Pouco mais de dois anos após nos apresentar a primeira imagem real de um buraco negro, a equipe do Event Horizon Telescope (HET) realizou uma nova façanha incrível: uma foto impressionante dos jatos relativísticos emitidos pelo buraco negro supermassivo no centro da galáxia Centaurus A. Além de fornecer uma visão detalhada do objeto, a imagem nos mostra que, mais uma vez, Einstein estava certo.
A galáxia Centauros A, também conhecida como NGC 5128, é uma radiogaláxia (ou seja, emite sinais intensos de rádio) localizada em algum ponto entre 12 e 14 milhões de anos-luz de distância. Esses sinais de rádio já eram conhecidos e os cientistas já sabiam que eles são fruto da atividade de um buraco negro supermassivo central. O que ninguém sabe ao certo é como buracos negros como este emitem rajadas de plasma quase à velocidade da luz.
Quando existem nuvens de gás ou poeira nas proximidades de um buraco negro, perto o suficiente para ser sugada em direção ao horizonte de eventos — o ponto de onde nem mesmo a luz pode escapar —, essa matéria será engolida, mas essa é apenas uma parte da “história.” Outro fenômeno relacionado a esse banquete cósmico é a emissão de plasma na forma de jatos. Quando esse processo ocorre no centro de uma galáxia, os astrônomos chamam essa região caótica de centro galáctico ativo.
Existem muitas galáxias com centro ativo, como a própria Centaurus A, enquanto a Via Láctea, por exemplo, possui um centro inativo. Normalmente, os jatos são vistos em pequenas escalas, mas dessa vez temos uma imagem sem precedentes: o jato da NGC 5128 foi capturado pelo telescópio virtual do EHT em uma escala inferior a um dia-luz (ou seja, a distância que percorreríamos em um dia se viajássemos à velocidade da luz), o que revela detalhes nunca antes vistos.
Isso foi possível por dois motivos principais. O primeiro deles é que a Centaurus A é a radiogaláxia mais próxima da Terra, por isso foi uma das primeiras fontes de rádio extragalácticas descobertas pelos astrônomos. Por causa dessa proximidade, foi possível ter uma imagem com resolução o suficiente para mostrar o início e o fim do jato. O segundo motivo é a capacidade do EHT, que possui um telescópio virtual formado pela soma dos dados coletados por alguns dos maiores instrumentos da Terra, o que é equivalente a um telescópio do tamanho do planeta.
À esquerda, uma imagem anterior do jato Centaurus A feita pelo TANAMI; no meio, a nova imagem do EHT, que possui um zoom de 16x em comparação com a imagem do TANAMI. À direita, o jato do M87* para comparação.
Fonte: Nature Astronomy/Creative Commons
Na imagem, o EHT nos leva a uma distância de quase 0.6 dias-luz do buraco negro supermassivo para conferir um ponto bem próximo da origem do jato. Suas propriedades e geometria são muito semelhantes aos jatos do M87* (o buraco negro que foi fotografado pelo EHT em 2019) e também parecidos com os jatos de buracos negros de massa estelar menores. Isso é importante para que os cientistas tenham certeza de que buracos negros supermassivos são apenas uma versão muito maior de buracos negros pequenos, formados pelo colapso das estrelas.
Uma das conquistas que a nova imagem representa é a prova de que o EHT ainda pode fornecer ciência inédita — não que fosse necessário, afinal, o projeto foi responsável pela primeira e única foto da sombra de um buraco negro, mas é incrível saber que, apesar dessa façanha quase inacreditável, ainda há boas surpresas que o EHT pode nos trazer. A outra conquista vai para Albert Einstein, que mais uma vez teve uma prova de que sua Teoria da Relatividade Geral estava certa, já que os jatos são exatamente como ela prevê.
Embora a Relatividade Geral esteja mais que bem estabelecida, comprovada através de incontáveis experimentos ao longo do último século, a ciência ainda precisa avançar para desvendar novos mistérios — isso inclui a incompatibilidade dessa teoria com a mecânica quântica. Por isso, quando astrônomos e físicos teóricos dizem que Einstein estava certo após novos experimentos, não se trata apenas de uma constatação óbvia, pois alguns cientistas estão constantemente colocando-a à prova, tentando quebrá-la. Não foi dessa vez, no entanto.
O buraco negro no centro do Centaurus A tem massa 55 milhões de massas solares, aproximadamente, cerca de 100 vezes menos massiva que o M87*. Mas ele é bem maior que o Sagitário A* (ou Sgt A*), o buraco negro no centro da Via Láctea, que deve ter “apenas” cerca de 4,1 milhões de vezes a massa do Sol. O Sgt A* é o próximo alvo das lentes do EHT.