Arqueólogos da Universidade Nacional de Huamanga, no Peru, do Museu Britânico e das Universidades de Reading e de Londres, na Grã-Bretanha, encontraram um conjunto de pedras incas que, segundo eles, podem revelar à humanidade o segredo do poderio da civilização que dominou parte da América do Sul entre os séculos 15 e 16.
Fazendo escavações no topo de uma montanha onde os incas realizavam rituais sagrados, os especialistas encontraram as três pedras ancestrais, objetos sagrados que, na crença inca, representavam a conexão entre o mundo dos ancestrais e o Sol.
Nenhum exemplar das pedras – descritas por cronistas espanhóis que chegaram à América no período das grandes navegações e vistas em desenhos feitos no período – havia sido encontrado antes. Elas têm 35 cm de altura e formato cônico, pesam vários quilos e precisam ser carregadas com ambas as mãos.
“Acreditamos que essas pedras e as plataformas onde foram encontradas, guardam o segredo do poderio inca”, disse o especialista do Museu Britânico Colin McEwan à BBC. Os cientistas trabalhavam há duas semanas a altitudes de entre 3.600 e 5.000 m quando as pedras foram localizadas. “Estou falando de arqueologia radical, era difícil trabalhar e até mesmo respirar lá em cima”, disse McEwan.
Os incas acreditavam que seus ancestrais, os fundadores da civilização, haviam sido convertidos permanentemente em pedras. Após a chegada dos colonizadores espanhóis, cronistas descreveram, em seus relatos históricos, importantes eventos públicos na praça central da capital do Império Inca, Cuzco.
Nessas ocasiões, o rei inca ficava sentado em uma plataforma elevada, de onde observava as celebrações. Oferendas líquidas de chicha (uma bebida fermentada feita com milho) eram feitas por meio de uma abertura vertical feita na plataforma. Quando o rei não estava presente, uma pedra sagrada era colocada no assento onde ele deveria estar sentado para representar o poder da dinastia inca.
Os deuses da montanha
“A capital inca, situada entre altitudes de 2.500 e 3.600 m, era bastante alta”, disse McEwan. “Mas a expansão do império inca implicou na conquista de altitudes ainda maiores, onde viviam as lhamas e alpacas, entre 3.600 e 5.000 m”.
Fonte de alimento e de lã para tecelagem, além de importante meio de transporte, grandes rebanhos de lhamas e alpacas eram vitais para a sobrevivência do império. McEwan e a equipe de arqueólogos acreditam que isso explica a presença, nos cumes de várias montanhas, de cerca de 40 plataformas cerimoniais, símbolos do controle inca sobre esses territórios.
Com a ajuda do arqueólogo peruano Cirilo Vivanco Pomacanchari, da Universidade Nacional de Huamanga, que vem progressivamente localizando e mapeando as plataformas em locais remotos, a equipe chegou ao local onde as relíquias foram encontradas.
Segundo McEwan, eles não tinham qualquer ideia do que poderiam encontrar. “Esses locais eram tão sagrados que os incas não queriam deixar qualquer traço visível da presença humana neles”, disse. “Ao escavar o chão da plataforma, encontramos amostras de solo trazidas de diferentes regiões, cuidadosamente dispostas”, completou.
Mais ao fundo, cerca de 2,5 metros abaixo da superfície, a equipe encontrou uma cavidade que havia sido escavada na rocha sólida. “Quando escavamos, descobrimos três dessas pedras, cuidadosamente colocadas com as pontas juntas, como um tripé, apontando para baixo, indicando a conexão com o mundo dos ancestrais”.
Questionando teorias segundo as quais os incas seriam “socialistas”, McEwan disse que seu império foi construído com astúcia e violência. “Quando negociavam com um líder local, os incas lhe ofereciam a opção de governar localmente, mas ele era obrigado a pagar impostos”. Se a oferta não era aceita, o poderio inca dizimava a população masculina e transferia os sobreviventes para outros locais, cortando seus vínculos com a terra e meios de subsistência.
As plataformas e as pedras ancestrais, parte do arsenal ideológico inca, eram um instrumento-chave de controle imperial. “Sabíamos que os incas deveriam ter razões importantes para colocar essas plataformas nesses locais, próximos dos cumes sagrados e permitindo uma visão ampla de todo o horizonte à volta. Nós acreditamos que eles obrigavam a população local a trazer (as amostras de) solo e as colocavam nas plataformas como símbolos do domínio inca”.
Os especialistas calculam que essas plataformas teriam sido construídas por volta de 1.400, durante a conquista daqueles territórios pelos incas, antes da chegada dos espanhóis. Na crença inca, picos de montanhas cobertos de neve, de onde vem a água que sustenta a vida nos vales, eram sagrados.
As pedras seriam oferendas para o cume sagrado, conectando os ancestrais incas ao Sol. “Você dá seu mais precioso objeto aos deuses da montanha, esperando em retorno a fertilidade da terra e os benefícios trazidos pelos animais que a habitam”. Corpos de crianças mumificados, encontrados anteriormente nas montanhas, indicam também a prática de sacrifícios humanos.
Segundo McEwan, o próximo passo é fazer uma análise das amostras de solo encontradas nas plataformas. Com a ajuda de satélites, a equipe está tentando entender também a lógica por trás da localização específica de cada uma delas. Ele diz que não há plataformas em todos os cumes altos e acredita que a escolha dos locais não era aleatória.
Finalmente, McEwan disse que a equipe procura a resposta para a dúvida de como os incas conseguiram ganhar o impulso que lhes deu controle sobre um território tão imenso. A resposta estaria guardada nas plataformas e pedras ancestrais. “Elas estão no coração do grande projeto inca”, concluiu.