Quantas vezes na vida já ficamos com o ouvido colado em um daqueles rádios antigos e enormes? Girando e girando o dial em ondas curtas, imaginando se poderíamos captar os sinais de alguma estação de outro planeta? Pois agora qualquer pessoa que tenha um computador com uma certa potência – pelo menos um Pentium – e esteja plugado na Internet terá a oportunidade de procurar a freqüência de rádio de alguma civilização extraterrestre. Os interessados podem participar de uma iniciativa inédita na História, lançada recentemente pelo projeto Search for Extraterrestrial Intelligence (SETI), ou “busca por inteligência extraterrestre”, e fazer parte de um grupo mundial de pessoas que procuram um vizinho no Universo.
“Somente em nossa galáxia, a Via Láctea, existem quatrocentos bilhões de estrelas. Se apenas uma em cada um milhão destas estrelas possuir planetas orbitando ao seu redor, se um a cada um milhão destes planetas possuir algum tipo de vida, e se em um a cada um milhão destes mundos existir vida inteligente, deverão então existir literalmente milhões de civilizações no Universo.” Com estas palavras a personagem Eleanor Arroway, a Ellie, interpretada pela atriz Jodie Foster, inicia um dos filmes de maior sucesso sobre o tema da busca por vida extraterrestre da história de Hollywood. Contato, lançado em 1997 e dirigido por Robert Zemeckis, se baseia em fato real e na mais arrojada aventura humana, o projeto SETI. Surgido inicialmente como um programa governamental norte-americano, passou para a iniciativa privada após anos sem grandes resultados e agora busca parceria nos milhões de aficcionados pelo tema. O SETI tem um cronograma sério de pesquisa de civilizações extraterrestres, baseado em Ciência pura e, agora, em uma pitada de emoção. Afinal, especular sobre o que seria a maior descoberta da Humanidade não pode ser uma tarefa isenta do componente humano que mais chama a atenção dos seres que nos visitam. Uma mensagem vinda de alienígenas é o que se espera como resultado dos esforços, mas o SETI quer chegar até eles com métodos científicos e não ufológicos, usando outros procedimentos para concluir sua pesquisa.
Fantasia? Nem tanto! Se assim fosse, não haveria os vultosos investimentos que grandes empresas e multinacionais aplicaram na iniciativa. Na realidade, o SETI é um projeto de Radioastronomia que rastreia e analisa sinais capturados do espaço exterior pelo maior e mais sensível radiotelescópio do mundo, responsável pela descoberta de várias galáxias. É uma concepção moderna de Astronomia, em que se abandonou telescópios e suas lentes. Instalado no Observatório de Arecibo, uma ilha situada em Porto Rico, na América Central, o radiotelescópio tem uma potência espetacular para “ouvir” sinais provenientes do Universo. O gigantesco instrumento funciona como uma antena parabólica que concentra a radiação que recebe do espaço. Os sinais capturados pelo radiotelescópio são muito complexos e compostos por emissões de ondas de rádio provenientes de várias fontes naturais e artificiais – estrelas, quasares, pulsares, da própria Terra e até do Big Bang, a grande explosão que deu origem a tudo e que ainda hoje ecoa.
O espaço cósmico está repleto de fontes de emissão de ondas de rádio. Para conseguir analisar em tempo real todas as informações recebidas pelo radiotelescópio, usando-se milhões de canais de freqüência simultâneos, os supercomputadores do SETI demorariam algumas dezenas de anos. Para se ter uma idéia, a quantidade de dados acumulados diariamente chega a ocupar 22 milhões de megabytes de memória – algo assim como a capacidade somada de cerca de 5 mil computadores domésticos. Fica evidente, assim, a impossibilidade do programa atuar sozinho. Por isso, para auxiliar na exploração do espectro das freqüências de rádio usadas na busca de inteligências extraterrestres, o SETI decidiu dividir o trabalho com milhares de internautas voluntários em todo o mundo. Através da Internet, com o software desenvolvido graciosamente e em conjunto por programadores e empresas de informática de todo o mundo – chamado Seti@Home –, um internauta dedicado pode fazer parte do esforço. O software funciona basicamente como um protetor de tela, aproveitando os períodos de ociosidade do computador do usuário para analisar as informações recebidas diretamente da central de processamento de dados do SETI, localizada em Berkeley, Califórnia. Isso significa que o participante da pesquisa não precisa fazer muito esforço, mas essencialmente ceder uma parte do tempo de seu equipamento para o programa.
Resultados Tímidos – Apesar da incredulidade de muitos e dos resultados ainda negativos, o SETI é patrocinado por grandes empresas, como Sun Microsystems, Fujifilm, Infomix e Paramount Pictures, Engineering Design Team e da própria Universidade de Berkeley, que sempre foi pioneira no apoio a causas científicas de vanguarda. A participação da instituição se dá através da renomada Planetary Society, uma entidade privada fundada por Carl Sagan que conta hoje com mais de 100 mil membros. O Seti@Home é um dos primeiros projetos de processamento já distribuído, e há motivos para considerá-lo como a maior experiência na área da computação realizada pela Humanidade, além de um dos mais expressivos experimentos científicos do planeta.
A busca do SETI por sinais de rádio oriundos de civilizações inteligentes concentra-se na banda de freqüência que vai de 1,400 GHz até 1,720 GHz, escolhida devido à semelhança com a freqüência natural do átomo de hidrogênio, que é 1,420 GHz. Os cientistas do projeto entenderam que, sendo este o elemento mais abundante do Universo, essa freqüência seria provavelmente a escolhida para emissão de sinais por alguma inteligência extraterrestre que quisesse contatar outras, que possivelmente também usaria uma linguagem acessível e universal. A escolha também se deu por serem mínimas as interferências de ruído cósmico nesse espectro.
Lamentavelmente, porém, toda essa tecnologia corre o sério risco de dar em nada, tendo seus resultados embaçados ou gerando até mesmo a descontinuidade da pesquisa. Ocorre que os satélites do sistema Iridium operam na freqüência de 1,6 GHz – ou seja, bem no meio da região do espectro de freqüência conhecida como water hole captada em Arecibo, que é protegida por tratados internacionais que proíbem transmissões nessa faixa. No entanto, as empresas operadoras destes novos satélites estão ignorando e desrespeitando completamente tal tratado, e se nada for feito contra esta transgressão, tal interferência causará sérios prejuízos à comunidade científica, além de adiar por mais tempo ainda – ou até impedir que aconteça – aquela que pode vir a ser a maior descoberta de todos os tempos.
De qualquer forma, com o propósito de estimular os participantes internautas que o SETI arregimentou em todo o mundo, recentemente foram criados grupos de trabalho em várias categorias, disputando entre si quem consegue processar o maior número de dados. Foi a partir daí que os integrantes de vários destes grupos – além de membros de listas de discussão pela Internet, como o Seti.br [http://seti.br.listbot. com] – uniram esforços e tomaram uma outra iniciativa: a de se coligarem, somando os esforços todos dentro de uma única entidade, que chamaram de Brasil. O nome foi escolhido propositalmente, com a intenção de fazer aparecer para todo o mundo – e em posição privilegiada – o nome do país. No ranking internacional de grupos do projeto Seti@Home, o Brasil ocupa presentemente a 19º colocação, figurando com destaque no que a coordenação da entidade chama de Top 20 – os 20 melhores.
No ranking de países integrantes do projeto Seti@Home, nossa posição enquanto nação participante vem melhorando dia a dia e o Brasil ocupa hoje um honroso 24º lugar. Com números como esses cada vez mais internautas se estimulam em ingressar e participar da iniciativa. Mas o Seti@Home irá funcionar por apenas dois anos, tempo suficiente para varrer o céu visível por três vezes. Neste período, o computador envolvido em uma detecção positiva de vida extraterrestre terá seu nome listado nos resultados do projeto como co-descobridor. Assim, além de emocionante e envolvente, a descoberta de uma civilização ET é uma chance de ser famoso e ter o nome gravado definitivamente na História da Humanidade.
Mesmo assim, apesar do entusiasmo, o que se espera pode nunca vir a acontecer. Porém, poderemos mesmo vir a receber um sinal de rádio, por exemplo, de nossos vizinhos do sistema planetário mais próximo, que dista apenas poucas dezenas de anos-luz da Terra. Ou de alguma outra civilização mais distante ainda, quem sabe a 50, 100 ou 200 anos-luz. É possível ainda que o sinal venha de tão longe que talvez a civilização que o enviou nem exista mais. Além disso, detectar uma mensagem alienígena é uma coisa, compreendê-la e respondê-la é outra bem diferente. Por exemplo, se recebermos amanhã e conseguirmos decifrar uma mensagem oriunda de um planeta localizado a 50 anos-luz da Terra, e a respondermos imediatamente, aquela civilização levará outros 50 anos para receber a resposta. Vai soar como um entristecedor monólogo…
As perguntas que ficam no ar são óbvias. Com tamanhas quantidades de tempo envolvidas neste processo, teremos sucesso? Se demorarmos 70 anos, ainda usando o hipotético exemplo acima, para “conversar” com outra civilização, será que até lá ainda pensaremos como hoje? Se obtivermos sucesso nesta busca, deveremos prosseguir? Serão nossos eventuais interlocutores espaciais hostis ou amigáveis? Há quem pondere que talvez fosse melhor ficarmos quietos, só na escuta, sem corrermos risco algum. Provavelmente, só saberemos o que fazer quando chegar a hora. Independentemente de nossas futuras atitudes e de nossa capacidade de interpretar ou não a possível mensagem, nos consolaremos com o tão sonhado resultado de nossa procura: a constatação de que não estamos sós!