A Ufologia Mundial, no ano passado, foi marcada por um filme de grande repercussão, Contatos de Quarto Grau [The Fourth Kind], dirigido por Olatunde Osunsanmi e estrelado, entre outros, por Milla Jovovich. Sua exibição nos cinemas do Brasil causou grande polêmica no meio ufológico, especialmente entre os que questionavam se, como alegado por Milla logo no começo da obra cinematográfica, era baseado em histórias reais de contatos com extraterrestres e suas abduções de seres humanos. Assisti recentemente ao filme e confesso que, ingenuamente, estava ansioso para ver até que ponto ele revelaria a realidade das supostas experiências da doutora Abigail Tyler, a psiquiatra que teria tido contatos com ETs e atendido a outras pessoas em condições semelhantes.
Pelas informações e questionamentos que vinha recebendo sobre o filme já sabia que ele apresentava aspectos em desacordo com o que se conhece da pesquisa ufológica, ou que transcendiam aos padrões surgidos das análises de inúmeros casos de contato com ETs, inclusive com os chamados grays [Cinzas]. E como não conhecia nada sobre essa suposta doutora Abigail pelas vias da Ufologia, cheguei inclusive a rever algumas cenas do filme que supostamente apresentariam documentação original de investigações de abduções, tais como gravações de entrevistas com testemunhas e de hipnoses com abduzidos. Minha idéia era assistir Contatos de Quarto Grau e depois procurar mais subsídios sobre toda a história.
Mentira baseada em mentiras
No entanto, a surpresa se revela logo no início da trama, justamente quando Milla — que, ao contrário de quase todo o resto do elenco e de Osunsanmi, é bastante famosa — faz a afirmação de que tudo o que seria mostrado no filme era baseado em experiências reais da tal doutora Abigail, ou seja, que a obra cinematográfica apresentaria fatos legítimos de abduções alienígenas. Mais do que isso, Milla garantia que Contatos de Quarto Grau revelaria parte da própria documentação relativa à investigação dos casos apresentados, incluindo cenas verdadeiras de hipnoses regressivas etc.
Qual é, afinal, o objetivo do estrondoso filme e a verdade sobre as supostas experiências da doutora Abigail Tyler? Nada além de uma trama comercial para atrair público e gerar lucro. Mas o estrago causado à Ufologia pode ter conseqüências sérias e duradouras
Mas até que ponto as cenas de terror apresentadas no filme seriam realidade? Até que ponto a trama tem base em experiências verídicas? Ainda segundo Milla, cada cena e cada detalhe da produção teria sido baseada em material original fornecido pela mencionada doutora Abigail, ou seja, um personagem aparentemente real. Ou ainda que as cenas teriam sido fundamentadas em informações obtidas diretamente pelo diretor Osunsanmi ao longo de inúmeras entrevistas gravadas com a principal personagem dessa história, a própria doutora Abigail. Para documentar isso, Contatos de Quarto Grau apresenta inclusive alguns trechos dessas entrevistas, permitindo que o diretor também se transforme em figura presente na tela.
No passado, quando o caso do norte-americano Travis Walton, clássico indiscutível da Ufologia Mundial e uma das mais bem documentadas e reconhecidas abduções alienígenas de todos os tempos, ganhou as telas com o filme Fogo no Céu [1993], tivemos uma amostra de como o cinema pode distorcer impiedosamente uma história real em vez de a reconstituir. Metade do filme não passa de uma aula de terror da pior qualidade, que nunca fez parte das lembranças e experiências de Walton, quem tive a oportunidade de conhecer em um congresso internacional. Contatos de Quarto Grau repete o feito com requintes de exagero e fantasia raramente vistos antes.
Logo após assistir ao filme, ainda sem qualquer outra informação a seu respeito, já era clara para mim a percepção de que existia algo errado na história. Em certos aspectos, a Ufologia tem muito de investigação policial, e por curiosidade a trama do filme acaba desaguando em uma, já que temos logo no início do roteiro o assassinato do marido da suposta doutora Abigail, na presença da própria, e em seguida ocorrem outros crimes e suicídios de pessoas envolvidas com experiências de contato com ETs — motivados ou inspirados nos próprios desajustes ou desequilíbrios emocionais alegadamente gerados por experiências de abdução.
O desenrolar da trama, aliás, pode até levar à suspeita de que a principal protagonista da produção seria a assassina de seu marido e responsável pelo posterior desaparecimento de sua filha pequena, coisa que o filme apresenta como uma possibilidade, que também é investigada pela polícia da cidade. Na versão da suposta doutora Abigail, sua filha teria sido levada por alienígenas para nunca mais retornar. E no final do filme somos “informados” também de que seu marido, na verdade, teria se suicidado por conta de nefastas experiências com os ETs.
Incongruências que deturpam a Ufologia
Contatos de Quarto Grau chega a mostrar um vídeo que documentaria a chegada de uma nave sobre a residência da médica, que teria trazido os seqüestradores da menina. A gravação — que o diretor faz o espectador presumir ser autêntica — teria sido feita por um policial. Chama a atenção o fato de que a protagonista da história, se verdadeira fosse, tenha tido acesso a coisas que não lhe diriam respeito, como a filmagem supostamente produzida pela polícia local. Fica claro, para qualquer observador mais atento, que a produção não tinha mais como avançar na trama, e então usou tais recursos. Afinal, a cidade de Nome, no Alasca, realmente existe e, segundo o roteiro, os fatos retratados no filme teriam acontecido naquela localidade, no ano de 2000. Assim, não seria difícil verificar a realidade da história. Ou a falta da mesma.
Produzir um filme que seria apresentado como baseado em fatos reais, ocorridos em uma pequena cidade onde todos se conhecem, não seria uma tarefa fácil no caso de uma fraude. A começar pela filmagem da suposta nave, apresentada como uma das principais evidências da legitimidade dos fatos em que se basearia a obra, mas que revela o mesmo tipo de problema técnico visto nos vídeos supostamente originais das hipnoses regressivas também apresentados. Apenas sendo muito condescendentes com os fatos poderíamos supor que o UFO, no caso da filmagem da nave, estaria causando interferência na câmera, fazendo com que quase nada pudesse ser observado, apesar da narrativa emocionada do policial.
Existem sinais de que, nesse ponto da produção, a preo
cupação com a carga emocional que deveria ser passada dentro do preciosismo da edição do filme — realmente brilhante — acabou por gerar uma falha de continuidade, ou pelo menos indícios que levam a um questionamento da autenticidade e da natureza das tais filmagens originais. A seqüência começa com o policial se comunicando pelo rádio da viatura com sua base, revelando sua posição e informando estar vigiando a casa da doutora Abigail. Segundos depois, a câmera que teria filmado a nave passando sobre a residência, como o filme faz questão de ressaltar, estava fixada no interior do carro. O curioso é que, em seguida, a filmagem mostra o mesmo policial já fora do carro, em frente a este, e temos uma narração detalhada do que está acontecendo, feita progressivamente pelo mesmo e em tempo real.
Gravações que não convencem
Mas do que isto, em determinado momento, o policial, ainda fora e na frente do carro, se comunica com a base e pede reforços, pois, segundo ele, Abigail Tyler e família estariam sendo levados para o interior do UFO. Mas a partir do que, se o rádio estava dentro do carro? De um celular? O áudio supostamente original da conversa — como se ela tivesse sido gravada de verdade e usada em Contatos de Quarto Grau — revela até a respiração ofegante do policial. E ao final ele aparece falando sozinho, ainda na frente do automóvel, quando já não existe mais o retorno do som da base policial, seja uma delegacia ou coisa parecida. Como este som foi gravado? Não podemos pensar também que o áudio seja da câmera, já que ela estava no interior do veículo.
O curioso é que a tal interferência da nave na gravação apenas nos impede de ver as cenas detalhadas do aludido processo de abdução, enquanto o áudio supostamente original consegue revelar em detalhes o que estava acontecendo. Afinal, se assim não fosse, não existiria filme. Este é apenas um dos sinais que revelam que as imagens e filmes apresentados como provas cabais das investigações da doutora Abigail foram produzidos para uso na própria obra cinematográfica, ou seja, o filme não usou em momento algum cenas verdadeiras, como no caso de JFK, A Pergunta que Não Quer Calar [1991], para citar um único caso em que há abundância de uso de filmagens verdadeiras.
Existe ainda outro aspecto dessa história que não podemos deixar de comentar. No início de Contatos de Quarto Grau somos alertados para o fato de que os nomes e as profissões dos principais personagens — fora a doutora Abigail Tyler — tinham sido alterados. A interpretação que faço disso é que a aludida estratégia não teve o propósito benevolente de proteger a intimidade dos envolvidos, já que não há envolvidos e tudo é pura invenção, mas foi uma maneira de tentar dificultar qualquer forma de verificação da realidade dos fatos narrados no filme. Entretanto, várias das principais testemunhas, segundo a própria doutora Abigail, já estariam mortas quando da produção da obra cinematográfica, o que é mais um detalhe contra a credibilidade de toda a história.
Padrões fora da realidade
Como toda boa mentira, Contatos de Quarto Grau faz uma mistura de ficção com fatos que transcendem à realidade constatada nas investigações ufológicas, com o objetivo claro de gerar uma dose quase insuportável de terror. A inspiração em enredos ufológicos autênticos existe, especialmente em relação às abduções e ao passado da presença alienígena na Terra, mas com distorções gritantes. O filme chega a apresentar uma relação dos supostos seres por trás dos fenômenos e das abduções com os sumérios, na forma de uma gravação fantasiosa em fita cassete alegadamente original, que conteria um dos alienígenas se pronunciando na língua daquele povo extinto.
Nas seqüências de hipnoses “reais e originais”, segundo Milla Jovovich, que também são encenadas pelos atores do filme, são apresentadas situações completamente alheias à realidade. Os protagonistas dos contatos, incluindo a doutora Abigail, revivem suas experiências com corujas, depois percebidas como sendo os próprios alienígenas. E são justamente estas seqüências as cenas mais impressionantes do filme, depois do assassinato dos familiares por um dos abduzidos. Elas acabam por revelar que, nos instantes em que estão revivendo suas experiências, os protagonistas manifestam efeitos físicos e fisiológicos assustadores, que os transformam radicalmente através de golpes na coluna cervical e fratura de ossos. Na ótica apresentada, ao reviverem suas experiências em sessões de hipnose, os supostos abduzidos se transformam em pessoas que passarão o resto de seus dias em uma cadeiras de rodas. Acredite o leitor se quiser, mas esta é a história revelada na obra do diretor Olatunde Osunsanmi.
Quem investiga de maneira aprofundada as abduções alienígenas sabe que é comum, mesmo no início do transe hipnótico de uma sessão de regressão, os protagonistas de tais experiências não conseguirem encarar de frente a realidade, evitando reconhecer a natureza dos seres envolvidos no processo de seqüestro. A imagem de corujas apresentada como sendo a lembrança dos personagens do filme não é incomum. Ao contrário, esta é uma das “máscaras” iniciais na memória de muitos abduzidos. Mas as corujas, que na verdade são as entidades extraterrestres de casos reais estudados pela Ufologia, são bem menos malignas do que as entidades por trás das experiências de Contatos de Quarto Grau.
Coruja de mais de um metro de altura
A existência de máscaras na interpretação da fisionomia ou de cenas envolvendo os abdutores está presente na Ufologia, e eu mesmo já encontrei casos assim, como o de uma testemunha da cidade de Araruama (RJ) que me reportou o avistamento de uma nave e acabou por revelar que tinha a perfeita lembrança de ter, na mesma noite e local da experiência, e de
maneira incompreensível para ela, ficado frente a frente com uma coruja de mais de um metro de altura, que a observava. A pessoa, entretanto, não virou uma suicida e muito menos matou o resto de sua família, como um dos supostos abduzidos investigados pela principal protagonista de Contatos de Quarto Grau.
É importante notar que muitas vezes existe um grau de perplexidade e de instabilidade gerado pelo processo de contato com outras espécies cósmicas, na maioria dos casos provocado pela total incompreensão da testemunha do que está acontecendo e porque está acontecendo. O filme de Olatunde Osunsanmi, entretanto, substitui esta realidade por um clima de total insanidade, capaz de levar um abduzido a assassinar sua própria família e depois cometer o suicídio. Simplesmente não há um único caso registrado na casuística ufológica mundial em que algo sequer semelhante tenha ocorrido.
Uma coisa é interpretar de forma negativa o fenômeno das abduções alienígenas, como ainda fazem pesquisadores que não conseguiram perceber os sinais que estão aflorando após as investigações, que parecem revelar o verdadeiro sentido de tais experiências, relacionados à própria evolução da humanidade. Outra coisa totalmente diferente é produzir um filme de terror afirmando ser baseado em experiências reais, que são de conhecimento exclusivo de seus produtores e de uma suposta psiquiatra chamada Abigail Tyler, cujas únicas referências encontradas estão em sites relacionados ao filme, lançados pouco tempo antes da estréia da obra através de uma cara campanha publicitária. Evidentemente, isto levantou suspeitas e acabou levando à descoberta de que nunca existiu uma doutora Abigail Tyler clinicando no Alasca. E nem em lugar algum da Terra.
Falsas alegações em cima de coisa séria
Contatos de Quarto Grau foi duramente criticado nos Estados Unidos justamente por este motivo: a falsa alegação de se tratar de uma história real. A única informação passada pelo filme que parece ter uma tênue ligação com a realidade é referente aos desaparecimentos misteriosos de pessoas ocorridos na região onde a produção teve seu roteiro ambientado. Mas talvez esta possa ter sido uma das principais inspirações para a escolha da cidade de Nome. Afinal, agentes do FBI realmente passaram a ser vistos com freqüência na região em busca de uma explicação para os sumiços.
Seja como for, não há dúvida de que Osunsanmi conseguiu produzir uma obra de impacto e que mantém qualquer espectador preso à tela até o último momento. Mas também é verdade que muito deste efeito deve ser creditado à idéia de que estaríamos diante de uma história real. A mensagem está presente de maneira direta ou subliminar em cada minuto de Contatos de Quarto Grau, por mais que o roteiro e a história não façam sentido. Acreditar que seres detentores de uma tecnologia e ciência que parecem magia aos nossos olhos estariam mantendo contato com pessoas para levá-las à loucura e fazerem-nas acabarem em cadeiras de rodas, na melhor das hipóteses, parece algo infantil e até pior, beira o absurdo.
Como uma obra cinematográfica descompromissada com a realidade, o filme tem méritos indiscutíveis, incluindo a revelação da própria atriz que encarnou a personagem Abigail Tyler. Apesar de sua identidade real continuar desconhecida, é certo que estamos diante de uma pessoa de talento para as artes cênicas. Sua interpretação chegou a ofuscar a da atriz Milla Jovovich. Este é outro componente para explicar a repercussão do filme. Mas não podemos deixar de declarar que estamos também diante de uma primorosa obra de desinformação, que certamente já trouxe prejuízos para a verdadeira pesquisa ufológica. Por exemplo, que pessoa alheia aos estudos ufológicos, depois de assistir ao filme e tendo uma experiência real de abdução, aceitaria se sujeitar a uma hipnose regressiva? Enquanto a tragédia, o terror e o medo venderem mais do que a realidade, por mais que esta seja inimaginavelmente superior e transcendente, continuaremos a conviver com coisas desse tipo.