O ano de 1995 foi um dos mais movimentados para a Ufologia Mundial. Em 28 de agosto, a sucursal britânica da Fox Network anunciou a divulgação de um filme que causaria grande comoção na Comunidade Ufológica Internacional. Pouco mais de uma semana depois, ufólogos de todo o planeta, reunidos no I Congresso Mundial de Estudios de los OVNIs, na cidade do México, assistiram estupefatos à gravação em preto e branco, de pouco mais de 30 minutos, que deu origem ao filme da Fox. Era uma seqüência de imagens marcantes mostrando o que se alegava ser a autópsia de um ser extraterrestre, que teria sido realizada secretamente nos anos 40 e mantida em segredo até então. Foi imediata a relação do destino do suposto ser com o acidente em Roswell, Novo México, ocorrido em 08 de julho de 1947.
Claro, as dúvidas sobre a autenticidade das imagens começaram a aparecer logo em seguida, junto com uma sucessão de explicações e argumentos duvidosos emitidos pelo responsável pela obtenção e liberação do material, o produtor inglês Ray Santilli. Mas a controvérsia, como quase tudo na Ufologia, não impediu que o filme da Fox rodasse o mundo, sendo apresentado em redes de TV de diversos países. No Brasil, o programa Fantástico mostrou a película em 10 de setembro de 1995 e uma cópia dela, obtida pela Revista UFO no referido congresso mexicano e trazida ao país, fora apresentada um dia antes no 13º Congresso Brasileiro de Ufologia Científica, em Curitiba (PR).
Santilli e o grupo empresarial do qual fazia parte, uma tal Merlin Associates, de Londres, ganharam uma fortuna ao venderem os direitos de exibição da suposta autópsia extraterrestre às emissoras de TV. No Japão, tais direitos foram comercializados por US$ 200 mil [Cerca de R$ 430 mil hoje]. Nos Estados Unidos, Santilli teria embolsado outros US$ 200 mil. No Brasil, a Rede Globo não confirma, mas teria pago R$ 150 mil. Pareciam cada vez mais claros, a partir do conhecimento desses números, os objetivos do produtor. Misteriosamente, no entanto, Santilli obteve apoio imediato de certos setores da Ufologia Mundial. Na Alemanha, Michael Hesemann foi seu maior defensor. Na Inglaterra, sofreu severas críticas de Graham Birdsall. No Brasil, entre os que condenaram a autenticidade da película estavam Claudeir Covo e Marco Petit, co-editores de UFO, e A. J. Gevaerd, editor. Defendendo-a estava, entre outros, o ufólogo Luiz Gonzaga Scortecci de Paula. Toda a controvérsia foi mostrada em UFO 40 e em várias edições seguintes.
Além das explicações e argumentos duvidosos de Ray Santilli, outros fatos surgiriam para complicar ainda mais a situação e afetar a credibilidade do filme. O produtor alegou que adquirira a película em 1993, enquanto procurava vídeos de rock dos anos 50 para comprar e relançar no mercado. Ele informou que encontrou acidentalmente um senhor que lhe vendera uma filmagem rara e ao vivo de Elvis Presley, que a teria produzido enquanto trabalhava como cinegrafista amador nos anos 50. Após a compra, o vendedor teria entrado em contato com Santilli novamente dizendo ter “algo diferente” a lhe oferecer. Ele contou ao produtor que, antes de ser cinegrafista free lancer, trabalhara para o Exército Norte-Americano também como cameraman e fazia serviços em operações militares secretas. Disse que, em geral, os oficiais o chamavam para filmar certas coisas e, ao fim do trabalho, requisitavam todos os negativos. Mas alegou que, em algumas ocasiões, enganava seus patrões e retia algum material para seus arquivos.
O cameraman contou que, em 1947, fora convocado para ir a Roswell, no Novo México, para uma missão muito especial. O cinegrafista foi inicialmente informado que iria filmar um avião espião soviético acidentado, mas quando chegou ao destino observou de imediato que o que deveria registrar com sua câmera não se tratava de qualquer avião inimigo. Segundo Santilli, o homem teria recebido a incumbência de filmar o resgate de um disco voador acidentado no deserto, além das autópsias de dois cadáveres de extraterrestres encontrados na nave. Após assistir à película que o cinegrafista ofereceu, e juntar o dinheiro necessário, Santilli fez a compra do filme. Esta é a história que ele sempre contou sobre como obteve o polêmico material, com mais ou menos detalhes.
Parte do ceticismo quanto ao filme da suposta autópsia se deu de imediato por este estar ligado à uma das histórias mais mal-contadas da Ufologia: o Caso Roswell. Embora verdadeira, a queda de um disco voador no deserto do Novo México já rendeu histórias suficientes para se tornar uma lenda. Há um vasto segmento da Comunidade Ufológica Internacional que se dedica a investigar o caso, que foi acidentalmente descoberto nos anos 70 – mais de duas décadas após ocorrido – pelo físico canadense Stanton Friedman, correspondente da Revista UFO em seu país. Friedman se apresentava num programa de rádio quando um ouvinte o interpelou, perguntando se sabia de alguma coisa sobre a queda de uma nave alienígena em Roswell. O ufólogo não sabia de nada, mas foi investigar. E acabou encontrando o fio da meada que trouxe à tona detalhes surpreendentes de um acidente com um autêntico disco voador nos EUA, logo após a Segunda Guerra Mundial.
Forte controvérsia — Conforme Friedman buscava detalhes do ocorrido, outros ufólogos se juntavam a ele, testemunhas iam aparecendo e documentos começavam a emergir do limbo. Em meados dos nos 80, já estava consolidada a história mais conhecida da Ufologia Mundial, o Caso Roswell. Paralelamente às descobertas dos pesquisadores, o governo norte-americano vinha a público ininterruptamente com teorias para tentar encobri-las ou obscurecê-las de alguma forma. Assim, foram lançadas no ar, pelos serviços de desinformação ufológica dos EUA, versões que iam desde o resgate de balões meteorológicos até experimentos com prisioneiros japoneses incapacitados da Segunda Guerra Mundial, numa tentativa de manter o caso longe da opinião pública – ou, caso tenha convencido a população, para ser visto como uma elucubração dos ufólogos.Absurdos à parte, pesquisadores e estudiosos sustentam sua legitimidade, que hoje é reconhecida quase unanimemente pela Comunidade Ufológica Internacional.
Desta credibilidade se beneficiou Ray Santilli ao lançar seu filme, envolvendo na suposta autópsia desde ufólogos e cientistas a médicos patologistas, que começaram a investigar a fundo as imagens e a correr atrás de dados que as corroborassem. Havia um visível desejo de que o filme comprado pelo produtor inglês e vendido ao mundo fosse verdadeiro, o que, numa instância superior, proporcionaria
aos ufólogos um elemento sólido para pressionarem o governo dos EUA a vir a público com a verdade escondida há tanto tempo da população. Por outro lado, os que combatiam a legitimidade da filmagem alegam justamente o contrário: que o filme, que depois se provaria falso, seria um artifício do próprio governo para desacreditar o Caso Roswell.
De qualquer forma, a alegada autenticidade das imagens ganhava a cada dia mais terreno e adeptos, mesmo com os estudiosos encontrando na película fortes indícios de fraudes. Elas estariam, principalmente, na detecção nas cenas de objetos em desconformidade com a época em que o filme teria sido feito. Por exemplo, aparece em vários momentos da filmagem um telefone preso na parede, com um fio espiralado que muitos ufólogos alegam que não existia no ano de 1947. Essa teria sido uma das falhas de quem supostamente fraudou a cena. Outro exemplo é a forma como a autópsia é realizada, com métodos de incisão e remoção de órgãos de maneira incomum, o que sugeriu aos estudiosos que não se tratava de um procedimento verdadeiro, mas uma encenação. Médicos consultados, entre eles o cirurgião torácico de Campo Grande Mauro Natel, informaram à Revista UFO que não se pratica aquele método de autópsia em parte alguma do mundo. “Há padrões rígidos que devem ser seguidos por patologistas ao realizarem tais procedimentos, e aqueles da fita não correspondem a nenhum deles”, declarou Natel.
Outra fonte de polêmica no filme de Santilli é a quantidade de erros que o suposto cinegrafista comete: erra o foco constantemente, não filma detalhes do procedimento – dando a impressão de haver cortes de imagem – nem sequer tenta desviar dos supostos cirurgiões quando estes entram na frente da câmera. Além disso, diversas cenas são editadas, como, por exemplo, quando o cirurgião serra o crânio do extraterrestre. Em uma cena ele está serrando os ossos, mas, de repente, a imagem dá um pulo para o momento em que o cérebro já está sendo retirado da caixa craniana. Enfim, são muitas falhas numa filmagem supostamente produzida por um cameraman profissional. Ainda mais a serviço do Exército Norte-Americano e numa missão tão secreta…
Filmagens adicionais — Como se não bastasse a filmagem principal da suposta autópsia, que se passa numa espécie de hospital militar, Santilli ofereceu ao mundo outras gravações complementares que mostravam diferentes cenários e situações. Ele alegou que as novas cenas seriam adicionais oferecidas a ele pelo cinegrafista. Entre as filmagens extras há uma em que um militar exibe painéis com marcas de mãos com seis dedos e outros objetos, mas o rosto do oficial nunca é mostrado, tampouco insígnias ou credenciais que pudessem revelar sua patente. Sem provas concretas, o filme permaneceu por muito tempo na categoria do “dito pelo não dito”. O objetivo de mostrar tais placas seria insinuar que os aliens resgatados no Novo México pilotavam sua nave acidentada com alguma espécie de comando digital, através das pontas dos dedos. Mas se seis dedos nas mãos já chamam à atenção, o comprimento dos mesmos é outra aberração visível. As placas, enfim, parecem toscas e mal-feitas, logicamente incompatíveis com a tecnologia de uma nave alienígena que se presume anos-luz à nossa frente.
Outra cena adicional que oferece uma boa oportunidade de examinar todo o contexto da autópsia é a chamada “cena da barraca”. Ela mostra procedimentos separados de autópsias em alegados seres extraterrestres, mas realizados numa barraca montada supostamente no local da queda do disco voador, em Roswell. O próprio Santilli se contradisse desde o início quanto à esta filmagem complementar, e não parou mais ao longo dos anos. Para comprometer ainda mais sua credibilidade, a suposta filmagem na barraca foi mostrada logo após a popularização de todo o material que comprou e vendeu às redes de TV como sendo uma maquete. O produtor se defende afirmando que nunca garantiu a legitimidade da cena e que ela foi uma brincadeira de velhos amigos.
Esta é apenas uma das inúmeras contradições de Santilli. Outra, que foi difícil esclarecer, é o fato de ter amplamente afirmado em suas entrevistas que não tinha interesse algum em Ufologia antes de tomar conhecimento e de adquirir essas películas. Mesmo assim, como se descobriu depois, ele havia tentado comprar outros documentários e filmagens ufológicas, anteriores ao lançamento do filme da autópsia. Como se vê, a disputa entre fraude e autenticidade não saía do lugar nos debates, pois sempre que surgia um argumento contra Santilli, outro a favor aparecia para equilibrar a briga. A filmagem da autópsia, assim como todo o Caso Roswell, gerou muita controvérsia e, com isso, abalou significativamente a credibilidade da Ufologia.
Mas agora, 11 anos após o lançamento da polêmica, surge uma nova versão para explicar o filme ufológico mais debatido do mundo – uma versão tão cheia de equívocos que, como era de se esperar, acabou por denunciar a si mesma. É desnecessário dizer, mas, se as recentes informações que circulam sobre este assunto estiverem corretas, muitos pesquisadores e estudiosos que fervorosamente apoiaram o material de Ray Santilli, considerando-o um filme autêntico, vão agora parecer mais tolos do que antes. A parte triste disso tudo é que os ufólogos sérios – aqueles que lutaram para que se apresentassem evidências contra ou a favor, através de pesquisas consistentes – vão ser arrastados para baixo junto com eles, todos pagando o mesmo preço por causa de alguns.
Santilli se entrega — Em artigo publicado no site norte-americano UFO Watchdog [Especializado em expor farsas na Ufologia, que já denunciou a trama do líder da seita Projeto Portal, Urandir Fernandes de Oliveira, com a ufóloga norte-americana Linda Moulton Howe. Veja em www.ufowatchdog.com], o ufólogo inglês Philip Mantle – um dos primeiros e mais ferrenhos opositores da autenticidade da autópsia extraterrestre – comenta a mais recente aparição de Ray Santilli num programa de TV da Inglaterra, ainda afirmando a autenticidade do filme comprado e divulgado por ele. O programa, intitulado Eamonn Investigates: Alien Autopsy [Eamonn Investiga: Autópsia Alienígena], é apresentado pelo conhecido âncora Eamonn Holmes. No show, Santilli descreve mais uma vez como o filme da autópsia foi obtido e, assim, apresenta uma versão da controversa história, o que chamou à atenção de Mantle, consultor da Revista UFO em seu país.
O programa foi exibido em 04 de abril passado, uma data es
colhida para coincidir com o lançamento na Inglaterra de um novo filme sobre o assunto, Alien Autopsy [Autópsia Alienígena], desta vez uma comédia baseada no filme da autópsia. Dirigido por Jonathan Campbell, Alien Autopsy tem no elenco os atores britânicos Declan Donnelly e Anthony McPartlin, nos papéis de Ray Santilli e Gary Shoefield – outro envolvido mais tarde com o filme da autópsia –, e ainda o norte-americano Bill Pullman. Nos anúncios publicitários do filme, a palavra alien têm destacadas as três letras internas, L, I e E, que formam a palavra lie, mentira em inglês. Trata-se de uma brincadeira que tem a intenção de fazer uma paródia com a “verdadeira” autópsia alienígena. Numa cena, homens vestidos com macacões brancos, tais como os do “verdadeiro” filme, são flagrados conversando com o cinegrafista que participa do embuste, num ambiente de estúdio. Assustado, um deles se volta pra câmera e fala “bem, isto não é o que parece”. É pura gargalhada. O slogan do filme também é outra negação: The truth isn’t out there, ou “a verdade não está lá fora”, uma clara alusão ao slogan da série de ficção científica Arquivo-X, em que se insiste que a verdade está, sim, lá fora.
Mais e mais contradições — Não restam dúvidas de que Santilli está envolvido – e possivelmente lucrando – com a produção da comédia, ao lado de Shoefield, pois ambos aparecem no show de Holmes para promovê-lo, ainda que dando uma entrevista que pretende ser séria sobre o assunto. Nela, Santilli e Shoefield afirmaram ter assistido ao filme. E disseram ter demorado dois anos para conseguir adquirir a filmagem da autópsia do tal cinegrafista. Acrescentaram também que, quando finalmente a receberam, ela estava em condições lamentáveis, com cerca de 95% do filme oxidado e os 5% restantes em péssima qualidade. Eles, então, decidiram “reconstruir” o filme, baseando-se no que Santilli lembrava a respeito do mesmo quando o viu originalmente, antes de decidir comprá-lo. Ou seja, fizeram uma adulteração grosseira. Sua participação no show de Holmes demonstrou como tudo não passa de um engodo. A tentativa de justificar a “reconstrução” do filme não podia ter sido mais infantil: Santilli e Shoefield afirmaram que os quadros que podiam ser aproveitados foram misturados a uma restauração anterior. Quem estão tentando enganar?
Ora, até então Santilli afirmava insistentemente que o filme era autêntico, sem retoques ou edições. De repente, o filme se tornou parte autêntico e parte fraude, como uma nova versão mais inverossímil ainda que as anteriores? A desculpa de que a intenção era recriar o que de fato aconteceu soa como piada mal-elaborada para tentar justificar o que seria a maior fraude da história da Ufologia. Se a justificativa de Santilli fosse verdadeira, então por que não divulgou o filme na íntegra, mesmo que este estivesse 95% danificado? Ou se fosse para “reconstituir” a película, por que não alertou para tal fato quando a divulgou? Santilli e Shoefield não se cansavam de alegar, no passado, que o filme da autópsia que conhecemos passou por um processo de restauração – não “reconstrução”, como disseram agora, o que significa tê-lo produzido de novo.
Afirmam também que a restauração foi feita por um especialista em efeitos especiais, John Humphreys. Mas, curiosamente, nem Santilli nem Shoefield ou Humphreys puderam apontar quais foram os quadros restaurados em toda a filmagem, principal e adicionais, da suposta autópsia alienígena. E quem é John Humphreys? Como este personagem surgiu nessa história depois de tanto tempo? Descobriu-se que Humphreys é um dos mais requisitados especialistas em efeitos especiais da Inglaterra, tendo estudado artes na Universidade de Cheltenham & Gloucester e na Royal Academy School of Artes, a prestigiada academia de artes britânica. Quando saiu da Royal Academy, em 1980, passou a atuar na produção de filmes e programas de TV. Seus trabalhos são definidos, ao mesmo tempo, como surreais e super-reais, por possuírem uma característica marcante que desafia a percepção bi e tridimensional dos observadores.
Entre os filmes recentes que têm a participação de Humphreys estão A Fantástica Fábrica de Chocolate [2005] e Alexandre [2005]. Agora, ao ver o lançamento da comédia Alien Autopsy, o especialista decidiu vir a público revelar seu papel também na produção da suposta autópsia alienígena que chocou o mundo, lançada por Santilli em 1995. Humphreys disse que só contou sobre sua participação no filme à sua esposa, ainda assim quando foi contratado para trabalhar na nova comédia.
Preparando uma fraude — Ele afirma que sentiu “uma sensação muito, muito estranha por estar revendo aqueles eventos” e confessou que desenhou os extraterrestres para o novo filme baseando-se em fotografias tiradas dos modelos de ETs que, há 11 anos, ele mesmo fez para Santilli – modelos que enganaram o mundo fazendo com que todos achassem que estavam realmente assistindo à dissecação de um ser proveniente de outro planeta. Foi o próprio John Humphreys que explicou como a farsa de Santilli foi montada em 1995. Ele disse que a equipe do produtor inglês improvisou um pequeno estúdio de filmagem na sala de estar de um apartamento em Londres, onde ocorreria a fabricação da suposta autópsia do extraterrestre. Exatamente: nada de Roswell, nada de Novo México. Foi após a finalização no estúdio que Humphreys foi contratado para fazer os modelos de dois seres que lembrassem alienígenas, num prazo de quatro semanas. A necessidade de dois modelos decorreu de duas tentativas diferentes de fazer a filmagem. Humphreys teve que usar cérebros de ovelha, entranhas de galinha e juntas de pernas de cordeiro para fazer joelhos e cotovelos. Além disso, ele ainda interpretou o papel de cirurgi
ão-chefe na película da autópsia, para que pudesse controlar os efeitos especiais programados para o corpo do extraterrestre, quando filmado de perto.
“Após as gravações, os modelos foram cortados em pedaços e jogados em lixeiras pela cidade”, declarou, num tiro certeiro e definitivo na credibilidade de Santilli. As imagens dos pedaços supostamente recolhidos do disco voador, em que os “extraterrestres” teriam se acidentado, também foram criadas por Humphreys, incluindo o painel com marcas de mãos com seis dedos e os símbolos alienígenas. Para completar, Santilli e Shoefield literalmente pegaram um sem-teto, deram a ele algumas roupas e o filmaram em um quarto de hotel, no qual o homem lia um texto afirmando ser o cinegrafista e fornecedor do filme da autópsia. Esta cena aparece em algumas versões do documentário distribuídas mundo afora.
Farinha do mesmo saco — Aliás, nessa entrevista com o suposto cinegrafista, ele deveria fazer o papel de uma pessoa com uns 70 anos de idade, mas não passava de 50 anos, ou tinha até menos. Na mesma cena, quem aparece atrás da janela é um ex-empregado de Shoefield, Gareth Watson, personagem da trama já identificado por Mantle como sendo um homem que freqüentava o escritório de Santilli, em Londres. Contra tais fatos não há argumentos e faltava, agora, muito pouco para debelar de vez qualquer crença que se pudesse ter na famosa e polêmica, porém mentirosa, autópsia de um ET acidentado em Roswell. Humphreys, peça importante no processo de esclarecimento do fato, no entanto, admite apenas seu papel na fabricação da fraude, não se considerando apto a explicar qualquer coisa referente ao Caso Roswell em si. “Isso é coisa para os investigadores”. Evidentemente, se as imagens da autópsia divulgadas por Santilli são uma fraude, o que pensar de outros filmes semelhantes e mesmo seus agregados, como a tão falada cena da barraca, uma filmagem extra que o produtor inglês alegou ter recebido “no pacote” oferecido pelo cinegrafista? Ele também tem uma explicação racional, e até mais ultrajante que a da autópsia principal.
Um artigo escrito por Nick Fielding, repórter sênior do jornal londrino The Sunday Times, especializado na cobertura de histórias envolvendo terrorismo e espionagem, já em 17 de janeiro de 1999, nos alertava para o fato de que a camada de sujeira de Santilli era mais grossa do que pensávamos. Fielding explica a cena da barraca, que dá a entender ao espectador que se trata de outra autópsia de extraterrestres resgatados no UFO acidentado em Roswell, antes ou depois da autópsia principal, esta filmada em ambiente apropriado.
São apenas poucos segundos de filmagens, que apareceram inicialmente em 1994 e dariam abertura à autópsia principal, que surgiria pelas mãos de Santilli em 1995. Na gravação, de péssima qualidade, há dois médicos em uma tenda, cuja iluminação é muito ruim. Deitado em uma mesa, coberto por um tecido branco, está um suposto extraterrestre de pele cinza e olhos pretos, fitando o ar sem expressão. Os médicos se aproximam da criatura e um deles começa a cortar o abdôme e a retirar as entranhas. Uma terceira pessoa, vestindo um casaco longo, aparece andando por ali, como se estivesse checando a situação. Tal misterioso personagem, de acordo com as fontes, seria ninguém menos que o presidente dos Estados Unidos Harry Truman, acompanhando os importantes fatos. E então, depois de pouco mais de um minuto e meio, o filme em preto e branco termina. Algumas versões contêm um código de segurança em um dos cantos, onde se lê: “Acesso Restrito. Classificação A01. Assunto 1 de 2. 30 de julho de 1947”.
Enquanto Santilli insiste que o autor desta bombástica gravação também seria o enigmático ex-cinegrafista militar, que inicialmente vendera a ele apenas o filme do Elvis Presley, descobriu-se sua verdadeira procedência como sendo bem diferente. Ainda em 1998, Keith Bateman e Andy Price-Watts, também produtores ingleses, resolveram revelar a verdade sobre a cena da barraca e expor a fraude. Bateman disse que foi forçado a admitir a farsa ao vê-la descoberta por um ex-colega, que publicou o fato na internet, resultando em grande aborrecimento para a dupla. “Recebemos inúmeras ligações, cartas e e-mails depois que nossos nomes foram revelados e cheguei a me mudar para garantir a segurança da minha família. E foi por isso que decidi contar a verdade”, declarou Bateman.
Boneco ET de péssima qualidade — De acordo com Bateman e Price-Watts, no verão de 1994, Santilli – que já era um velho conhecido – foi até sua empresa, a AK Music, na localidade de Milton Keynes, e disse que estava produzindo um filme em que aparecia o boneco de um ser extraterrestre, mas que este era de péssima qualidade e queria saber se os colegas poderiam dar uma melhorada nas imagens. Eles aceitaram a tarefa e tentaram, mas nada conseguiram para melhorar a aparência do boneco. Santilli demonstrou ter ficado desapontado com o fracasso, mas o assunto foi simplesmente esquecido. Mesmo assim, agora sabendo que Santilli estava trabalhando com esse tipo de material, Bateman e Price-Watts decidiram tentar fazer sua própria versão. Eles pesquisaram o assunto até chegarem na história já conhecida sobre a suposta barraca. Segundo ela, após o acidente com a tal nave alienígena em Roswell, uma criatura havia sido levada a um estábulo nas redondezas, onde foi submetida a um exame médico. A história, um tanto fantasiosa, ainda inclui rumores de que o próprio presidente Truman teria aparecido durante a operação, coisa nunca comprovada. Sendo assim, Bateman e Price-Watts usaram um estábulo no pacato vilarejo de Ridgmont, em Bedfordshire, emprestado por um fazendeiro conhecido, e fizeram seu filme – a famosa cena da barraca. “Eu tinha uma lâmpada velha de parafina e nós trouxemos junto uma mesa, alguns lençóis, macacões e luvas de borracha”, disse Price-Watts. As filmagens foram realizadas ao fim da tarde, para que parecesse que foram feitas no escuro. Ele ainda disse que as luvas de borracha, que seriam usadas pelos falsos médicos, eram modernas demais para a época em que o episódio teria acontecido e, portanto, tiveram que descartá-las.
Para fazer o boneco extraterrestre, Bateman e Price-Watts tentaram usar o manequim de uma loja local, mas foi impossível conseguir um convincente. A empresa Elstree Studios ainda teria se oferecido para fazer um sob encomenda para eles por US$ 35 mil [Cerca de R$ 75 mil hoje], o que consideraram absurdo. “No fim, nós usamos um segurador de peruca que compramos por algumas libras, que Elliot Willis, nosso cinegrafista, modificou usando cascas pintadas de laranja para os olhos”. Price-Watts informou ainda que Willis e um açougueiro local, Roger Baker, interpretaram os dois médicos. Roger foi incluído nas filmagens por que ajudou a providenciar as tripas de galinha que a dupla uso
u para fazer as entranhas do extraterrestre. “Cogitamos usar tripas de porco, mas concluímos que se pareciam muito com as de humanos”.
Durante as filmagens, o fazendeiro dono do estábulo apareceu para ver o que estavam fazendo, quando Bateman teve a idéia de também usá-lo no filme. Eles pegaram um velho espantalho que estava jogado em um dos cantos da construção, tiraram seu casaco e o vestiram no fazendeiro, que então teve uma pequena participação como presidente dos Estados Unidos em visita à barraca, nos arredores de Roswell, onde se realizava o primeiro exame médico e subseqüente autópsia numa criatura de outro planeta que estaria visitando a Terra. “Não conseguíamos parar de rir quando acabamos o filme, que levou cerca de uma hora e meia para ficar pronto”, finalizou Price-Watts, ao encerrar a produção de uma farsa que colocaria em jogo a credibilidade da Ufologia.
O boneco extraterrestre talvez tenha sido a parte da trama mais fácil de forjar e, portanto, é a que mais indignação pode causar. Para fazer o modelo da criatura foi usado nada mais nada menos que o filho de 12 anos de Andy Price-Watts. Ele teve sua cabeça coberta por um lençol, para dar volume, e o falso crânio alienígena colocado sobre ela. Apesar disso, detalhes de como a autópsia foi feita, com o auxílio de seu filho, não foram revelados. Quanto à câmera, foi usada uma handycam Sony montada em um tripé. E para explicar como a imagem se mexe, como se o aparelho estivesse sendo segurado por alguém, Price-Watts disse que a dupla se deu ao trabalho de ficar balançando a câmera, para dar tal impressão. O filme resultante foi reduzido para seis minutos. Gravado originalmente em cores, foi modificado para preto e branco e recebeu o trabalho de animadores de estúdios, que desenharam linhas e arranhões sob a imagem, em computador, sobrepondo-os ao filme. Este foi então transferido para diferentes formatos de vídeo para que ficasse o mais granulado possível.
Concorrência ufológica — O passo seguinte era vender a farsa a alguém. Mas quem? “Nós então fomos ver Santilli e dissemos a ele que tínhamos um vídeo de um extraterrestre que havíamos comprado nos Estado Unidos”, disse Bateman. “Ele examinou e disse que tínhamos sido enganados pelo vendedor, pois não achou que estivesse muito bom”. Santilli sugeriu ainda que o filme deveria ser mais claro e ter também um aviso de restrição contra cópias não-autorizadas. Sendo assim, Bateman pegou o filme de volta, sobrepôs um falso aviso como sugerido e enviou novamente a Santilli, com nova proposta de compra. O produtor, no entanto, disse aos dois que, apesar das “melhorias”, não poderia usá-lo.
Em 1995, no entanto, Bateman e Price-Watts foram surpreendidos ao ouvir o amigo de Santilli e entusiasta da Ufologia Reg Presley, do grupo pop dos anos 60 The Troggs, mencionar a cena da barraca numa entrevista na TV. Pensando numa oportunidade comercial, a dupla decidiu inserir seu filme em um vídeo que estava sendo feito pelo produtor Bruce Barlow, chamado Aliens, Reasons To Believe: Penetrating The Web 2 [Aliens, Razões para Acreditar: Penetrando na Rede 2], de 1996. “Enquanto isso, Santilli já tinha produzido seu filme da autópsia e estava planejando uma imensa divulgação do mesmo em vários países”, disse Price-Watts. A dupla já tinha espaço garantido em uma emissora de TV para falar de sua produção no estábulo de Ridgmont, o que poderia atrapalhar os planos comerciais de Santilli.
Sabendo dos planos de Bateman e Price-Watts, o produtor Santilli interrompeu uma viajem aos Estados Unidos e, irritado, voltou a Londres para negociar com a dupla uma forma de contornar a concorrência entre os falsos filmes. Pelo que Price-Watts ainda informou, ele e Bateman fizeram um acordo comercial com Santilli para adiar em 10 semanas o lançamento de seu filme com a infame cena da barraca. Com seus potenciais competidores fora do caminho, Santilli lançou o famoso filme da autópsia do suposto ET em todo o mundo. De melhor qualidade do que a filmagem do estábulo de Bateman e Price-Watts, ele mostrava a autópsia que teria acontecido num ambiente hospitalar, como em uma sala de operações, tudo evidentemente forjado. Mesmo sabendo da origem da filmagem da barraca, Santilli adotou uma atitude ambígua, nem aceitando-a, nem negando-a publicamente.
Não achei que fosse demorar tanto, mas fico feliz em ver que a fraude foi exposta e o mistério finalmente resolvido. O filme de Santilli está morto e espero enterrá-lo de uma vez por todas procurando e revelando brevemente mais detalhes da farsa
Em outras ocasiões, Santilli também não admitiu qual era a verdade sobre a cena da barraca, deixando as pessoas com a impressão de que fosse legítima. Ora, ele sabia de sua verdadeira procedência e mesmo que a sua filmagem – que já desconfiávamos e hoje sabemos ser uma farsa – fosse verdadeira, seu comportamento comprometia toda a história. Mesmo que ele tivesse revelado ao mundo uma autêntica autópsia de um ser extraterrestre, hesitar ou negar informações sobre a cena da barraca é gravíssimo. Em 1995, por exemplo, quando questionado durante uma conferência ufológica na internet sobre as pessoas da filmagem da barraca, se tinham sido identificadas como atores ou militares, ele respondeu: “As pessoas vistas na filmagem ainda não foram identificadas, mas tenho certeza de que logo serão”. Enquanto estava vivo, Graham Birdsall, editor da prestigiada UFO Magazine UK [Fechada após seu falecimento, em 2003], era incisivo ao afirmar que tanto o filme da suposta autópsia quanto a cena da barraca eram fraudes grosseiras.
Birdsall chegou a ter sérios debates com Michael Hesemann, um dos apoiadores de Santilli, quanto a isso. “Muitos ufólogos não ficarão surpresos em saber que a filmagem na barraca é uma fraude”, disse antes da verdade vir à tona. “Ela lança ainda mais dúvidas sobre o filme da autópsia extraterrestre de Santilli. É apenas uma questão de tempo até que toda a farsa seja revelada”. O grande ícone da Ufologia Britânica morreu sem ver sua previsão se concretizar.
Farsa definitivamente enterrada — Mantle, após assistir ao programa de Holmes, em abril passado, reagiu imediatamente. Em inúmeros sites da internet – além do UFO Watchdog – diz que não acredita em uma só palavra da nova versão que Santilli e Shoefield estão tentando emplacar para tentar ressuscitar a combalida credibilidade do filme das autópsias. Ele afirma não ter dúvidas de que
o material não é nada mais do que uma fraude grosseira e que Santilli agora busca ganhar notoriedade e dinheiro com a comédia Alien Autopsy, que ajuda a promover e no qual aparece representado por um dos artistas. Para ele, não existe nem nunca existiu nenhuma filmagem com qualquer autópsia de um ser extraterrestre que seja autêntica, e não existe nem nunca existiu qualquer cinegrafista militar norte-americano.
Se Santilli e Shoefield não tinham muita credibilidade, agora perderam a pouca que lhes restava. “Não achei que fosse demorar tanto, mas fico feliz em ver que a fraude foi exposta e o mistério finalmente resolvido. O filme de Santilli está morto e espero enterrá-lo de uma vez por todas procurando e revelando brevemente mais detalhes da farsa”, afirmou o ufólogo inglês à Revista UFO.
Enfim, após 11 anos de mentiras e inúmeras versões, finalmente chegamos ao desfecho de um dos mais enrolados e complicados casos da Ufologia… ou não. Digo “ou não” porque, sinceramente, não me surpreenderia se uma nova versão para essa história aparecesse amanhã, tentando colocar em dúvida o conteúdo deste artigo. Esse jogo faz parte da forma como a Ufologia vem sendo praticada, nem sempre nas mãos de gente honesta e bem-intencionada. Resta o consolo de que, embora o filme mais chocante da história da Ufologia seja uma fraude, o incidente que inspirou sua fabricação – o Caso Roswell – é verdadeiro e precisa ser encarado de forma séria.
Ainda assim, existem algumas perguntas que não se calam. A primeira delas é óbvia: por que, afinal, Santilli e sua equipe fizeram o tal filme, sabendo que, com os recursos escassos que tinham, em 1995, seriam facilmente desmascarados? Talvez a resposta seja igualmente evidente: por mais que pudessem ser um dia desmascarados, já teriam plantado dúvidas na cabeça de muita gente e lucrado uma bela fortuna com isso. Seja como for, a verdade é que o filme da autópsia foi, ao mesmo tempo, muito bem arquitetado e cheio de falhas. Se a intenção era a autopromoção, debochar da Ufologia ou uma conspiração maior ainda, talvez nunca saibamos. O que importa agora é que finalmente terminou.
Afinal, é necrópsia ou autópsia?
Freqüentemente, há discussões sobre qual o termo mais apropriado para se referir a exames cirúrgicos feitos em corpos de pessoas mortas ou de supostos extraterrestres capturados por humanos, como no caso do polêmico filme de Ray Santilli. Mas o que está certo, necrópsia ou autópsia? Para o dicionarista Francisco da Silveira Bueno, autópsia ou autopsia – com ou sem acento – significam um exame de si próprio. Porém, no Brasil, o termo é usado como sinônimo de necropsia ou necrópsia – também sem acento –, ou seja, exame ou dissecação de cadáveres. Esta diferenciação existe na etimologia da palavra. Segundo o dicionário on-line Priberam, autópsia vem do latim autós [Próprio] + ópsia [Ação de ver] e necrópsia vem do grego nekrós [Cadáver] + ópsis [Ver]. Embora alguns lingüistas, como Antônio de Moraes Silva, indiquem as formas necropsia e necroscopia em substituição à autopsia ou autópsia, por serem etimologicamente mais apropriadas, a classe médica brasileira, nos últimos 40 anos, vem usando indistintamente as duas palavras. Para alguns especialistas, a denominação é usada pelos médicos sem nenhuma discriminação, pois, ao examinar um cadáver, o legista observa a si mesmo, já que analisa um corpo semelhante ao dele.