ambição, aderiu à Igreja Anglicana, ordenou-se sacerdote e ingressou na política, pondo a pena a serviço sucessivamente dos whigs e dos tories, na
esperança de obter um bispado. No cargo de diretor do jornal Examiner, tornou-se temido e acabou decano da catedral de Saint Patrick, em Dublin, onde, depois de anos de atrozes sofrimentos físicos infligidos por uma doença incurável, morreu.
Escrito em 1720, Viagens de Gulliver, seu maior livro, pertence ao gênero clássico das viagens imaginárias, e parte dos recursos tradicionais — aventuras, naufrágios, ilhas estranhas — nos conduz a um “mundo irreal” repleto de monstros terríveis, anões e gigantes. Sem querer despertar no leitor uma credibilidade que torne o medo e a angústia possíveis, Swift pretendeu explorar a defasagem que subsiste entre o mundo normal e o desconhecido, afinar nosso espírito crítico e nos fazer refletir. Sua descrição obedece a intuitos de sátira e sob esse disfarce Swift vilipendia não só os costumes da Inglaterra, como também os de toda a sociedade humana. Os relatórios de viagens detalham pormenores que parecem completamente naturais e exatos, embora não passem de transições sabiamente dosadas às regiões criadas pela sua imaginação. No entanto, ao que parece, o autor descreve uma viagem em uma nave alienígena e a um outro planeta, como se verá neste trabalho.
Venerado e temido como um Deus
Quatro foram as viagens de Gulliver. A primeira à ilha de Lilliput, o país dos anões, onde Gulliver seria venerado e temido como um Deus. A segunda foi à dos gigantes, onde a mesma pessoa se vê reduzida à estatura de um ridículo inseto. A terceira à dos sábios, onde descobre a pequenez da inteligência humana e de seus ideais. Por fim, à ilha dos cavalos, onde se depara com criaturas nobres e em tudo superiores à miserável humanidade. O gênio do autor não deixou inexplorada nenhuma das possibilidades oferecidas por um assunto tão rico e sugestivo. A parte notável que desafia o juízo do leitor moderno é o relato da Ilha Volante ou Flutuante de Laputt, contida no capítulo Travels Into Several Remote Nations of the World [Viagens em Diversos Países Remotos do Mundo]. É aqui que surgem indícios da referida viagem em uma nave. Depois que retornara do país dos gigantes, Gulliver fizera outras expedições a várias ilhas desconhecidas. Em uma delas, viu o céu nublar. Negras sombras pareciam envolvê-lo quando, subitamente, apareceu a silhueta desmesurada de uma plataforma suspensa no espaço.
Com auxílio de uma luneta, observou os habitantes da misteriosa ilha, de formato circular. Imensos terraços circundavam o “disco”, do qual uma gente completamente desconhecida lhe acenava. Gesticulando sempre, conseguiu Gulliver aproximar-se discretamente. O idioma dos ilhéus soava semelhante ao italiano. As vestes eram da cor do Sol e da Lua. Usavam instrumentos diferentes dos nossos. Sobre a superfície inferior, erguia-se o casario e o palácio do rei. A ocupação maior do soberano era entreter relações comerciais com os povos das outras ilhas. No centro ficava a cabine dos astrônomos, que regulavam os movimentos do imenso disco. A ilha aérea se movia com rotação sobre um eixo de diamante. Uma verdadeira navegação, que permitia aos seus habitantes defender-se dos rigores das intempéries. No caso de uma desavença com inimigos, poderia o rei ordenar que a ilha ficasse suspensa sobre uma determinada cidade ou zona, privando-a do Sol ou da chuva, causando, desta maneira, graves prejuízos à agricultura. Durante as guerras, bombardeava-a com grandes blocos de rocha — nunca o gigantesco disco baixava a terra. Sempre no espaço, a ilha de Gulliver foi a admirável precursora, dois séculos antes, do maior e mais discutido enigma do século 20.
Acompanhemos a descrição que Swift faz da aproximação e abordagem da ilha: “Caminhei durante algum tempo entre as rochas. Estava o céu perfeitamente claro, e o Sol tão quente, que tive de voltar o rosto para outro lado. Quando obscureceu, segundo julguei, de maneira muito diversa da que provoca a interposição de uma nuvem, voltei-me e percebi um vasto corpo opaco entre mim e o Sol, que se movia para frente, em direção à ilha. Parecia estar a cerca de 200 milhas de altura [330 km], e escondeu o Sol durante seis ou sete minutos. À medida que se avizinhava do sítio em que eu me achava, parecia tratar-se de uma substância firme, de fundo chato, liso e muito brilhante, à conta do reflexo do mar, embaixo. Eu estava em pé em um outeiro, a 200 jardas da praia [180 m], e vi descer aquele vasto coro, até ficar em uma posição paralela a mim, a menos de uma milha de distância [1,6 km]. Saquei a luneta do bolso e divisei perfeitamente grande número de pessoas que subiam e desciam pelos seus bordos, aparentemente em declive — mas não pude distinguir o que fazia aquela gente”.
Descrevendo uma nave ali
enígena
O autor continua sua narrativa: “O amor natural à vida despertou em mim um movimento interior de alegria, e não tardei a alimentar a esperança de que essa aventura poderia, de uma forma ou de outra, ajudar a libertar-me do lugar desolado e da triste condição em que eu me achava. Ao mesmo tempo, no entanto, dificilmente poderá conceber o leitor o meu assombro ao contemplar uma ilha suspensa no ar, habitada por homens, capazes de fazê-la subir, baixar ou de imprimir-lhe um movimento progressivo, a seu bel prazer. Mas como eu não estivesse, naquela ocasião, disposto a filosofar sobre o fenômeno, preferi observar o curso que tomava a ilha, que pareceu estacionar durante algum tempo. Logo depois, contudo, aproximou-se um pouco mais, e eu pude ver os bordos circundados de várias séries de escadas e galerias, a intervalos iguais que desciam de uma para a outra.
Os relatórios de viagens detalham pormenores que parecem completamente naturais e exatos, embora não passem de sua imaginação. No entanto, ao que parece, o autor descreve uma viagem em uma nave alienígena e a um outro planeta
“Na galeria inferior, vislumbrei algumas pessoas que pescavam com varas compridas, e outras, que olhavam. Agitei o gorro e o lenço na direção da ilha. Quando ela chegou ainda mais perto, chamei e gritei o mais alto que pude. Olhando, atentamente, notei uma multidão reunida no lado que defrontava comigo. Vendo que todos apontavam para mim e uns para os outros, depreendi que haviam me descoberto, se bem que não respondiam aos meus gritos. Mas pude notar quatro ou cinco homens que subiam às pressas as escadas e até em cima da ilha, desaparecendo em seguida. Sucedeu-me conjeturar com acerto que haviam sido mandados à procura de alguma pessoa de autoridade que lhes desse instruções para o caso. O número de pessoas aumentou e, em menos de meia hora, a ilha se moveu de tal maneira que a galeria inferior assumia uma posição paralela, a menos de 100 jardas de distância [90 m], à eminência em que eu me achava. Conferenciaram gravemente umas com as outras, fitando em mim frequentemente os olhos”.
“Uma delas, afinal, falou em um dialeto claro, agradável e suave, não muito diverso no som, do italiano. Eu respondi nessa língua, esperando, pelo menos, que a cadência lhes fosse mais agradável aos ouvidos. E se bem nenhum de nós entendesse o outro, foi claramente compreendido o significado das minhas palavras, pois todos viam a aflição em que eu me encontrava. Fizeram sinais para que eu descesse do rochedo e me dirigisse à praia, o que fiz. Elevada a ilha volante a uma altura apropriada, ficando o bordo exatamente sobre mim, foi descida uma corrente da galeria inferior, com um assento preso à extremidade, ao qual me segurei, e fui, destarte, puxado para cima por meio de polés”.
Multidões de seres não humanos
Ao descer da cadeira, Gulliver é cercado por uma multidão de pessoas que indubitavelmente não eram oriundas da Terra, em mais um indício claro de que o autor se refere, na verdade, à outra situação: “Contemplavam-me com todas as mostras e expressões de assombro. Nem eu, em realidade, lhes ficava a dever, pois nunca vira uma raça de mortais de formas, vestes e feições tão singulares. Tinham a cabeça inclinada, ou para a direita, ou para a esquerda. Um dos olhos era voltado para dentro e o outro, diretamente para o zênite — adornavam-lhes os trajes exteriores figuras de sóis, luas e estrelas, entremeadas de representações de violinos, flautas, harpas, trombetas, guitarras, cravos, e muitos outros instrumentos musicais, desconhecidos na Europa”.
Entraram, afinal, no palácio e passaram à sala de audiências, onde se via o rei sentando em seu trono, e defronte dele “havia uma mesa grande cheia de globos, esferas e instrumentos matemáticos de toda a sorte”. Mostraram-lhe em um dos livros, “as figuras do Sol, da Lua e das estrelas, o zodíaco, os trópicos, os círculos polares, com a denominação de muitos planos e sólidos”. Um professor explicou-lhe que o povo da ilha tinha os ouvidos adaptados para ouvir a música das esferas, que soava sempre em certos períodos. O conhecimento que tinha da matemática ajudou Gulliver no aprendizado da fraseologia daquele povo, que depende em grande parte dessa ciência e da música, em que eu também não era leigo — as ideias deles se referiam perpetuamente a linhas e figuras. “Quando, por exemplo, querem exaltar a beleza de uma mulher, ou de outro animal qualquer, descrevem-na por meio de rombos, círculos, paralelogramos, elipses, e outros termos geométricos, ou por meio de palavras de arte, tiradas da música”.
Gulliver pediu permissão ao monarca para ver as curiosidades da ilha, descrita da seguinte forma: “A Ilha Volante ou Flutuante é exatamente circular. Seu diâmetro é de 7.837 jardas, mais ou menos [7.000 m]. Ela contém 10 mil acres [4.000 hectares], com uma grossura de 300 jardas [270 m]. O fundo, ou superfície inferior, que aparece aos que a veem de baixo, é uma placa lisa e regular de diamante, que mede 200 jardas de altura [180 m]. Sobre ela jazem os diversos minerais em sua ordem habitual e, acima de tudo, há um manto de terra vegetal muito rica, de 10 ou 12 pés de profundidade. O declive da superfície superior, da periferia para o centro, é a causa natural de ser convertido o orvalho e a chuva que cai sobre a ilha em pequenos riachos que correm para o meio, onde desembocam em quatro bacias grandes, cada qual de meia ilha de circunferência, mais ou menos a 200 jardas do centro [180 m]”.
Ilha ou nave circular voadora?
“No centro da ilha há uma abertura de 50 jardas de diâmetro [45 m], por onde descem os astrônomos a uma grande cúpula, que é, por isso, denominada Flandona Gagnole ou Cova dos Astrônomos, situada a uma profundidade de 100 jardas [90 m] da superfície superior do diamante. Ardem nessa cova, continuamente, vinte lâmpadas que, refletidas no diamante, projetam uma luz forte para todos os lados. Encontra-se armazenada nesse lugar uma variedade de sextantes, quadrantes, telescópios, astrolábios e outros instrumentos astronômicos”.
A citada ilha circular voadora, controlada por um imã de grandes dimensões, lembra um gigantesco disco voador acionado por eletromagnetismo. “Mas a maior curiosidade da qual depende o destino da ilha é uma pedra-ímã de tamanho prodigioso semelhante, no formato, a uma lançadeira de tecelão. Mede seis jardas de comprimento [5 m] e, na parte mais grossa, pelo menos mais três. Esse imã é sustentado pelo fortíssimo eixo de diamante, que lhe passa pelo meio, sobre o qual joga, estando equilibrado com tamanha exatidão que pode virá-lo a mais fraca das mãos. É rodeado por um cilindro oco de diamante, de quatro pés de profundidade, outros tantos de grossura e 12 jardas de diâmetro [11 m], colocado horizontalmente, e sustentado por oito pés, também de diamante, com seis jardas de altura cada um [5 m].
O magnetismo que determina o movimento da ‘ilha voadora’ é o mesmo princípi
o que rege o funcionamento dos UFOs, segundo o relato da maioria dos contatados e abduzidos, algo determinado pelas forças de gravitação dos astros e planetas
Continua a narrativa: “No meio do lado côncavo há um encaixe de 12 polegadas [30 cm] de profundidade, no qual se encaixam as pontas do eixo, que giram quando se faz mister. A pedra não pode ser mudada de lugar por força nenhuma, porque o aro e os pés são continuação do corpo de diamante que constitui o fundo da ilha. Por meio dessa pedra-ímã faz-se com que a ilha suba e desça, e se mova de um lugar para outro. Pois, no tocante à parte da terra a que preside o monarca, a pedra é dotada, em um dos lados, de uma força atrativa e, do outro, repulsiva. Colocando-se o ímã em pé, com a ponta atrativa voltada para a terra, a ilha desce. Mas quando a extremidade repulsiva aponta para baixo, a ilha sobe. Quando é oblíqua a posição da pedra, o movimento da ilha é oblíquo também. Nesse ímã atuam sempre as forças em linhas paralelas à sua direção”.
O magnetismo que determina o movimento da “ilha voadora” é o mesmo princípio que rege o funcionamento dos UFOs, pelo menos segundo o relato da maioria dos contatados e abduzidos. O magnetismo no sentido cósmico é determinado pelas forças de gravitação dos astros e planetas: é a interação mútua das mesmas que mantêm o equilíbrio cósmico. No aproveitamento dessas forças parece estar baseada a técnica motriz dos UFOs. O governo norte-americano concedeu subvenções a numerosos centros científicos destinadas à investigação dos efeitos e do impacto da força da gravidade, já que o domínio do estado da falta de gravidade pode ser a chave do segredo dos discos voadores, e a nação que primeiro dominar esse segredo possuirá uma força muito superior à de qualquer projeto atômico.
Mesma lei de gravitação
Contudo, o que mais espanta no livro é a menção feita aos dois satélites de Marte, descobertos “graças aos elevados conhecimentos dos astrônomos da ilha voadora”. Construíram eles poderosíssimos telescópios, com os quais pesquisaram os confins do universo e encontraram os satélites do planeta. Todos sabem que Marte possui dois satélites, Deimos e Phobos, ambos descobertos por Asaph Hall, do Observatório de Washington, em agosto de 1877 — mas ocorre que Swift escreveu o livro em 1720, ou seja, 157 anos antes da descoberta oficial dos dois satélites.
Há ainda outro enigma, bem mais instigante: ao referir-se aos dois satélites de Marte no terceiro capítulo da terceira parte de seu livro, Swift disse: “Foram descobertas duas estrelas menores, ou satélites, que giram em volta de Marte. A mais interna das quais dista do centro do planeta primário exatamente três anos do seu diâmetro, e a mais externa, 5. Gira a primeira no espaço de 10 horas, e a segunda, 21 e meia. Por maneira que os quadrados dos seus tempos periódicos estão quase na mesma proporção dos cubos de suas distâncias do centro de Marte. Isso mostra, evidentemente, serem eles governados pela mesma lei de gravitação que rege os outros corpos celestes. Observaram os astrônomos noventa e três planetas diferentes e calcularam os seus períodos com suma precisão. Se isto fosse verdade, era muito para desejar que publicassem as suas observações, pelas quais a teoria dos cometas, ainda incipiente e defeituosa seria levada à mesma perfeição, que atingiu outras partes da astronomia”.
Os satélites de Marte, Phobos e Deimos, que em grego significam respectivamente medo e terror, foram descobertos por Hall em 11 e 17 de agosto de 1877. Constituem verdadeiras raridades em nosso Sistema Solar, tanto por seu tamanho como curta distância do planeta principal e período de revolução, também pequeno. O diâmetro de Phobos, a maior das duas luas, é de cerca de apenas 16 km. Situa-se a aproximadamente 9.000 km da superfície de Marte. Em 1944, no Observatório Naval dos Estados Unidos, B. P. Sharpless descobriu que Phobos apresenta uma aceleração secular. De fato, Phobos constitui o único caso conhecido de satélite cujo período de revolução em torno do planeta [7 horas, 39 minutos e 14 segundos] é mais curto do que o período de rotação deste ao redor de seu próprio eixo [24 horas, 37 minutos e 23 segundos]. Isso faz com que, em um dia de Marte, Phobos dê três voltas ao seu redor, nascendo no oeste e morrendo no leste.
O outro satélite, Deimos, de brilho mais fraco ainda, tem um raio que parece não ser maior do que 3,5 km, e sua distância do planeta é de cerca de 23.000 km. Efetua uma revolução sideral em 30 horas, 17 minutos e 55 segundos, e, por conseguinte, embora se atrase em relação ao movimento de rotação do planeta e seu ocaso se dê a oeste, sua passagem por um determinado meridiano é lenta e o intervalo entre duas passagens consecutivas é de cerca de 130 horas. As órbitas realizadas pelos dois satélites são quase circulares. Swift previu, portanto, não só a existência deles como também forneceu quase que exatamente suas distâncias de Marte e seus períodos de revolução. Vale dizer ainda que as duas luas ganharam notoriedade em 1960, quando o astrofísico russo I. S. Shklovsky, após examinar a aceleração secular de Phobos, concluiu que nenhuma força celeste conhecida poderia explicá-la, comparando seu comportamento orbital ao dos satélites artificiais da Terra.
Phobos, portanto, seria um satélite artificial construído e lançado por uma civilização marciana avançada, agora extinta. Essa declaração, partindo de um eminente astrofísico, eletrizou o imaginário dos ufólogos. Tão confiantes ficaram alguns deles que elaboraram teorias sobre a origem dos “satélites artificiais” marcianos. Outros simplesmente mencionavam isso como prova de seus argumentos a favor da existência de seres extraterrestres. Tais especulações ruíram abruptamente apenas 11 anos depois, quando a sonda Mariner 9 enviou fotografias de Phobos à Terra. Constatou-se que as luas possuíam “marcas de varíola” e crateras — as órbitas incomuns deviam-se às suas dimensões e tamanhos irregulares.
Comunicação interplanetária
Saltando para o século XX, encontraremos casos ufológicos deveras semelhantes ao vivenciado por Gulliver. A grande maioria dos habitantes das regiões montanhosas a sudoeste de Nova Guiné nun
ca sequer tinha ouvido falar em discos voadores. Assim, quando na noite de 25 de julho de 1959, três montanheses — Vera, Monten e Kute — viram um imenso objeto redondo mover-se vagarosamente nos céus, acima dos coqueiros, não encontraram palavras para descrevê-lo. Chegando ao estabelecimento missionário de Menapi, tentaram descrever, em língua nativa, o desconhecido. O reverendo Norman Cruttwell, em seu artigo Discos Voadores sobre a Papuásia, na revista Flying Saucer Review de agosto de 1971, relata como resolveu os problemas de comunicação: “Para obter melhores esclarecimentos, peguei um prato e uma xícara. Virando o prato para baixo, coloquei a xícara, também de cabeça para baixo, em cima dele. ‘Sim’, eles falaram, ‘exatamente assim, mas deste jeito’. E viraram meu braço até que eu ficasse com o prato no sentido vertical, apoiado na borda, com a xícara saliente lateralmente. Confirmei, fazendo um desenho em um pedaço de papel — o objeto era uma nave redonda, côncava na parte de baixo, com uma cúpula em cima, mas virado de lado e voando conduzido pela cúpula iluminada”.
A comoção da Papuásia resultou em nada menos do que 79 relatórios detalhados de visões. A maioria deles veio de Boianai (18), Baniai (13) Ruabapain (7), Dagura (6), Dabora (5) e Giwa (4). Os demais casos distribuíam-se com certa regularidade pela parte oriental de Papua, nas localidades de Giwa, Manapi e Ruaba Plain. O principal contato envolveu a missão anglicana de Boianai. Na noite de 26 de junho, depois do jantar, o reverendo William Melchior Gill saiu para respirar ar fresco. Olhou para o céu e viu Vênus, mas ao lado deste havia uma luz branca muito forte. Parte da observação se fez sob um céu encoberto, com os objetos subindo e descendo através das nuvens e projetando auréolas intensas ao passarem por estas. A atenção de Gill foi atraída para um objeto mais brilhante. A luz assumiu um tom alaranjado e seu brilho diminuiu, deixando visível um engenho de formato circular que se imobilizou a cerca de 100 m do solo. Diversas silhuetas podiam ser observadas na parte superior — quatro “homens” movimentavam-se ali, em um silencioso e misterioso trabalho. Seus contornos eram rodeados por uma estranha luminosidade.
Um feixe de luz azul intermitente partia do aparelho, clareando o céu onde voavam outros pequenos objetos. Nesse ínterim, a população inteira de Boianai já tinha se reunido para assistir a esse estranho espetáculo aéreo que duraria quase 4 horas, após as quais o engenho se afastaria lentamente, perdendo altitude. Os espectadores correram em direção à praia, mas o artefato retomou altura e desapareceu. Logo, toda atividade insólita cessou e começou a chover. O disco e seus ocupantes retornariam no dia seguinte. Às 18h00, Annie Laurie Brown, uma das nativas de Papua, entrou correndo no escritório de Gill e alertou-o sobre o que estava novamente acontecendo no céu.
Barulho maior que de um trovão
O Sol já tinha se posto mas ainda havia claridade, de modo que Gill viu dois discos pequenos — um acima das colinas a oeste e outro sobre o estabelecimento dos missionários — e uma imensa nave, suspensa bem próxima, em cujo “convés superior” postavam-se quatro figuras. Gill descreveu assim o momento: “Enquanto olhávamos, iam saindo homens do que parecia ser o convés de um disco gigantesco. Uma figura parecia olhar-nos. Todos os rapazes da missão mostraram seu espanto ruidosamente. Havia quatro figuras humanas na parte de cima. Estendi meu braço e acenei. Para nossa surpresa, uma delas fez o mesmo. Fiz gestos com os dois braços, e então mais duas figuras fizeram a mesma coisa”.
O reverendo e 38 membros da comunidade missionária ficaram acenando e piscando faroletes, e depois de um ou 2 minutos, a nave aparentemente reconheceu e respondeu fazendo diversos movimentos oscilantes, como um pêndulo. Finalmente, quando caiu a noite, as figuras desapareceram no “convés inferior” e todos os observadores entraram na igreja para orar. Um pouco mais tarde, nessa mesma noite, um ruído ensurdecedor, feito uma forte explosão, abalou a missão e acordou toda a ilha. Chovia, mas o barulho foi muito maior do que o de um trovão. Os visitantes voltaram ainda na noite seguinte e no fim dessa derradeira observação ouviu-se novamente um barulho infernal.
O relatório desse caso, incluído no Projeto Blue Book, de autoria do adido da Real Força Aérea Australiana (RAAF), contêm dados semelhantes aos do reverendo Cruttwell. Apesar dos testemunhos abalizados, o projeto Blue Book pôs à parte o caso, considerando-o uma interpretação errônea de corpos astronômicos e negligenciando que muitas das observações foram feitas em céu encoberto. A RAAF não acrescentou muito: “Não chegamos a qualquer conclusão sobre o relatório e as consultas feitas ao Reino Unido e aos EUA nada vieram a acrescentar. Como resultado, estes casos foram classificados como fenômenos aéreos. Porém, o mais natural é que fossem uma grande luz de origem desconhecida refletida nas nuvens”.
Intrigado com o caso e desapontado com as assertivas das forças aéreas, em 1974 o astrofísico J. A. Hynek visitou Boianai acompanhado do reverendo Cruttwell. Localizaram seis testemunhas originais, e apesar dos fatos terem se passado 15 anos antes, não haviam sido arrefecidos. Cruttwell atuou como intérprete junto aos nativos. Em princípio, muitos deles julgaram que Hynek representava o governo, e por isso não se abriram. Mas em pouco tempo as informações começaram a sair espontaneamente: “Ao ver as expressões faciais e os gestos dos nativos, fiquei com a sensação de que o caso tinha sido real”, avaliou Hynek. Os arquivos do Blue Book contêm notas redigidas por Gill e transmitidas oficialmente ao projeto pelo adido da Real Força Aérea Australiana (RAAF).
Aparelho não identificado
O reverendo Gill pediu às testemunhas que fizessem desenhos, abaixo dos quais deviam incluir suas assinaturas. Eram ao todo 28 pessoas adultas, das quais 25 assinaram o relatório. Além de Gill, o grupo era formado por cinco professores papuanos e três médicos. Gill c
ontou o caso a Hynek, como já o tinha feito a outras pessoas. Eis o que relatara na ocasião: “À medida que observávamos, saíram homens do interior do objeto e apareceram no topo deste, no que parecia ser um convés. Havia ao todo quatro homens, ocasionalmente dois, depois um, depois três, depois quatro.
Anotamos as várias vezes em que os homens apareceram. Mais tarde, todas aquelas testemunhas assinaram seus nomes e concordaram que se tratava de seres de alguma espécie no próprio objeto. Na segunda noite, ficamos a observar o que se passava ao ar livre. Apesar do Sol ter se posto atrás das montanhas, ainda houve bastante luz durante os 15 minutos que se seguiram. Vimos figuras aparecendo na parte superior — quatro ao todo —, e não há dúvidas de que eram humanas. Este era provavelmente o mesmo objeto que eu vi na noite anterior, e que me parece ser a nave-mãe. Foram ainda vistos dois UFOs menores, parados”.
O que as notas do reverendo contam a seguir causaram muita controvérsia. Às 18h30, Gill retornou à casa principal da missão para jantar. Perguntou-se como seria possível que no meio de tanta agitação, ele possa ter conseguido jantar calmamente. Hynek postulou que Gill era um homem calmo. Além disso, já era a segunda noite das aparições e ele tinha observado os objetos durante quatro horas e meia na noite anterior. Quando Hynek falou com Gill em Melbourne, Austrália, perguntou-lhe qual a razão de tal comportamento. Gill confessou: “Às vezes, quando me lembro do que fiz, interrogo a mim mesmo o porquê disso. Ocorre que eu pensava que se tratava de um aparelho dos Estados Unidos”.
Diversas silhuetas podiam ser observadas na parte superior do objeto. Eram quatro ‘homens’ que se movimentavam ali em um silencioso e misterioso trabalho. Seus contornos eram rodeados por uma estranha luminosidade
Um detalhe a ser destacado é que a rotina religiosa não foi quebrada com as aparições. Gill acabara de jantar às 19h00 e o UFO continuava no mesmo local, embora parecesse menor. Em seguida, todo o pessoal se dirigiu à igreja para cantar os hinos, como era de hábito. Para o grupo de Boianai, o jantar e os hinos faziam parte de uma rotina rígida, cumprida sem contestação. Não há dúvidas de que quando certos atos sagrados estão firmemente estabelecidos, constituindo um rito, eles não podem ser facilmente quebrados por fatores externos, a menos que estes se interponham de modo violento. Nem mesmo um UFO seria capaz de alterar isso. Hynek mencionou uma carta que recebeu de um rapaz inglês em idade escolar descrevendo um caso típico, ocorrido à luz do dia — o disco desceu lentamente como se fosse uma “folha de árvore”, segundo o jovem. “E depois chegou a hora do chá”, momento em que o rapaz voltou para casa, deixando o disco voador do lado de fora.
Depois dos hinos, o céu cobrira-se de nuvens, não permitindo que nenhum objeto fosse avistado. Às 22h40min, os apontamentos de Gill dizem que “Houve uma enorme explosão junto à casa da missão. Não se conseguiu ver nada”. De acordo com Cruttwell, o estrondo fez com que Gill saltasse da cama, assustado, e acordasse todas as pessoas da região. Ninguém soube se o estrondo relacionava-se aos UFOs ou se era apenas mais um fato estranho a integrar a lista dos bizarros acontecimentos. Houve posteriormente um caso que serviu para reforçar as suspeitas iniciais do reverendo Gill de que aparelhos norte-americanos estariam de alguma forma envolvidos. No dia 26, exatamente na mesma época em que se desenrolaram os fatos em Boianai, Ernie Everett avistara um objeto vindo do norte em sua direção. Esverdeado, deixava atrás de si um rastro de chama branco: “Desceu até perto de mim, ficando cada vez maior e abrandando até que pairou a cerca de 150 m. A luz tornou-se mais fraca, exceto nas janelas que se encontravam fortemente iluminadas — o objeto tinha a forma oval e uma espécie de faixa à sua volta, sob a qual havia quatro ou cinco janelas semicirculares”.
Hynek conta em seu livro OVNI: Relatório Hynek [Editora Portugália, 1971] que, no dia seguinte, Everett foi a Boianai cuidar de negócios e os nativos perguntaram-lhe se ele vira aviões RAAF na noite anterior, pois eles os tinham visto em Boianai. A pergunta que fica no ar é: teriam os militares escolhido a ilha para testar protótipos de aeronaves secretas capazes de pairar a algumas dezenas de metros do solo sem emitir ruído? Seriam os tripulantes avistados meros pilotos norte-americanos? Ou teriam eles rumado para a ilha na intenção de investigar as aparições? As respostas para essas perguntas já foram fornecidas por Jonathan Swift, o gênio antecipador do século das luzes.