Uma das principais reivindicações dos ufólogos brasileiros é o reconhecimento oficial do Fenômeno UFO. Na realidade, a intenção é a de que o Governo admita que existe um fenômeno autêntico, de origem desconhecida e, provavelmente, segundo defendem os pesquisadores, não-terrestre. A idéia já incentivou inclusive campanhas feitas no passado, através de adesivos e camisetas que costumavam aparecer nos eventos de Ufologia pelo país afora. Agora, a campanha UFOs: Liberdade de Informação Já, da Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU), iniciada em abril através da Revista Ufo, reaviva as discussões e faz tomar corpo, no país, o anseio de ver o tema tratado com a necessária importância.
Mas, apesar do esforço dos ufólogos, o Fenômeno UFO continua sendo motivo de segredo nos meios governamentais do Brasil. Embora a Comunidade Ufológica Brasileira saiba da existência de programas militares com o objetivo de acompanhar a questão, nenhum deles é oficialmente admitido pelas autoridades. Nem mesmo sequer a realidade do fenômeno é reconhecida por elas. Essa forma de tratar a questão não é, no entanto, uma regra para toda a América Latina. Uruguai e Chile avançaram bastante nesse sentido e criaram políticas de investigação a respeito do tema. O primeiro, através da Comisión Receptadora y Investigadora de Reportes de Objetos Voladores No Identificados (Cridovni), a mais antiga organização mista civil e militar oficialmente envolvida na pesquisa ufológica, fundada há 25 anos. Já no Chile esse trabalho é feito desde 1997 pelo Comité de Estudios de Fenómenos Aéreos Anômalos (CEFAA), ligado à Escola Técnica Aeronáutica e presidido pelo general Ricardo Bermudéz.
Ambos os programas têm vários pontos em comum. Contam com a participação de alguns dos principais ufólogos de seus países, com equipes multidisciplinares no apoio à pesquisa e análise de dados. Buscam suporte acadêmico e tiveram sua origem baseada na preocupação governamental com a segurança do espaço aéreo nos territórios de ambas as nações. Além disso, promovem e participam de eventos internacionais, nos quais buscam novas informações ou procuram incentivar outros governos a adotarem a mesma conduta diante do fenômeno.
Ação Integrada — Mas é especialmente no Chile que a integração entre civis e militares vem prometendo resultados mais positivos nesse programa. Em maio de 2001, no Congresso Internacional de Ufologia, realizado em Curitiba (PR), um dos principais integrantes da iniciativa chilena, o sociólogo Rodrigo Fuenzalida, esteve no Brasil para apresentar o trabalho do CEFAA e trazer uma proposta de ação integrada com os brasileiros. Infelizmente só conseguiu a atenção da comunidade ufológica presente. A proposta não ecoou nos meios militares, governamentais ou acadêmicos.
Fuenzalida é presidente da Agrupación de Investigación Ovniológica (AION) – organização de pesquisa convidada pelo general Ramón Vega a fazer parte do CEFAA – e representante da Revista Ufo em seu país. Vega, que meses após a fundação do Comité foi eleito senador do Chile, foi quem decretou a criação da entidade. Uma das razões para o convite, segundo explicou Fuenzalida, foi que, a partir de 1996, a AION realizou os primeiros congressos internacionais de Ufologia com participação da Universidade de Santiago e apoio da Faculdade Tecnológica, tendo uma cobertura acadêmica importante. “No último evento da série” – disse o sociólogo – “a participação do Brasil foi importante, com a presença dos pesquisadores Claudeir Covo, Ricardo Varela e A. J. Gevaerd, que mostraram a expressiva casuística do Brasil diante da seleta platéia num evento patrocinado pelo CEFAA, com participação oficial da Força Aérea Chilena e avaliado pela Faculdade Tecnológica [Veja matéria em Ufo 92]”.
Onda Ufológica — O CEFAA cresceu significativamente nos últimos anos. A entidade se fortaleceu bastante a partir de uma grande onda ufológica que o Chile experimentou em 1997. Mas foi mesmo a partir de 2000 que o compromisso das Forças Armadas chilenas com a busca de respostas para o Fenômeno UFO ficou ainda mais evidente. Em março daquele ano, por ocasião da Feira Internacional do Ar (FIDAE), a mais importante exibição de tecnologia aeroespacial do Chile, um workshop oficial do evento tratou exclusivamente de Ufologia. O evento contou com a presença de renomados ufólogos de diversos países, entre eles o doutor Richard Haines, ex-consultor da CIA para o assunto; o escritor Juan José Benítez, autor da série Operação Cavalo de Tróia; o engenheiro francês Jean-Jacques Velasco, um dos colaboradores do polêmico Dossiê Cometa [Veja matéria em Ufo 73]; além do próprio Fuenzalida, acadêmicos chilenos e a direção do CEFAA. Foi um marco para a Ufologia Chilena.
O grupo de debates formado no evento assinou conjuntamente um documento que, entre outras conclusões, afirmava que “os antecedentes largamente discutidos no workshop indicam que os fenômenos aéreos anômalos são reais e neles estão inseridos incidentes com objetos voadores não identificados, que são raros e aleatórios, mas específicos”. Além disso, segundo o documento, “os estudos sérios realizados até esta data não lograram êxito em resolver as infinidades de incógnitas que envolvem este controvertido assunto, o que leva à atual impossibilidade de se avançar algumas teorias até encontrar respostas validadas cientificamente”.
Para chegar a estas conclusões, neste que foi um dos eventos mais importantes da história da pesquisa ufológica no Chile, muitos momentos de tensão ocorreram entre os debatedores. Os civis pediam com veemência que os militares liberassem suas informações de uma vez por todas. Uma das horas mais tensas foi quando o autor espanhol Benítez pediu que o grupo da FIDAE colocasse ao final do relatório a requisição oficial para que a Força Aérea Chilena (FAC) abrisse seus arquivos. Um general reagiu imediatamente e garantiu que a FAC não detinha mais segredos “revel&aacu
te;veis”, o que foi evidentemente contestado. Seu cuidado é justificado diante do contexto que levou à criação do comitê, de natureza mista civil-militar. Existe um zelo especial no estabelecimento de critérios acerca do que seria o objeto de estudos do programa chileno, para evitar as excentricidades típicas da Ufologia. Além disso, os membros militares do CEFAA temem ficar estigmatizados por validarem aquilo que, para a população em geral, seria uma “crença de malucos”.
Na medida em que essa preocupação no meio militar é bastante comum, os ufólogos chilenos vêem problemas adicionais para o desenvolvimento de programas parecidos no Brasil. “A realidade sociológica do Fenômeno UFO é muito complexa. O Brasil é um país muito místico por excelência, onde UFOs se misturam com transcomunicação, dogmas espíritas, conceitos religiosos etc”, declarou Fuenzalida. Para ele, essa é uma mistura lógica para a realidade brasileira, mas que carece de caráter oficial. “Pode-se falar de contatos extraterrestres no Brasil com a mesma facilidade com que um médium em transe alega estar em contato com espíritos. Acho que deveria haver uma separação entre as coisas”, ponderou. De acordo com ele, para que haja um posicionamento mais aberto e oficial quanto à Ufologia por parte das forças militares e setores governamentais brasileiros, “os ufólogos têm que necessariamente se afastar das vertentes mais místicas”. Defensor do método científico como ferramenta de pesquisa legítima, o sociólogo acredita que, atualmente, os mecanismos e sistemas à disposição da ciência avançaram muito e já permitem uma pesquisa mais ampla – mas ainda assim metodológica e científica – do Fenômeno UFO.
Troca de Informações — A experiência chilena tem sido bem sucedida no sentido de produzir uma troca de informações fluente nos dois sentidos, tanto militar quanto civil. Melhor ainda, o Grupo FIDAE – como ficou conhecido o elenco de pesquisadores que se reuniu no histórico workshop – estabeleceu como meta de trabalho buscar parcerias e cooperação internacional. Proposta que, aliás, Fuenzalida apresentou formalmente no Brasil. “Mas há de se entender que é necessário ter maturidade suficiente. A Ufologia Mística deve ser, senão combatida, aceita apenas com efeito sociológico. É preciso saber que ela não dá respostas para um fenômeno que é mais complexo do que imaginamos”. Até essa altura, a pesquisa conjunta já produziu alguns casos importantes e algumas boas respostas.
Um exemplo citado pelos chilenos – no qual o Brasil tem responsabilidade – foram os famosos balões de Bauru (SP). Eles eram parte de uma pesquisa franco-brasileira, em que enormes balões meteorológicos foram lançados naquela cidade paulista. Ocorre que acabaram gerando uma infinidade de relatos de avistamentos de supostos UFOs – já que apareciam como objetos brilhantes nos céus – em quase todos os países ao longo da linha imaginária que descreviam ao circular o globo terrestre. “O problema é que, nesse tipo de pesquisa, quem lança o balão deve comunicar à aeronáutica dos países por onde esses balões vão passar. E isso o Brasil não fez”, destacou Fuenzalida. A solução do mistério dos objetos luminosos contou ainda com a ajuda do pesquisador argentino Luiz Pacheco, editor do boletim eletrônico Informe Alfa [www.informealfa.com.ar].
Ao compararem o trabalho do CEFAA com o do Cridovni, do Uruguai, os ufólogos chilenos identificaram diferenças metodológicas. Primeiro, embora seja uma iniciativa oficial e conte com alguma participação de civis, o Cridovni ainda é fundamentalmente uma empreitada sob o controle das Forças Armadas uruguaias, e tem uma estrutura bastante precária [Veja matéria em Ufo 89]. De qualquer forma, apesar das diferenças e das dificuldades inerentes ao processo de pesquisa ufológica – como a recusa da delegação militar chilena em abrir completamente seus arquivos – ambas as entidades representam passos importantes no sentido de buscar respostas e soluções para o Fenômeno UFO. Ainda que essas possam ter, de fato, caráter insólito e talvez até alienígena, como defende a maioria dos grupos civis de pesquisas ufológicas.
No entanto, os dois comitês não são casos isolados de iniciativas em que ocorreu envolvimento oficial e governamental com o assunto UFO. No dia 13 de julho de 1999, o Comitê de Estudos Avançados da França – o chamado Comitê Cometa – entregou ao presidente Jacques Chirac e ao seu primeiro-ministro Lionel Jospin um documento bombástico. Era o Dossiê Cometa, como foi chamado o relatório preparado por um grupo de pesquisadores civis e militares, na maioria acadêmicos e ex-membros de altos postos do programa espacial ou da defesa francesa. Sob a presidência do general do Exército-do-Ar Denis Letty e com a participação de vários notáveis – entre eles o físico Jean-Jacques Velasco –, o Cometa publicou parte de suas conclusões de forma absolutamente polêmica na revista VSD, uma publicação jornalística de grande prestígio na França [Veja ao lado].
Problema Diplomático — Entre as afirmações do dossiê, estava a admissão pública de “uma forte possibilidade da origem dos UFOs ser alienígena”. O documento contou ainda com avaliações acerca do comportamento inteligente dos objetos voadores não identificados e a existência de uma forte manipulação de dados para desinformação do público e acobertamento de evidências. Segundo o relatório, um contexto bem documentado “obriga as autoridades a encararem todas as questões sobre a origem, natureza e características do Fenômeno UFO. Em particular, a hipótese extraterrestre”. Curiosamente, embora considerado extremamente polêmico e contendo manifestações de cientistas de credibilidade ímpar para um documento com esse teor, o Dossiê Cometa não foi bem recebido pela imprensa. Em parte, talvez por ter sido considerado um relatório oficioso, e não oficial. Simplesmente não houve chancela governamental no documento, embora fosse de conhecimento público a participação de representantes estatais no projeto. Segundo
muitos analistas e pesquisadores franceses e estrangeiros, talvez a medida tenha sido premeditada. Isso porque o documento continha duras críticas ao que considerou “política de desinformação e acobertamento”, levada a cabo pelos Estados Unidos.
Esse posicionamento, caso chancelado pelo governo, representaria um terrível problema para a diplomacia francesa. Pode também ter sido esta a razão que levou o Dossiê Cometa a ser emitido por outra organização que não o Serviço de Análise de Fenômenos de Reentradas Atmosféricas (SEPRA), uma espécie de substituto para o antigo Grupo de Estudos de Fenômenos Aeroespaciais Não Identificáveis (GEPAN), criado em 1976 pelo governo francês. A iniciativa, no entanto, está a anos-luz de distância de suas similares norte-americanas. Os Estados Unidos também tiveram seus órgãos oficiais de pesquisas de UFOs. O mais famoso deles, da década de 60, virou até seriado de televisão: o Projeto Blue Book. No entanto, nenhuma conclusão dessas iniciativas – quando existiram – foram aceitas pela comunidade ufológica internacional, que insiste na existência de desinformação e acobertamento em nome de interesses escusos.
No Brasil, o assunto nunca ganhou um caráter oficial e público, exceto pelas declarações de pilotos da Força Aérea Brasileira (FAB), autorizados para tanto em ocasiões pontuais, como no episódio de 19 de maio de 1986. Nessa data, caças a jato seguiram 21 objetos voadores não identificados sobre o Rio de Janeiro e São Paulo.
Análise Científica — Mas se a FAB chegou a alguma conclusão a respeito, esta continua secreta. E apesar do segredo, há de se destacar o funcionamento, de 1969 a 1972, do Sistema Integrado de Investigação de Objetos Aéreos Não Identificados (SIOANI), que operava dentro do 4° Comando Aéreo Regional, de São Paulo. A entidade foi formada para coletar informações sobre UFOs e procurar analisá-las sob um ponto de vista científico. Para tanto, chegou a manter intercâmbio reservado com alguns grupos civis de pesquisas, publicando até um boletim de circulação restrita sobre os casos em estudo. Mesmo assim, essa não era uma informação destinada à comunidade em geral.
Ainda mais reservada foi a Operação Prato, de pesquisas de UFOs realizada na Amazônia, no final da década de 70. Embora haja muitos documentos e vários depoimentos a respeito, a existência deste programa sequer é admitida oficialmente pela FAB. Apesar disso, um volume surpreendente de informações sobre a tal operação, inclusive uma longa entrevista feita pela Revista Ufo com seu comandante – o então capitão Uyrangê Bolívar Soares Nogueira de Hollanda Lima – tem circulado nos meios ufológicos e é, hoje, um dos pilares de sustentação da campanha UFOs, Liberdade de Informações Já [Veja entrevista com o coronel em Ufo 54 e 55]. O movimento pede ao Governo Federal a abertura de seus arquivos e o reconhecimento do Fenômeno UFO como legítimo e de origem não-terrestre.
Países que têm comissões de estudos de UFOs em caráter oficial e público
Chile, Uruguai, França e Itália não apenas mantêm comissões de estudos com verbas governamentais, como admitem a realidade do Fenômeno UFO. Além deles, a Bélgica reconhece o caráter insólito dos UFOs e a Espanha, embora não reconheça oficialmente a existência do fenômeno, em 2003 promoveu a “desclassificação” de seus arquivos ufológicos, com muitos casos inconclusivos por falta de explicação convencional. O México é o país mais novato nessa lista, tendo admitido a existência dos UFOs recentemente.