Jose Chung’s From Outer Space é o título original do episódio, pertencente a terceira temporada desse já clássico seriado. Inicia-se com a vista das estrelas pontilhando o espaço, quando subitamente uma forma triangular de cor clara vai preenchendo a imagem. Como se repetirá a profusão nesse episódio, nada é o que parece, e tudo se encaixa na premissa do mesmo, com os produtores aproveitando para fazer uma divertida homenagem a Star Wars. Harold e Chrissy são um jovem casal de adolescentes passeando de carro, quando uma forte luz surge repentinamente, aparecendo em seguida dois alienígenas do tipo gray [Cinzas]. Surpreendentemente, outro ET muito mais monstruoso surge urrando, para espanto dos primeiros.
Jose Chung é um famoso autor de romances, que procura a assistência de Dana Scully para sua nova obra. A agente pede desculpas pela relutância de seu parceiro em Arquivo-X, Fox Mulder, em ajudar o escritor. Chung afirma que deseja criar um novo gênero literário, uma “Ficção Científica não ficcional”, usando para isso informações de fatos ufológicos investigados pelos dois agentes. Ele diz a Scully que entrevistou as testemunhas daquele caso, ressaltando que cada uma tem sua versão particular dos acontecimentos, e sugestivamente afirma que, para ele, a verdade é tão subjetiva quanto a realidade.
A agente relata suas investigações sobre o casal adolescente, afirmando que tudo parecia uma ocorrência de abuso sexual. Harold é preso e afirma que ambos foram abduzidos. O policial Manners, que chefia a investigação, concorda com a hipótese de abuso, mas Mulder consegue que Chrissy seja hipnotizada, para que assim possa narrar sua experiência. A moça descreve como ela e o namorado foram seqüestrados por ETs, mas é interessante notar como a imagem, desde seu ponto de vista, primeiro mostra os alienígenas no interior da nave, para a seguir, exatamente nas mesmas posições, surgirem Mulder, Scully, o investigador e o hipnotizador. Mulder se mostra impressionado, enquanto Scully não se convence, ressaltando as semelhanças extremas com inúmeros outros supostos relatos de abduções. Harold, pelo contrário, lembra-se do momento de forma consciente, e descreve como ficou próximo a um dos extraterrestres grays, que fumava sem parar e repetia: “Isso não pode estar acontecendo”. É interessante como o episódio ressalta as versões conflitantes e a subjetividade dos relatos.
Influência de alienígenas fictícios — Na cena em que Chrissy narra os fatos sob hipnose, até mesmo o que parecem ser equipamentos da sala de exames da nave alienígena, no instante seguinte, exatamente no mesmo local, aparece como mobiliários da sala onde a hipnose é feita. Scully chega a sugerir que apenas o fato da moça ser hipnotizada pode influenciá-la a criar a falsa memória de uma abdução.
O caso complica-se quando surge uma possível testemunha da abdução do casal, que se apresenta como Roky. Ele alega que presenciou o acontecimento, afirmando ainda que o monstruoso terceiro alien apresentou-se a ele como lord Kinbote, dizendo vir do centro da Terra. Aos agentes, Roky afirma que tudo que conseguiu fazer a seguir foi ir para casa e escrever sem parar, descrevendo sua experiência. Ainda disse para Scully e Mulder que enquanto escrevia foi visitado por estranhos homens de preto, que saíram de um carro também preto. O indivíduo dá uma longa explicação a ele, afirmando que a visão humana é deficiente, e nossa percepção da realidade necessariamente subjetiva, razão pela qual não é suficiente apresentar como prova de um contato com extraterrestres relatos que, desde o começo, podem ser influenciados pela interpretação das pessoas, desenvolvida devido décadas de filmes e programas de televisão sobre fictícios alienígenas.
Sem dúvida, aqui a Ficção Científica apresenta fatos que devem ser considerados na pesquisa ufológica! Mais tarde, em seu quarto de hotel, Scully ironiza cada comentário de Mulder sobre o relato de Roky. O próprio Chung, que teve acesso ao texto do rapaz, o descreve como maluco, afirmando que não sabe o que mais o impressionou, o fato do testemunho estar escrito na forma de roteiro para o cinema, ou a descrição da orgia das almas reencarnadas no centro da Terra! E, se formos pesquisar os “prodígios” descritos por conhecidos gurus, veremos que com certeza não é justo aplicar o termo inverossímil a Ficção Científica. Chrissy é novamente hipnotizada, parecendo corroborar a história de Roky. Entretanto, agora a moça descreve seus raptores como militares e cientistas, novamente havendo a sobreposição das imagens de que se recorda, com o ambiente onde está ocorrendo a sessão. Scully novamente fala que Mulder e o hipnotizador a estão influenciando, quando Manners entra e diz que descobriram o corpo de um dos alienígenas cinzentos. O escritor Chung entrevista Blaine, um rapaz fanático por Ficção Científica e Ufologia. Ele afirma ter sido o descobridor do corpo do extraterrestre, dizendo também que foi ameaçado por um dos homens de preto, usando um disfarce mal feito de mulher ruiva, e que um segundo indivíduo, anormalmente inexpressivo, soltou um grito ao ver o cadáver. Seu relato mistura-se as imagens do que descreve, e podemos ver que Blaine na verdade fala de Scully e Mulder!
Fraudes ufológicas — “Ele disse que eu disse o quê?”, pergunta a incrédula Scully. A seguir explica que até permitiram que ele assistisse e filmasse a autópsia. Durante a mesma, a agente, que como todos lembram é médica formada, encontra algo inusitado sob a pele do alien cinzento, um zíper! O cadáver, afinal, é comprovado como sendo de um major da Força Aérea Norte-Americana (USAF). Logo chegam alguns oficiais do órgão, mas descobrem com surpresa que o corpo sumiu.
Chung exibe a Scully um vídeo intitulado Alienígena Morto, Verdade ou Fraude?, que vem a ser exatamente a mesma autópsia, editada sem as cenas que comprovam a fraude. Scully suspira: “Que embaraçoso!” E embaraço, sem dúvida, podemos sentir, ao lembrar de vários casos e narrativas ufológicas, que da mesma forma, são apenas um amontoado de afirmações disparatadas e impossíveis de comprovar, mas aceitas por aqueles para quem qualquer coisa brilhando no céu é um autêntico disco voador de outro planeta.
Sem dúvida, Arquivo-X presta, neste episódio, um magnífico serviço a Ufologia, ao mostrar como adultera&cce
dil;ões, mistificações, interpretações pessoais e errôneas podem confundir e ocultar a verdade dos fatos. É inegável que algo extraordinário e fora da experiência cotidiana será interpretado por cada pessoa de acordo com sua bagagem cultural. Uma luminosidade difusa no alto da torre de uma igreja, por exemplo, poderá ser uma santa para pessoas de forte religiosidade, alienígenas multidimensionais para entusiastas da Ufologia sem conhecimento científico, mas na verdade trata-se apenas de um efeito fotoelétrico, um fenômeno conhecido como poder das pontas. Com certeza, os fatores culturais e a formação educacional de testemunhas têm que ser levados em consideração, analisando-se os relatos com extremo cuidado, a fim de tentarmos obter um quadro com o mínimo de coerência.
Vale lembrar algumas outras associações com a Ufologia feitas nesse episódio. O caso investigado pelos agentes e pelo escritor Chung acontece no Condado de Klass, uma citação ao cético Phillip Klass [Recentemente falecido], cuja frase “nenhum objeto tem sido mais confundido com UFOs que o planeta Vênus” é repetida por um dos homens de preto. Os pilotos que se fazem passar por grays são chamados Robert Vallée e Jack Shaffer, em homenagem a Robert Shaffer e Jacques Vallée, e finalmente o policial militar que prende Shaffer é o sargento Hynek, justa homenagem ao grande pioneiro J. Allen Hynek.
Culto aos ETs — Mulder afinal encontra-se em uma lanchonete com outro militar da USAF que havia desaparecido. O leitor é convidado a prestar especial atenção nesse momento ao prato do oficial, para nova homenagem a outro clássico da Ficção Científica. Ele diz que faz parte de uma operação ultra-secreta que realiza falsas abduções, mas que dessa vez foram de fato raptados por verdadeiros alienígenas. Seus colegas surgem para levá-lo, e o agente ainda pergunta sobre o terceiro extraterrestre.
“Quem, lord Kinbote?”, pergunta o militar. Mulder confronta os homens de preto no quarto de hotel, junto de sua parceira, mas ela depois não se lembra da experiência. O atendente da lanchonete só se recorda do agente, e finalmente todos ficam sabendo da queda de um avião secreto da USAF. Lá chegando, os investigadores vêem os corpos dos dois pilotos, o que Scully autopsiou, e o que conversou com Mulder na lanchonete, sendo retirados. Ele ainda acredita em uma encenação dos militares para acobertar os fatos, e por sua vez sua parceira pede desculpas no escritório dos Arquivos-X a Jose Chung, afirmando, porém que esse caso tem um desfecho melhor que a maioria dos que costumam investigar.
Roky, de forma nada surpreendente, se torna guru de um culto a extraterrestres, falando sobre a descida das almas ao centro da Terra. Contudo, diz que é necessário cuidado com os “homens-lava”. A Ficção Científica, novamente, é superada em nossa realidade, desta vez pelos fenômenos dos intitulados gurus. Mulder ainda visita Chung, pedindo-lhe que não escreva o livro, afirmando que o mesmo prestará um desserviço a busca pela verdade. O escritor revela que tem um contrato com seu editor, e finalmente pergunta o que houve com os adolescentes.
“Como eu poderia saber?”, questiona Mulder. Esse episódio antológico termina com Scully lendo o livro de Chung, cujo título é o mesmo do episódio, Mulder assistindo a famosa filmagem do Pé-Grande e Harold tentando a reconciliação com Chrissy. Rejeitado, o rapaz desaparece na noite, e a narração de Chung encerra dizendo que “embora talvez não estejamos sozinhos no universo, segundo a maneira de ser de cada um de nós, neste planeta, estamos todos sozinhos”. Sozinhos em nossas crenças, medos, esperanças e sonhos. E, sem dúvida, sozinhos em nossas interpretações subjetivas e muito pessoais do que entendemos como realidade. Talvez esteja aí a grande mensagem deste capítulo de Arquivo-X. Um recado importantíssimo, também, para a Ufologia, de que freqüentemente as coisas também não são o que parecem ser.