A cidade de São Thomé das Letras vive, desde a sua fundação, envolta num clima de mistério e religiosidade que até hoje pouca gente consegue compreender. O fato de uma estatueta talhada em madeira ter sido encontrada por um escravo fugitivo deu origem a uma série de histórias e crenças que ainda hoje fazem parte da Lenda de São Thomé. Nos anais da história do Brasil podem-se achar diversas versões sobre a data real em que foi encontrada a imagem: alguns autores afirmam ter sido em 1770, enquanto outros dizem que foi em 1785. Embora poucas pessoas tenham se dado conta, dois aspectos de relevante importância são objetos de indagações: primeiro, o disfarce que normalmente as religiões milenares colocam sobre os fatos, adaptando-os ao seu folclore e, segundo, a fundação de uma capela ao lado de inscrições rupestres de significado oficialmente desconhecido, que acabaram levando ao nome da cidade – havendo os habitantes confundidos os anagramas e símbolos com “letras”.
Os registros contam que o escravo João Antão trabalhava na fazenda do português Francisco Junqueira, um grande senhor de terras. Um dia resolveu fugir da escravidão e abrigou-se numa gruta localizada na região onde se demarca hoje o município de São Thomé das Letras. O escravo não teve grandes dificuldades em sobreviver, pois na época a caça e a pesca eram abundantes por ali. Tudo ia bem até o momento em que apareceu diante de João Antão um homem bem aparentado, vestindo roupas claras e que não revelou de onde vinha. Ele deu ao escravo algo escrito e pediu-lhe que retornasse à fazenda para que entregasse a carta ao seu senhor, garantindo que nenhum mal lhe seria feito. Nunca, porém, foi revelado o conteúdo de tal carta. Sabe-se que o senhor de terras João Francisco Junqueira ficou impressionado com a boa caligrafia e a surpreendente redação, pois naquela época poucas pessoas sabiam ler ou escrever. Ao ler a carta, o fazendeiro imediatamente organizou uma expedição com membros da família em direção à gruta. Não havia nenhuma pessoa no local, apenas uma estatueta talhada em madeira e diversas inscrições indecifráveis na parte superior da pedreira.
O fazendeiro mandou construir na gruta uma ermida [Capela rústica], posteriormente transformada na Igreja Matriz de São Thomé das Letras. A partir de então formou-se um pequeno povoado cujo nome teve origem nas inscrições da pedreira, que pareciam letras de uma língua desconhecida. Segundo os dados históricos da cidade, a igreja foi erguida em 1785, podendo-se aceitar a hipótese de que a estatueta teria sido encontrada em 1770. Consta ainda que a imagem se referia ao Apóstolo Thomé, que fora homenageado com a construção da capela. A estatueta permaneceu no altar-mor da Igreja Matriz por muitos anos até que, na Sexta-feira Santa de 1991, desapareceu subitamente. O pedestal foi encontrado vazio e o suposto furto repercutiu na região através da Imprensa, que durante dias destacou as vigílias e novenas dos habitantes da cidade. Até hoje a imagem não foi encontrada. Tudo leva a crer que o município de São Thomé das Letras perdeu para sempre esta relíquia histórica e religiosa.
Existem vários mitos a respeito da criação da cidade de São Thomé das Letras, em Minas Gerais, um lugar que sempre conviveu com estranhos acontecimentos, fatos inusitados e misteriosos. Teriam os extraterrestres visitado esta cidade há mais de dois séculos? Seriam responsáveis pelas inscrições de símbolos desconhecidos nas grutas de pedreiras de São Thomé? Ubirajara Rodrigues dá as pistas, mas as respostas são por conta do leitor
Para saber o que realmente se passou na época da fundação de São Thomé das Letras é necessário estudar todas as possibilidades existentes, pois a credibilidade científica das análises não pode ser comprometida. O inesperado surgimento da imagem de madeira em meados de 1770 pode ser atribuído a diversas razões, sendo que algumas são objeto de especulação e análise por parte de estudiosos. Uma possibilidade seria a de a imagem ter sido encontrada e talhada por um andante desconhecido, talvez um desbravador qualquer, e deixada na gruta em que o escravo teria se abrigado.
Há quem sustente a hipótese de que o escravo fugitivo, sabendo que não sobreviveria ali por muito tempo, teria entalhado a imagem para sensibilizar seu senhor e não ser punido (provavelmente até com a morte), podendo retornar para a fazenda. Por conseqüência desta idéia vem uma terceira suspeita a de que a imagem que pertenceu a Igreja Matriz de São Thomé das Letras não é a original, visto que o estilo da escultura nada tinha de semelhante com a arte negra da época; a não ser que Antão fosse um grande artista.
Mito ou Fato – Ainda há a possibilidade de que a história seja um simples mito local, que jamais haveria acontecido na realidade. Os fatos reais da descoberta da imagem poderiam ter sofrido uma adaptação pelo senhor das terras devido aos seus interesses em construir uma capela. Ou ainda o desenvolvimento da história tentaria disfarçar ou ocultar um outro acontecimento, que não teria chegado ao conhecimento de mais ninguém além daqueles que já estavam envolvidos diretamente com o fato.
Enfim, existem versões muito detalhadas da lenda, que chegam inclusive a afirmar que o escravo possuía um romance com uma das irmãs do fazendeiro Francisco Junqueira, tia do Barão de Alfenas. Evidentemente, isto seria algo muito estranho para a época, pois envolveria inúmeros preconceitos devido à existência de uma grande disparidade em aceitar que um escravo convivesse livremente entre a senzala e os senhores. É certo que muitos romances de época relatam casos como este e, com efeito, a lenda pode ter sido influenciada pela literatura. Se isso for verdade, a condição de escravo em que João Antão vivia era quase que formal, possuindo ele um relacionamento de maior liberdade na casa grande. Neste caso, pode-se admitir como verdadeira a segunda hipótese em que João seria um homem versado na arte da escultura. Mesmo assim, é pouco provável que tenha tentado sensibilizar ao seu senhor com uma obra, dado o enorme risco de retornar à fazenda, pois por causa da fuga haveria de sofrer maus-tratos, o que era comum naquela época.
Mas poderia ser que algo mais estivesse escondido por trás disso tudo: o escravo poderia ter combinado com o fazendeiro Francisco Junqueira ou com o filho dele, Gabriel (o Barão de Alfenas), a criação de algum “motivo” que desse razão para a construção da capela. Isso pode ter certa lógica, mas ainda falta explicar muitos detalhes desta trama misteriosa. Quanto a Gabriel Francisco Junqueira, desde cedo revelou-se um político, tornando-se influente figura contra o regime da Monarquia. Com o candidato de D. Pedro I tendo sido derrotado nas eleições de 1831, Gabriel conseguiu eleger-se deputado, apesar de declarar para todos a sua oposição ao Imperador, tendo até tomado parte na camp
anha liberal e antimonárquica que se preparava para depor D. Pedro I. Alguns anos antes disso, a estatueta teria sido encontrada na gruta. Vê-se que Gabriel era um liberalista e sua ideologia se desenvolvia com cautela, precisando fundar bases discretas; foi então que teria decidido fazer uso da crença das pessoas de sua região para atingir objetivos políticos. Sendo assim, o primeiro passo para a concretização de seus desejos seria a fundação de uma igreja e um futuro lugarejo.
Gabriel fez da gruta um lugar para as reuniões secretas de seu grupo político. Descobriu uma caverna subterrânea e mandou construir uma capela sobre ela, com uma passagem secreta. A imagem de São Thomé era muito convincente e familiar sob diversos aspectos, pois era esculpida em madeira, material utilizado pelos artistas da escola de Aleijadinho e possuía as características artísticas da época. O semblante sereno, o aspecto de um homem experiente e cansado, cabelo e barbas da estatueta eram de estilo idêntico ao dos escultores da mesma escola, trazia numa das mãos um livro fechado e na outra segurava um cajado ou bastão. Outro detalhe eram os pés, esculpidos em posição de esquadro, o que simboliza uma postura adotada por sociedades herméticas, notadamente a Ordem Maçônica. E importante notar que a escola de Aleijadinho, atendo-se quase que exclusivamente aos temas religiosos (católicos, na verdade), contêm em seus trabalhos ensinamentos simbólicos maçônicos, extraídos de versões antigas de diversos rituais adotados pela instituição.
Aproveitando as adaptações que o catolicismo fizera com o folclore e as religiões indígenas, outros aspectos ainda contribuem para a lógica da história de São Thomé das Letras. Sabe-se, através de registros, que os índios veneravam a conhecida figura de um “deus branco e barbado”, que passara por várias regiões das Américas. Tal deus era conhecido pelo nome de Sumé. Esse personagem fascinante passou pelo México, onde foi chamado de Quetzalcoalt (a serpente emplumada); no Peru recebeu o nome de Viracocha (líder dos construtores de Machu Pichu, das obras de pedras pesadas com perfeito encaixe). Sumé foi também o Mair tupi, um grande feiticeiro branco e barbado; o Mairatá para os Tupis do Maranhão e o Grande Maré para os índios Aimorés. Destaca-se como figura mítica entre os Caiapó, que habitam o Alto Xingu, na Amazônia, onde recebia a denoação de Bep-Kororoti e era representado nos rituais indígenas como um homem vestido com grande capacete e um pesado uniforme feito com palha.
Sumé, para uns, viera do mar. Para outros, entre eles os índios Cataguases, viera das estrelas para trazer o saber. Os nativos Cataguases habitaram a região de São Thomé das Letras como nômades. Eles teriam feito todas as inscrições da região, em imagens estilizadas de pássaros, serpentes, arraias e caracteres ainda não decifrados, porém com visíveis características do estilo fenício. Há 36 km da cidade uma gruta guarda a figura estilizada de um ser dotado de grande capacete e trajes pesados, como um escafandro, e ao lado há o desenho de um “ovo” com círculos concêntricos. Segundo os índios do Maranhão, Sumé ensinara aos seus antepassados as técnicas de plantio e preparo da mandioca, a abertura de caminhos e a introdução de novos princípios religiosos.
Figuras Rupestres – Na região onde hoje é São Thomé das Letras também se falava do deus Sumé. Aproveitando a semelhança fonética entra as palavras Sumé e São Thomé, o Barão de Alfenas não negou sua intenção de trazer para os ensinamentos cristãos esta crença indígena muito antiga. Esse procedimento já havia sido adotado pelos jesuítas inúmeras vezes. Mais tarde, adaptou-se na estatueta uma “aura”, parafusada em época muito posterior à data de manufatura da peça. Daí, como sempre acontece com os mitos, às inscrições atribuídas pelos antigos a Sumé foram posteriormente creditadas a São Thomé. Existem ainda evidências da confusão provocada pelos jesuítas com as crenças indígenas, para impor as suas próprias. Não existe qualquer prova de que o Apóstolo Thomé (citado na Bíblia) tenha andado pela América do Sul, nada diz que ele tenha chegado a essa parte do globo terrestre, por total impossibilidade até de tempo e transporte.
Ao mito de Sumé está sempre ligada a figura de pés gravados em rocha. São inscrições em baixo relevo e marcam cultos indígenas ao personagem, em toda a América Latina. Os jesuítas nunca hesitaram, por suas passagens pelas regiões desbravadas, em adaptar Sumé a São Thomé. Entre os índios Caiçaras, sobretudo no litoral paulista, a lenda da cidade ainda se mantém viva. Contribui para isso o fato de que na Ponta do Araçá, cerca de 1 km da cidade de São Sebastião, existe uma pedra de formato arredondado que, quando baixa a maré, nota-se visivelmente marcas de pés humanos. Dizem os Caiçaras que seus antepassados contavam que um dia veio do mar um velhinho de barbas brancas e que talvez se tratasse de São Thomé. Esse senhor teria ensinado os índios o preparo da terra e o plantio, explicado muitas coisas que eles nunca tinham sonhado que pudesse existir. Até que um dia um pajé invejoso espalhou a notícia de que o velhinho era feiticeiro, sendo necessário expulsá-lo. Então ameaçaram São Thomé com armas e fizeram-no ir embora em sua “barca” no mar. No início da década de 80, registramos a existência de uma inscrição, como se fosse um totem indígena, desenhada em uma caverna na região da Mata do Jardim, município de São Thomé das Letras. Acredita-se ser a representação definitiva do Sumé, muito semelhante ao Bep-Kororoti dos Caiapó. O que os pesquisadores buscam agora é encontrar as marcas dos pés de Sumé nas pedras do interior de Minas Gerais e do país.
O desaparecimento da imagem é coisa grave e seu roubo se tornou quase comum no sul de Minas Gerais a partir de meados do século 20. Na Catedral de Campanha (MG), segundo dizem, as estatuetas dos principais santos eram ornadas com coroas de ouro maciço e mantos tecidos com fios desse metal puro. Certo dia desapareceram as coroas e os mantos, sendo que ninguém até hoje sabe do paradeiro das peças. Por outro lado, os desap
arecimentos de relíquias religiosas indicam que não havia simplesmente um interesse puramente econômico. A boa literatura está repleta de casos em que entraram em jogo motivos esotéricos, místicos e religiosos. Na realidade, não somente peças de culto foram objeto de verdadeiros disfarces para enquadrá-las aos interesses das próprias instituições que as possuem. Um claro exemplo disso são as hábeis adaptações das lendas e histórias que cercam certas relíquias e eventos que foram propositalmente transformados para os dogmas e crenças criados pelas religiões.
Sabe-se que a Virgem de Guadalupe, cuja imagem foi impressa na túnica do índio que teria tido um encontro com a Senhora, configura-se como um caso típico de adaptação religiosa. Trajes e fisionomia foram posteriormente pintados sobre a imagem original para que ficasse mais parecida com o que normalmente se imagina sobre a mãe de Jesus. No mundo inteiro, com destaque para os antigos cultos andinos, a Igreja travestiu imagens, personagens e mitos para as suas próprias crenças. Outro exemplo é a Virgem de Fátima, que não teria nenhum traço da fisionomia reproduzida pela visão dos três pastores. Muitas vezes, o sumiço de objetos religiosos e imagens também pode ser atribuído à própria Igreja, que simularia os roubos com a finalidade de evitar maiores estudos e descobertas sobre a verdadeira origem dos objetos.
A imagem de São Thomé sumiu numa Sexta-feira da Paixão, na madrugada de 29 para 30 de março do ano de 1991. A porta lateral da Igreja Matriz, situada na Praça Barão de Alienas foi arrombada. O sacristão, apavorado ao abrir a igreja na manhã seguinte, correu imediatamente à polícia. Uma enorme comoção tomou conta dos habitantes de São Thomé das Letras ao verem que o altar 1 estava vazio. O pedestal, situado bem ao alto fora profanado. A Imprensa da região noticiou por vários dias o roubo e a população da cidade promoveu procissões e vigílias. A imagem, que possuía 51 cm de altura, 23 de largura, pesava 8 quilos, com filamentos de ouro no casaco, uma bengala de prata, uma coroa em prata cromada e uma pedra na testa cujo valor era desconhecido, simplesmente desaparecera. Somente o tempo poderá informar com segurança o que realmente aconteceu.