Se tudo der certo, a Agência Espacial Norte-Americana (NASA) vai passar os próximos 10 anos ligada ao centro da Via Láctea. Por causa da grande concentração de estrelas, a comunidade científica norte-americana acredita que lá é o lugar mais provável para encontrarmos planetas parecidos com a Terra e, quem sabe, seres extraterrestres. Mas para isso, o relatório feito pelo comitê de cientistas da academia de ciências dos EUA precisa receber o aval do Congresso americano e da NASA. A cada 10 anos, a Academia de Ciências dos Estados Unidos faz uma triagem de todos os projetos envolvidos com astronomia e astrofísica do mundo e realiza um relatório para o governo, recomendando em quais pesquisas deve investir na próxima década. O relatório de 2010-2020 foi entregue no dia 16 de agosto pela Academia Americana de Ciências.
A revista VEJA conversou com o britânico Roger Blandford, diretor do instituto de astrofísica e cosmologia da Universidade de Standford nos EUA, que teve a homérica tarefa de chefiar o comitê que redigiu o relatório e que, na prática, apontou a direção que a nação mais poderosa do mundo deverá seguir nos próximos 10 anos dentro do campo da pesquisa espacial. Sugeriram à NASA e ao governo gastar 1,6 bilhão de dólares em um telescópio que já tem até nome, WFIRST, previsto para ser lançado em 2020 e, se for aprovado, vasculhará o centro da Via Láctea atrás de planetas parecidos com a Terra. Blandford conta como podem ser localizados e o que faremos se encontrá-los.
O que seria um planeta parecido com o nosso? Seria um orbe que provavelmente tem o mesmo tipo de massa que a Terra. Na verdade, usamos o termo “habitável”. Isso significa que a estrela que o ilumina seria parecida com o nosso Sol ou um pouco mais fria – o que o faria mais fácil de ser encontrado. E outra característica é que, se ele for habitável, gostaríamos de ver sinais de água e possivelmente oxigênio e gás carbônico. Ele precisaria ter condições físicas — gravidade, pressão, atmosfera — semelhantes aos nossos. Um lugar onde a vida poderia se desenvolver de uma maneira análoga ao que acontece em nosso planeta.
Por que é tão importante encontrar planetas parecidos com a Terra? Por que agora? É um assunto que fascina o homem e algo que combina o interesse popular-científico para responder a pergunta “estamos sozinhos nesse universo?”. O momento é agora porque houve uma explosão de descobertas nessa área durante a última década. Há mais ou menos 10 anos, começamos a identificar os primeiros planetas fora do Sistema Solar, depois de muito esforço e muitos anos tentando.
Algum planeta semelhante ao nosso já foi identificado? Não. Na última década, descobrimos quase 500 planetas fora do Sistema Solar. Nos últimos meses, 300 candidatos foram apresentados a nós, observados pelo telescópio Kepler. Nem todos os candidatos serão considerados verdadeiros, mas acreditamos que uma boa parcela será.
Algum está em um sistema parecido com o nosso? Já conhecemos um grande número de planetas fora do Sistema Solar e duas mensagens estão bem claras — uma é que eles são comuns e a outra é que os sistemas planetários em volta de outras estrelas são muito diferentes. Eles não são cópias do que acontece com o nosso. Longe disso. Vemos muitos tipos de planetas e muitos tipos de ambientes diferentes. Ainda não encontramos, mas estamos chegando perto.
E por que é tão difícil identificar planetas fora do nosso sistema, já que eles são comuns? Eles são comuns, mas muito apagados. A metáfora mais fácil para entender a dificuldade que encontramos em identificar esses planetas seria procurar por um mosquitinho voando bem próximo de um poste que emita bastante luz enquanto se observa de muito longe. Imagine uma estrela, muito brilhante, e um ponto muito pequeno que reflete essa luz, o planeta que estamos procurando. O problema pode nem ser o brilho da estrela, que dá para ser filtrado até certo ponto, mas deve existir tanta poeira espacial na região, que fica difícil identificar esses planetinhas. É só você lembrar que a Terra possui um trilionésimo da massa do Sol — e a trilhões de quilômetros de distância desses sistemas, fica dificílimo realizar essas análises.
E como vamos fazer isso agora? Uma das funções do telescópio WFIRST será executar as tarefas que outro, o Kepler, não consegue fazer, ou seja, ele não vai procurar por planetas habitáveis por meio de imagens — isso o Kepler já faz —, mas irá estabelecer a freqüência desses. Isso vai nos dizer quantas estrelas como o nosso Sol possuem orbes parecidos com Saturno, Júpiter e a própria Terra. Além disso, quantos deles estão orbitando próximos ao astro, ou longe, e assim por diante. Queremos saber se haverá uma órbita parecida com a da Terra — se o planeta estiver muito longe da estrela, será muito frio, e muito perto, bastante quente. Nenhum desses casos resultaria em um corpo celeste semelhante ao nosso. Temos que encontrar um que esteja orbitando um astro parecido com o nosso Sol, a uma distância semelhante a Terra.
E se encontrarmos um planeta assim, o que vamos fazer? A idéia é conseguir imagens desse planeta e estudá-lo esgotando todas as formas possíveis. Além de tirar fotos detalhadas, teremos que tirar um espectrograma completo. Vamos tentar descobrir se existem moléculas desconhecidas para o homem, mas antes de prepararmos essas observações, temos que saber o que estamos procurando e, para isso, ainda é preciso desenvolver muita pesquisa.
Quais são as chances de encontramos uma outra civilização humana vivendo em um planeta parecido com a Terra? É isso que estamos procurando? Acredito que a procura de inteligência extraterrestre causa uma grande fascinação pública e científica. Já temos alguns telescópios capazes de identificar algumas classes de sinais extraterrestres. Existem muitos equipamentos que fazem um tipo de pesquisa passiva. Eles realizam as tarefas normais e, dentro delas, é possível extrair certas classes de sinais. Se considerarmos seriamente que há vida inteligente fora da Terra e que ela envia algum sinal — são duas coisas diferentes — que tipo de sinais eles nos enviariam? Como eles iriam tentar entrar em contato conosco? Existem tantas respostas possíveis para essas perguntas que é difícil pensar sobre o assunto. Na minha opinião, a melhor estratégia é estar sempre alerta. Ter isso sempre ocupando algum lugar em nossos pensamentos. Não existem muitos telescópios desenvolvidos para encontrar sinais estranhos, eles não teriam muita utilidade científica. Basta que fiquemos de olhos bem abertos.
Existem missões específicas para identificar esses sinais? Não acredito que seja fácil desenvolver um programa coerente para procurar e re
conhecer esses sinais, se é que eles existem. Há muitas pessoas tentando fazer isso, mas não sei dizer se elas vão conseguir. É um dos grandes mistérios da vida, tenho a mesma curiosidade que qualquer pessoa, mas não acredito em nenhuma das duas coisas — que existe ou não existe — eu realmente não sei! Mas essa é a graça, teremos que esperar e ver o que acontece.
Os humanos enviam sinais que poderiam ser reconhecidos por alienígenas? Com certeza! Enviamos sinais o tempo todo. Todos esses programas de TV são transmitidos para o espaço. A TV é o tipo de sinal mais comum, mas pode ser qualquer outro. Existem muitos outros tipos de comunicação acontecendo localmente e a maioria das ondas vai parar no Sistema Solar e até fora dele. Não sei se existem alienígenas tentando detectá-las, mas estamos emitindo sinais o tempo todo.
Se a comunidade científica não tivesse que se preocupar com dinheiro, quais missões seriam adicionadas ao relatório? O número de missões que gostaríamos de incluir no relatório é 10 vezes maior do que qualquer orçamento poderia suportar. Contudo, é justo dizer que os 90% que ficaram de fora requerem um desenvolvimento tecnológico pesado.
Quais são os projetos que poderão ser escolhidos a partir de 2020? Eu diria que existem dois candidatos muito fortes — um telescópio focado na espectroscopia, chamado IXO — e uma missão principal concentrada no estudo de planetas habitáveis próximos ao Sistema Solar.
Depois que encontrarmos um planeta habitável, será possível viajar até ele? Bem, acho que a resposta é não. Trata-se de um problema com as leis da física. Se eu disser, por exemplo, que o planeta habitável mais próximo está a 10 anos-luz de distância da Terra, isso significa que, viajando à velocidade da luz, a jornada duraria 10 anos. Se viajássemos na metade dessa velocidade, levaríamos 20 anos. Agora, se considerarmos a velocidade máxima que conseguimos atingir no espaço com a tecnologia atual, ou seja, um milionésimo da velocidade da luz, é possível perceber como é difícil ter esperanças. Além de desenvolver uma nova tecnologia de viagem no espaço, teremos que transcender as leis da física. Não estamos lidando com tecnologia especulativa — de ficção científica ou coisas do tipo. Muitas pessoas têm idéias malucas sobre como vamos conseguir isso. As leis da física são implacáveis e tudo que fazemos precisa ser extremamente bem entendido e testado. Dito isso, existem obstáculos sérios para atingirmos velocidades que nos levariam até esses planetas em algumas centenas de anos. Por isso, eu diria que não. Não vamos visitar esses planetas tão cedo, mas vamos trabalhar duro para que isso aconteça.