Movimentos místicos como os preconizados pelo misto de guru, profeta e contatado Trigueirinho Neto são basicamente fanatizantes, assumindo uma força autoritária que pode conduzir, fatalmente, a um conflito aberto com as sociedades das quais fazem parte. Operam dentro de certas concepções mentais fundamentadas além da realidade, não mensuráveis em termos puramente racionais, mas que devem ser encaradas como ideologias que visam, antes de mais nada, saírem vitoriosas no processo de dominação.
No Brasil, seitas como as de Trigueirinho surgiram no bojo de crises políticas, econômicas e sociais gravíssimas, agregando multidões ignaras originárias principalmente das camadas alienadas da classe média, que, incautas, buscavam respostas fáceis às suas indagações, seguindo qualquer um que lhes prometesse preencher o vazio ou que lhes oferecesse a transcendência. A bem sucedida carreira do líder de seita, Trigueirinho Neto, pode ser perscrutada num filme que este dirigiu em 1960, cujo título por si só é bastante revelador: Bahia de todos os santos. A película explora os costumes folclóricos e a cultura de Salvador, narrando as desventuras dos habitantes do cais às voltas com as conseqüências desastrosas de uma greve, em que é morto um policial.
Mas, notório mesmo é o fato de que o ambiente místico de Salvador não tenha sido incluído no filme, circunscrito somente na dura realidade local. Ao que parece, a idéia de explorar a credulidade mística e a falta de senso crítico da massa só veio mais tarde, quando já havia abandonado o cinema. Não obstante, os conhecimentos adquiridos com a técnica cinematográfica certamente lhe foram úteis para que fraudasse todas as fotos de discos voadores que ilustram seus livros. Sim, porque as suas naves espaciais não passam de fontes de luz convencionais, fotografadas com longo tempo de exposição ou mediante movimentos aleatórios da câmera.
Ainda assim, Trigueirinho continua arrebanhando milhares de fiéis que, através de seus livros, chegam a formar grupos que se dedicam a propalar seus ensinamentos ou pregações, nada mais do que uma mistura barata de literatura mística, teosófica e esotérica devidamente distorcida para que atenda a seus propósitos, ou seja, continuar arrebanhando milhares de fiéis para que comprem mais livros, formem novos grupos e propalem seus ensinamentos que irão continuar atraindo mais incautos, engordando sem parar a conta bancária do guru.
Trigueirinho manipula os fiéis com a mesma habilidade com que manipula os negativos das suas fotos. A adesão de tantos desavisados a alguém que se intitula guia de uma Humanidade prestes a sofrer uma destruição divina não surpreende no contexto em que nos encontramos. Momentos históricos conturbados, repletos de crises e incertezas como os dos últimos tempos, propiciam um ambiente favorável para o culto a “salvadores de plantão”. A aproximação da passagem do milênio também infunde velhos medos imaginários. É nesse terreno fértil que vicejam seitas que usam a religião como fachada, mas que estão na verdade assentadas em relações meramente capitalistas.