Civilização desconhecida muito anterior aos incas criou sistema no litoral há 2.300 anos. Torres marcam com precisão \’caminho\’ do Sol ao longo do ano e teriam função religiosa. Quando os arqueólogos ainda não tinham idéia da função delas, as estruturas no litoral peruano ganharam um apelido quase cabalístico: as Treze Torres. Agora, uma análise detalhada dessas construções misteriosas revelou que elas foram o centro do mais antigo observatório astronômico das Américas, construído por um povo desconhecido por volta da mesma época em que Alexandre Magno conquistou a Ásia. Há indicações fortes de que as Treze Torres permitiam visualizar com precisão o trajeto do Sol no horizonte ao longo das estações do ano, com locais demarcados para a posição do astro no começo da manhã e no fim da tarde. Outros indícios nas áreas vizinhas sugerem que o lugar servia como um grande centro religioso, no qual aconteciam cerimônias ligadas ao astro-rei. Os dados apontam para a existência de uma sociedade complexa e hierarquizada há 2.300 anos – muito antes do surgimento do Império Inca .”Sabe-se muito pouco sobre os construtores do complexo. Não temos uma cultura material estabelecida pela arqueologia, como uma tradição cerâmica, que possa indicar que eles pertenciam a determinado grupo étnico. Mas o local também possui uma fortaleza muito grande, e esses e outros sinais indicam que eles estavam pelo menos no caminho da centralização política”, disse ao G1 Iván Ghezzi, pesquisador da Pontifícia Universidade Católica do Peru e co-autor do artigo sobre o observatório na edição desta semana da revista “Science”.
As Treze Torres integram o complexo cerimonial de Chankillo, localizado no deserto costeiro do Peru. A construção mais conhecida do complexo é uma estranha mistura de templo e fortaleza, com 300 m de comprimento, localizada no alto de um morro e cercada de muros possantes. A leste ficam outras construções, entre elas as torres – na encosta de um morro, relativamente bem preservadas, com forma mais ou menos retangular e altura entre 2 m e 6 m. Escadarias levam ao topo de cada uma das estruturas. Calendário de pedra. Se a altura varia, o mesmo não acontece com o espaçamento entre cada uma das Treze Torres, que é bastante regular. Esse dado, somado ao posicionamento das estruturas analisado via GPS e a observações feitas por Ghezzi e seu colega britânico Clive Ruggles, da Universidade de Leicester, mostrou uma ligação clara entre o movimento do Sol ao longo do ano e as torres. Resumindo, pode-se dizer que elas são um calendário de pedra: cada ponta do conjunto indica os solstícios de inverno e de verão – os momentos em que a inclinação da Terra ao girar pelo espaço faz com que a noite ou o dia, respectivamente, alcancem sua duração máxima.
São as datas que, segundo a convenção, marcam o início do inverno ou do verão (para nós, em junho e dezembro). Os pontos intermediários também parecem marcar os equinócios de outono e primavera, quando dias e noites têm duração aproximadamente igual. Também é possível ver as diferenças de posição entre o nascer e o pôr-do-sol com o calendário. Para Ghezzi, uma organização tão elaborada das observações solares dificilmente tem a ver com a necessidade prática de saber quando colher e plantar milho (principal cultura da região antes de Colombo). “O conhecimento empírico sobre os movimentos do Sol é necessariamente muito antigo e pode ser obtido por métodos muito simples, só com a observação. Você não precisa de construções monumentais para isso”, afirma o pesquisador.
Plebeus e nobres. Foi tendo isso em mente que os pesquisadores chegaram a uma interpretação ousada: as Treze Torres eram um centro religioso e também político, no qual grandes cerimônias em honra do Sol eram conduzidas por líderes e sacerdotes, como forma de legitimar seu poder. Uma série de dados intrigantes apóiam a idéia. Os dois lados das Treze Torres não são iguais, para começar. Em parte por causa das condições climáticas, só o lado oeste da estrutura permite a observação solar o ano todo.Há outra diferença crucial: o lado oeste era equipado com um edifício pequeno, aparentemente de acesso restrito, que terminava num corredor, o qual dava passagem direta à visão das torres no horizonte. “Contudo, do lado leste havia uma grande praça, com espaço para milhares de pessoas e depósitos da chicha, a bebida alcoólica feita de milho usada pelos indígenas. É uma dicotomia interessante”, avalia Ghezzi. É quase como se houvesse um lado para a população geral participar das festas em honra do Sol, enquanto do outro apenas nobres e /ou sacerdotes poderiam entrar e apreciar o calendário. Esse tipo de uso oficial do culto ao Sol não seria nada estranho no Peru antes dos europeus: há registros de que os incas e outros povos da região também o adotaram.Enquanto os estudos para confirmar essa interpretação continuam, Ghezzi aproveita para fazer um convite aos possíveis visitantes brasileiros do complexo. “Como o ciclo da precessão, que altera a inclinação da Terra no espaço, é muito grande, a posição atual do Sol ali ainda é praticamente a mesma. Ainda dá para desfrutar da mesma experiência que os criadores do complexo ao observar o Sol”, afirma.