Horas após entrar em órbita de Saturno, a sonda espacial Cassini começou a enviar à Terra imagens detalhadas dos anéis do planeta gigante, que está a 1,5 bilhão de quilômetros do nosso planeta. Cientistas maravilhados do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA, em Pasadena, observavam as fotos. À medida que as imagens em preto e branco começaram a chegar, 80 minutos após serem transmitidas pela espaçonave não tripulada construída por norte-americanos e europeus, elas foram ficando mais nítidas, mostrando close-ups dos anéis, que em certas fotos lembravam códigos de barra e em outras uma superfície de madeira granulada. “Simplesmente magnífico”, disse a chefe da equipe de imagens, Carolyn Porco, segundo a “Associated Press”. “Olhem só as bordas nítidas. Isso faz os meus olhos se encherem de lágrimas. A causa da maioria das estruturas que vemos é desconhecida. Foi por isso que voltamos a Saturno”. A Cassini, lançada há sete anos, está começando uma missão de quatro anos ao planeta dos anéis e às suas 31 luas conhecidas. Na noite de quarta-feira passada (30/06), a Cassini se tornou o primeiro veículo explorador a orbitar Saturno, o planeta distante dotado de uma beleza serena expressa no seu elegante conjunto de anéis. Membros da missão Cassini-Huygens em Pasadena explodiram em aplausos e congratulações quando a Rede do Espaço Profundo, da NASA, confirmou a recepção do sinal que indicava a entrada bem sucedida em órbita. A Cassini passou em segurança pelo plano dos anéis e, a seguir, realizou a manobra crucial de acionamento do motor-foguete. Ela passou por uma falha entre os cintilantes anéis de Saturno, disparou os retrofoguetes e entrou em uma órbita quase perfeita em torno do planeta gigante. “É uma sensação demasiadamente boa a de estar em órbita em torno do senhor dos anéis”, disse Charles Elachi, chefe da equipe dos instrumentos de radar a bordo da Cassini. “Este é o resultado de 22 anos de trabalho, devoção e engenhosidade, e é isso o que define a exploração espacial”. Na noite da quarta-feira, os diretores da missão disseram que levaria horas até que dispusessem de dados técnicos suficientes para determinar a condição da sonda espacial e mapearem a sua trajetória orbital exata. Segundo eles, tudo parece ter corrido bem. Um dos destaques da missão norte-americana e européia de US$ 3,3 bilhões é a primeira investigação detalhada da misteriosa lua saturnal Titã, que tem o tamanho de um planeta. Anteriormente, a sonda espacial se aproximou de Saturno por baixo do plano dos anéis, ganhando velocidade devido à atração gravitacional do planeta gigante. Ao passar por uma brecha no vasto sistema de anéis, ela viajava a mais de 80 mil Km/h, quase o dobro de sua velocidade no início do dia. Tão logo passou em segurança entre os anéis a fim de diminuir suficientemente a velocidade de forma a ser capturada pela gravidade de Saturno, a sonda girou e disparou o foguete principal em sentido contrário ao seu deslocamento. O motor-foguete foi acionado no momento exato e com potência total às 7h36, horário do Pacífico. Conforme já era de se esperar, não houve notícias imediatas da situação da sonda e do período de funcionamento do motor-foguete. Mas um único sinal de rádio, indicando o movimento da sonda espacial, deu aos controladores de vôo motivo para relaxarem e sorrirem. O foguete estava fazendo o seu trabalho. Caso não o tivesse feito, um motor- foguete reserva teria sido acionado. Se os dois falhassem, a Cassini simplesmente passaria próxima a Saturno e mergulharia nas profundezas do espaço. Mas a espaçonave tem exibido uma performance maravilhosa desde o seu lançamento em 1997. As anomalias e defeitos foram poucos. Antes da manobra de inserção orbital, Julie Webster, chefe da equipe de operações da sonda, disse que a Cassini estava “em um excelente estado de saúde”. Engenheiros de propulsão expressaram confiança nos motores-foguetes, observando que eles funcionaram impecavelmente nas 17 manobras anteriores para a correção de trajetória, a mais recente há cerca de três semanas. Kevin Johnson, principal engenheiro de propulsão da Lockheed Martin Corporation, em Denver, a empresa que construiu os motores-foguetes, disse que em todas as ignições anteriores o motor principal funcionou normalmente. Quanto ao risco da passagem entre os anéis de Saturno, os controladores de vôo foram tranqüilizados por observações telescópicas, que não revelaram nenhum sinal de perigo na lacuna entre os anéis F e G, pela qual a Cassini teve que passar. Eles também observaram que as sondas Pioneer e Voyager, que cruzaram as imediações de Saturno em missões anteriores, atravessaram com segurança os espaços existentes entre o gelo, a poeira e as rochas que formam os anéis. Porém, a título de precaução, o veículo espacial voltou a sua grande antena parabólica para a direção da sua trajetória, de forma que o instrumento funcionasse como escudo contra pequenos objetos. Os engenheiros disseram que uma colisão com um objeto do tamanho de uma ervilha ou de uma bola de gude causaria sérios danos. Qualquer fragmento maior que isso provocaria um impacto devastador. A primeira missão para orbitar Saturno foi planejada desde o início da década de 80. A Cassini, de 2.100 quilos, foi desenvolvida pela NASA, e a sonda agregada Huygens, de 315 quilos, que explorará Titã, pelos europeus. A principal antena da Cassini foi fornecida pelos italianos. Com os seus 18 instrumentos científicos e câmeras, o veículo é o mais complexo a explorar os planetas, e é o primeiro a visitar Saturno desde a passagem da Voyager 2 pelas imediações do astro em 1981. Cinco detectores distintos, incluindo um magnetômetro, começaram a explorar o planeta e os seus arredores desde a ignição para inserção orbital, quando a sonda espacial fez a sua passagem mais próxima às nuvens de Saturno, com uma distância superior a 20 mil quilômetros. Um dos principais objetivos da missão é estudar as intensas forças magnéticas do planeta. Tais forças são geradas por um dínamo no interior do astro, e as novas observações deverão proporcionar o mais detalhado estudo dos campos magnéticos de Saturno, assim como a compreensão da sua estrutura interna, afirmou Michele Dougherty, da Faculdade Imperial de Ciências, Tecnologia e Medicina, em Londres, a principal pesquisadora encarregada do magnetômetro. Um dos pontos altos da missão teve início na manhã da quinta-feira (01/07), quando a sonda deu início à tarefa de transmitir fotografias dos anéis, que deverão se constituir nas mais reveladoras imagens dessas estruturas. Os anéis fascinam as pessoas desde que Galileu os observou pela primeira vez em 1610. Na sexta-feira (02/07), a sonda posicionou-se para tirar a primeira foto próxima a Titã, uma lua maior do que os planetas Mercúrio e Plutão. Das 76 órbitas que a Cassini deverá fazer em torno do sistema saturnal, 44 foram planejadas para proporcionar passagens próximas a Titã. Em janeiro de 2005, a Huygens descerá de pára-quedas através das densas nuvens e neblinas de nitrogênio de Titã para tentar fazer um pouso suave. O objetivo é obter as primeiras imagens da superfície de Titã, seja ela sólida ou oceânica.