Análise de fragmentos de cometa mostra que material formado na vizinhança da Terra foi levado até a borda do sistema. Resultados vêm da missão Stardust, da Nasa, primeira nave a trazer à Terra matéria coletada em um cometa, e questionam teoria vigente
Quando a Nasa batizou de Stardust (“poeira estelar”) a primeira missão destinada a trazer amostras de um cometa para a Terra, seus cientistas imaginaram que era isso o que iriam encontrar na volta: poeira estelar. Quase caíram para trás ao descobrir que esses corpos celestes também têm em sua receita minerais que ocorrem mais perto da Terra do que das lonjuras gélidas que esses bólidos habitam, na fronteira do Sistema Solar.
Os resultados das primeiras análises de fragmentos de poeira que a Stardust coletou do cometa Wild 2 são publicados hoje na forma de uma série de artigos científicos na revista “Science” (www.sciencemag.org). Assinados por 183 pesquisadores, eles questionam uma série de suposições dos astrônomos sobre o processo de formação do Sistema Solar, sugerindo que ele tenha sido criado por um processo de mistura gigantesco, do qual a composição dos cometas é testemunha.
“Muita gente imaginava que os cometas se formassem em isolamento total do restante do Sistema Solar. Nós mostramos que isso não é verdade”, disse o astrônomo Donald Brownlee, da Universidade de Washington (Estados Unidos), cientista principal da missão. “Quando o Sistema Solar se formou, há 4,6 bilhões de anos, houve transporte de material do seu interior para o seu exterior. Eu imagino isso como o Sistema Solar se virando parcialmente do avesso”, continuou.Os cientistas ainda não sabem se essa mistura foi gradual ou súbita e nem quanto material foi transportado para além da órbita de Plutão, na região gelada conhecida como cinturão de Kuiper. Mas Brownlee estima que até 10% do material que forma os cometas venha da região interna do Sistema Solar, onde se encontra a Terra.
Aerogel
A Stardust, um projeto de US$ 212 milhões, foi lançada em 1999. Ela voltou à Terra em janeiro, após ter circulado em volta do Sol para capturar poeira interestelar e fragmentos de cometa, e de ter visitado o Wild 2 (pronuncia-se “vílt”) para coletar amostras de pó cometário em suspensão no gelo na cabeleira do astro.
Foi a primeira vez que cientistas na Terra tiveram acesso a material vindo de fora da região interna do Sistema Solar. E a quantidade é de desanimar qualquer um: são apenas mil grãos de poeira, com diâmetro estimado em 5 a 300 milésimos de milímetro.
Esses grãos só puderam ser trazidos graças a um meio especial de captura, um aerogel (uma espécie de espuma) criado no Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa. Quando a Stardust passou perto da cabeleira do cometa, os grãos de poeira foram atirados como balas no aerogel, perdendo velocidade à medida que penetravam a espuma, até parar.
Muitos dos grãos continham minerais formados no interior do Sistema Solar, como a olivina (um mineral verde comum na Terra). Pelo menos um grão é formado de um mineral raro composto de cálcio e alumínio, formado nas regiões mais quentes do Sistema Solar.
“Se esses materiais tivessem esquentado um pouco mais, teriam sido vaporizados”, disse Brownlee. Esse tipo de mineral, segundo o cientista, é uma das primeiras coisas a se formar durante o resfriamento da nebulosa planetária, o disco de poeira e gás a partir do qual o Sistema Solar se formou. “Nós não esperávamos encontrar nada do Sistema Solar interior. Mas isso apareceu logo na segunda amostra que analisamos”, disse o pesquisador norte-americano.