Tente se lembrar de algo que aconteceu durante a sua infância, quando você tinha uns seis ou sete anos de idade. Pode ser uma cena qualquer, mas algo importante em sua vida. Por exemplo, quando eu tinha sete anos, caí na escola durante o recreio e cortei feio o joelho. Lembro-me do sangue, de chorar muito e de meu pai chegando esbaforido, bravo, porque teve de deixar os pacientes esperando. Quantos desses detalhes são, de fato, reais? Será que somos capazes de realmente recordar coisas que ocorreram há muito tempo? Ou será que muitas de nossas memórias são inventadas ou ao menos parcialmente recriadas? Essa questão vem sendo estudada com muito cuidado por vários profissionais, de psicólogos a advogados. Isso porque memórias falsas podem criar problemas sérios, por exemplo, em denúncias de crimes sexuais domésticos ocorridos no passado. A situação é complicada, pois seria de fato injusto acusar um pai ou tio de ter molestado sexualmente um menor de idade se isso não aconteceu. Por outro lado, se aconteceu, o pai ou tio criminoso tem de ir para a cadeia. Como provar se a memória é real ou fabricada?
Ninguém sabe como responder a essa pergunta. Se não existem provas concretas do que ocorreu, infelizmente o criminoso pode escapar impune. Ou um inocente pode ir para a prisão e uma família ser destruída. Foi esse tipo de questão que motivou uma psicóloga da Universidade Harvard a estudar uma outra situação na qual memórias falsas podem estar presentes, relatos de seqüestro por seres alienígenas. Na verdade, Susan Clancy, que acaba de lançar um livro chamado Abduzidos: Como Pessoas Passam a Acreditar que Foram Seqüestradas por Alienígenas [2005], usou esses casos para mostrar que memórias falsas não só existem como podem ter tamanha força emocional que aparentam serem verdadeiras
Estado entre a consciência e o sono. Clancy entrevistou 50 pessoas que dizem ter sido abduzidas por seres extraterrestres. Algumas até acreditam terem sido vítimas de vários seqüestros. Aparentemente, nos EUA cerca de 1 milhão de pessoas declaram ter sido seqüestradas. Não conheço a estatística no Brasil, mas acredito que não seja muito diferente. Conforme afirmou Clancy, “isso não significa que essas pessoas sejam loucas. Pelo contrário, muitas delas são articuladas e altamente inteligentes. A tendência em acreditar em coisas sobre as quais a ciência não tem provas é muito comum”. Imagino que o leitor possa pensar em um ou dois exemplos. Fantasmas? O monstro do lago Ness?
No caso dos alienígenas, não existe mesmo nenhuma evidência concreta de que tenham visitado a Terra no passado ou que estejam no momento por aqui, apesar dos inúmeros relatos e de suspeitas de intrigas governamentais. Clancy atribui os relatos a um estado entre a consciência e o sono, durante o qual alucinações são comuns. Em geral, os pacientes lembram-se do seqüestro quando sob hipnose. O mesmo ocorre com relatos de violência sexual.A grande diferença é que, sem dúvida, muitos dos relatos de abusos sexuais são reais, enquanto os seqüestros por alienígenas são falsos. Pelo menos até que uma prova concreta surja, um circuito ou uma liga metálica que não exista na Terra, a solução de um grande problema matemático, o seqüestro de um cientista sério que obtenha alguma evidência que não seja apenas um relato oral.
É muito mais fácil ver o improvável quando acreditamos nele. Por outro lado, se nossos olhos estiverem sempre fechados, não o veremos nunca. Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro O Fim da Terra e do Céu [Companhia das Letras, 2001].