A adoração aos dragões não foi exclusiva da Ásia e Europa. No México, arqueólogos do Instituto Nacional de Antropologia e História (INAH) identificaram nas localidades de Veracruz, Guerrero e Morelos imagens talhadas em pedra, pinturas em platôs e esculturas de barro que informam sobre rituais de veneração a um animal fantástico: o dragão olmeca.
Estes rastros arqueológicos e iconográficos datam do período entre 1.200 a 400 a.C. Não se trata da famosa serpente emplumada que recebeu os nomes de Quetzalcóatl e de Kukulkán, é outra bem mais antiga e ainda não foi definido se deve ser considerada como uma deidade, isto é, um deus. Em alguns casos o chamado dragão olmeca aparece como um tipo de animal sobrenatural que combina traços de serpente, ave e jaguar. Em outras representações resplandece como um humano que compartilha detalhes animais, identificando este ser mítico.
“Possui traços muito específicos da cultura olmeca, como é um tipo de sobrancelha em forma de fogo, que conhecemos como sobrancelha flamígera. Também tem no olho ou no torso uma cruz olmeca que chamamos Cruz de Santo André”, explicou em entrevista a arqueóloga Carolina Meza Rodríguez, responsável pelas escavações em Chalcatzingo, Morelos, onde se fizeram numerosos achados desta figura. “Outro aspecto interessante do dragão olmeca é que saem de sua boca umas vírgulas – signos parecidos a comas – que podem ser palavras ou nuvens. Igualmente, poderia se tratar de algum tipo de raio que o animal ou sacerdote lança do interior de uma gruta para fazer chover ou para fazer a terra fértil”, acrescentou Carolina.
A especialista em cultura olmeca indica que há um debate acadêmico muito forte para definir se este animal deve ser chamado de dragão ou não. No entanto, no momento a maioria dos estudiosos usam esse termo, que foi alcunhado em meados do século XX por dois dos pioneiros no estudo dos olmecas, Miguel Covarrubias e Beatriz de la Fuente, quem foram os primeiros em ver pinturas desse animal fantástico em sítios arqueológicos olmecas em Veracruz.
Símbolos do poder
Os arquoólogos Giselle Canto Aguilar e Víctor Castro Mendoza, do INAH-Morelos, também têm encontrado imagens estilizadas do dragão e de sacerdotes-dragão em Zazacatla. Essas estão sempre relacionadas com a entrada de grutas e, ao que parece, teriam sido o símbolo de poder de uma antiga linhagem olmeca que governou entre 800 e 500 a.C.
Em algumas ocasiões, os elementos iconográficos que se associam ao dragão olmeca aparecem separados em diferentes partes de uma gruta, em algumas aparece a sobrancelha flamígera, em outras a cruz de Santo André, de modo que toda a gruta se converte no dragão ou no animal fantástico representado pela mais antiga cultura sedentária da Mesoamérica de que se tem registro.
“Em que se parece e não se parece esta figura de dragão olmeca aos dragões que conhecemos de outras culturas?”, perguntou-se à arqueóloga. “O dragão mais conhecido é o oriental e o da Europa medieval. Estas duas imagens parecem-se muito a uma que está em Chalcatzingo, a qual chamamos A figura da criação, que é uma figura de serpente que tem rosto de um ave, com pescoço de águia, com asas, está voando e tem a cruz de Santo André em seu torso. Qualquer pessoa leiga pensaria que é um dragão. Também há uma figura do sítio arqueológico La Venta, que é uma personagem dentro de uma serpente de traços míticos combinando com vários animais. São mitológicas, com o sincretismo de vários animais, que em muitas culturas coincidem com a figura do dragão. Em contraste, há que dizer que as deidades olmecas estão mais relacionadas com a água e a terra e não com o fogo, como nos dragões de outros continentes”, explicou Carolina.
Desenhos em lugar de palavras
Como a cultura olmeca data de mais de 3.200 anos, é muito difícil explicar muitas coisas sobre sua vida, organização, surgimento, esplendor e ocaso. Não há documentos escritos, suas cidades são poucas e mínimos os pictogramas que podem ser interpretados. Por isso, além dos arqueólogos, outros cientistas que estudam esta cultura são os historiadores da arte, especializados em pictogramas.
O Instituto de Investigações Estéticas da INAH tem um seminário especializado em murais pré-hispânicos e nele participam alguns dos mais importantes profissionais em iconografia olmeca, como Beatriz de la Fuente. Esta linha de estudo foi retomada pela doutora Maria Teresa Uriarte, que explicou algumas das grandes lacunas ou dúvidas sobre a imagem do chamado dragão olmeca. “É muito importante assinalar que no México pre-hispânico não há representações de animais 100% puras, ou quase não as há. Que quer dizer isto? Pois dentro de sua cosmovisão os animais se desenvolvem no terreno do sobrenatural. Seu mundo é numénico – sagrado – e suas representações recriavam um mundo sobrenatural no qual o mito e os rituais ocupavam a totalidade de seus temas”, indicou a perita em história da arte.
Maria sublinhou que os animais sobrenaturais abarcavam um espaço que um humano não pode atingir e misturam nos seres diferentes âmbitos: terra, fogo, ar e água, como os quatro elementos gregos antigos. “O chamado dragão olmeca era um deus?”, perguntaram à pesquisadora. “Não alcunharia tão facilmente deidade ao chamado dragão olmeca. Por que? Porque não temos evidência suficiente de culto a essa deidade, como teríamos para um homem idoso que aparece em Cuicuilco e que está associado com o fogo até a chegada dos espanhóis, o chamam Huehuetéotl e me atreveria a dizer que sim, esta última é uma das deidades mais antigas”, indicou Maria Uriarte.
Enquanto se debatem os atributos e função ritual da figura do dragão, os achados continuam aparecendo no sítio de Chalcatzingo, lugar considerado como um santuário localizado entre duas montanhas e a 40 minutos ao oriente de Cuautla. Dezenas de peças de cerâmica deixam ver a mesma iconografia, mas há grandes vazios de informação sobre suas características, suas fun&
ccedil;ões e relação com Quetzalcóatl.
“Sob alguns pontos de vista poderia ser dito que há uma relação com uma deidade que apareceu muitos anos depois e que é Quetzalcóatl, mas não pode ser demonstrada diretamente esta relação porque falta informação arqueológica que os entrelace diretamente. O que é um fato é que quem não se refere a este animal fantástico domo dragão olmeca o denomina “o monstro da terra”, conservando sua função sobrenatural”, disse Carolina Meza.