Pouco mais de três décadas se passaram desde que os cientistas descobriram o primeiro planeta girando em torno de outra estrela – isto é, um exoplaneta. De lá para cá, muita coisa mudou. Os exoplanetas se tornaram um foco da pesquisa astronômica: já são mais de 4,1 mil deles oficialmente catalogados. Conforme melhora a precisão dos instrumentos, melhora nossa capacidade de caracterizá-los. Estamos gerando retratos cada vez mais fieis destes mundos distantes.
Um estudo recente coordenado por pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Califórnia, o Caltech, introduziu uma abordagem inovadora na ciência dos exoplanetas. A equipe se propôs a pensar fora da caixinha. Ou melhor: fora do planetinha. Eles imaginaram como seria para um astrônomo alienígena observar a Terra a anos-luz de distância. É um exercício de perspectiva, que simula como outra civilização veria nosso mundo se apontasse para cá telescópios de tecnologia equivalente à dos nossos.
Apesar de terem evoluído um bocado nas últimas décadas, os telescópios atuais ainda não permitem enxergar muita coisa dos exoplanetas. Na verdade, não permitem enxergar nada: exoplanetas são minúsculos, não emitem luz própria e refletem uma quantidade ínfima da luz de suas estrelas. Sua existência é inferida da sombra que eles fazem quando passam na frente de suas estrelas – e do jeitinho discreto como sua gravidade afeta a rotação deles.
Já é uma façanha e tanto. Mesmo com dados tão esparsos, os especialistas já são capazes de determinar órbitas e massas, diâmetros e até arriscar a composição desses mundos. Por outro lado, saber se neles há coisas como continentes, oceanos ou nuvens é algo que permanece fora do alcance da ciência atual. E é por isso que é tão difícil determinar se um planeta distante é habitável ou pode abrigar vida.
Se nós soubéssemos como fica a Terra vista de longe, porém, teríamos um bom parâmetro para analisar os dados dos demais planetas. E é exatamente esse o objetivo do novo estudo do Caltech. Com ele, os astrônomos poderão comparar seus registros de exoplanetas com registros equivalentes do único exemplo conhecido de mundo habitável — a Terra.
Para criar um “mapa bidimensional alienígena” de nosso lar planetário e deixá-lo com a cara de um exoplaneta, os pesquisadores usaram 10 mil imagens da Terra feitas pelo satélite DSCOVR, observatório climático da Nasa que fica em um lugar especial no espaço profundo: o ponto de Lagrange. É uma espécie de “camarote” gravitacional, um ponto de equilíbrio onde nem o Sol, nem nosso planeta “puxam” a espaçonave.
Isso faz o DSCOVR monitorar 100% do tempo onde é dia na Terra. Essas 10 mil imagens foram capturadas a cada uma ou duas horas entre 2016 e 2017. Retratam a superfície terrestre em dez comprimentos de onda. Aí foi só reduzir esse monte de fotos para o tamanho de um pontinho brilhante e compilar todas elas para formar dez curvas de luz que mostram como um ET astrônomo veria o “exoplaneta” Terra se o observasse por dois anos.
O passo seguinte envolveu comparar as curvas de luz com as imagens originais para ligar os pontos do que era terra e o que era nuvem nos registros. Tendo isso definido, a equipe levou em conta o padrão de rotação terrestre de 24h e, finalmente, chegou ao mapa 2D. Em breve o artigo será publicado no periódico The Astrophysical Journal Letters.
Olhando com atenção para o mapa, é claro que não vemos nenhum tratado cartográfico. Fica até meio difícil distinguir os contornos das massas de terra. Mas olhe um pouco melhor. As linhas pretas mostram aproximadamente os continentes. No meio fica a África; no canto superior direito, a Ásia; e na esquerda, as Américas. Agora os astrônomos da galáxia, terráqueos e extraterrestres, já têm sobre o que trocar ideias quando se encontrarem.