Celina e Beatriz Abagge foram absolvidas na madrugada de 26 de abril de 1998, em São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba, no mais longo julgamento da história da Justiça brasileira. No 35º dia consecutivo de sessões, o corpo de jurados decidiu inocentar Celina, por quatro votos contra três, e Beatriz, por cinco votos contra dois, das acusações de co-autoria nos crimes de seqüestro, cárcere privado, homicídio e ocultação do cadáver do menino Evandro Ramos Caetano, de 6 anos. A defesa havia convencido os jurados que ambas confessaram sob tortura ter praticado os crimes. O Conselho de Sentença afirmou que Celina e Beatriz foram absolvidas porque não foram reunidos documentos suficientes para provar que o corpo encontrado em um matagal era de Evandro. Para o promotor Celso Ribas, no entanto, a decisão dos jurados contrariou as provas contidas no processo, segundo as quais os laudos de DNA apontaram que a probabilidade de o corpo ser do menino desaparecido era de 99%. Ribas afirmou ainda que o exame da arcada dentária feito pela legista Beatriz França, do Instituto Médico Legal (IML) de Curitiba, identificou-a como sendo de Evandro.
Culto macabro — Em 03 de dezembro de 2003, no 15º dia do julgamento de V. A., acusada pelo Ministério Público Estadual de ser a autora intelectual da emasculação de dois meninos e da morte de outros três em Altamira, entre 1989 e 1993, ela foi reconhecida pela testemunha Edmilson Frazão como sendo a líder de um culto macabro praticado na chácara do médico Anísio Ferreira de Souza. Frazão narrou que viu V. A. no local quando lá esteve certa noite, juntamente com Antônio Paraná, um conhecido traficante e contrabandista da cidade. Além do dono da casa, também estavam os demais acusados, o médico Césio Brandão, Amailton Gomes e o ex-policial militar Carlos Alberto Lima.
Frazão contou que V. A. conduzia uma reunião sobre emasculação de crianças e apontou Amailton Gomes como aquele que “seduzia as crianças, levando-as ao local em que estavam os médicos para a castração”. Em seguida, ela teria convidado Paraná e Frazão a participarem do grupo, oferecendo “salário quatro vezes maior que o de um braçal”. Frazão disse que a reunião ocorreu numa pequena sala da casa, iluminada apenas por três velas pretas e grossas. Havia ainda uma mesa sobre a qual estava um livro fechado. ValentinaV. A. usava um capuz que deixava à mostra apenas o seu rosto e fazia uma oração ao “deus das trevas”. Todos vestiam batas pretas de mangas compridas. Ele reconheceu as roupas como sendo idênticas às que foram apreendidas pela Polícia Federal (PF) na casa de V. A. Frazão relatou que, no dia seguinte, contou o que viu ao delegado, mas a declaração não teria sido registrada pela autoridade policial, que não acreditou no envolvimento de dois médicos e de Gomes, filho de um empresário local, no caso. A partir daí, ele passou a ser pressionado por Paraná e pela família de Gomes para entrar no grupo, pois, do contrário, seria morto.
A despeito de todas as provas levantadas, em 05 de dezembro de 2003, sexta-feira, depois de 17 dias de julgamento em Belém do Pará, V. A. de Andrade foi absolvida. Seis dos sete jurados decidiram acatar a tese da defesa de que não havia provas suficientes para condená-la. O júri foi o mais longo da história do Judiciário paraense e também teve um dos resultados mais polêmicos e contestados. Após a leitura de sentença, houve tumulto dentro do salão do júri e protestos fora tribunal. Rosana Cordovil, promotora pública havia 18 anos, disse que nunca tinha sentido tanta revolta e indignação e que, em protesto, iria abandonar o tribunal do júri. “Vou rasgar a minha beca e sepultar a justiça em praça pública”. Convicta de que V. A. foi a autora intelectual dos assassinatos, questionou a decisão apontando a existência de mais provas contra ela do que contra os outros quatro acusados.
Decisão do julgamento — V. A. foi a quinta e última pessoa acusada de participar dos crimes a ser julgada pelo Tribunal do Júri. Os outros quatro foram condenados: o ex-policial militar Carlos Alberto dos Santos, a 35 anos de prisão, o comerciante Amailton Madeira Gomes, a 57, e os médicos Anísio Ferreira de Souza, a 77, e Césio Brandão, a 56. A promotora alimentava a certeza de que V. A. de Andrade seria condenada futuramente no Pará ou em outros estados brasileiros, com base no que já havia sido apurado e nas investigações da PF.
Cerca de duas mil pessoas, entre membros de entidades de direitos humanos e familiares das vítimas, saíram em passeata pelas ruas de Altamira em 09 de dezembro de 2003, em protesto contra a absolvição de V. A. A promotoria entrou no mesmo dia com recurso no Tribunal de Justiça. De acordo com a acusação, várias evidências contra V. A. simplesmente não foram consideradas pelo Tribunal do Júri, além do que havia indícios de quebra da incomunicabilidade dos jurados e de que teriam sofrido algum tipo de pressão para votar pela absolvição. Os próprios jurados admitiram que teriam feito ligações dos quartos do hotel em que ficaram hospedados e que puderam assistir o noticiário sobre o caso na televisão, o que é proibido por lei. Contudo, em 30 de abril de 2005, o Tribunal de Justiça do Pará decidiu anular o julgamento que inocentou V. A. As decisões foram tomadas depois que os desembargadores analisaram as apelações do Ministério Público e dos advogados da acusação, alegando quebra de incomunicabilidade entre os jurados.