Que interesse há nessa questão, quando 900 milhões de pessoas vivem na mais obscura miséria, sem que tenham os seus direitos respeitados? Não obstante, a indagação é pertinente. Até mesmo porque quando os europeus se depararam com o homem americano tiveram dúvidas de que este tivesse alma… É sempre a vanguarda do pensamento que precede a evolução histórica da Humanidade. E, na verdade, o reconhecimento dos direitos é coisa relativamente recente. Embora, a princípio, todos tenham sido provavelmente iguais, a aquisição de bens levou indivíduos mais fortes a oprimirem e submeterem os mais fracos e pacíficos e, depois, a escravizá-los.
Sabemos que no Brasil seres humanos foram apropriados por seus semelhantes, com o apoio do Estado, até o final do século passado. Extinta a escravidão, mesmo assim, o desrespeito humano continuou a existir. Basta lembrarmos a desigualdade social, a concentração de renda, a fome e, atualmente, até a falta de água em algumas regiões do mundo.
É verdade que os direitos humanos fundamentais começaram a ser enunciados com o surgimento do Humanismo, na Idade Média. O mais famoso documento desse período de despertar da consciência sobre os direitos humanos fundamentais foi a Magna Carta Inglesa que os nobres e bispos impuseram ao rei João Sem Terra, em 1215 d.C. No entanto, ela não chegou a ser uma declaração de direitos dentro do conceito atual. Era mais uma relação de garantias de valores contra o despotismo real.
É principalmente a partir da Declaração dos Direitos do Homem, surgida no Século XVIII com a Revolução Francesa, que se inspiram os povos para afirmar filosoficamente a igualdade e a liberdade de todos os seres humanos, independente de raça, cor, idade, sexo, classe social ou religião. Horroriza-nos, sem dúvida, a idéia da escravidão e do abuso moral ou físico, seja de seres terrestres ou dos que vêm à Terra. Desde que os consideremos como pessoas, não seriam a eles aplicáveis as declarações de direitos individuais e suas garantias?
A preocupação de que seres humanos, qualquer que seja sua cor, estatura, aparência, vindos do espaço exterior, venham a ser desrespeitados enquanto indivíduos passa por esta consideração: as declarações não são a práxis. Não há lei e nem justiça sem homens justos. Se existem aqueles que ainda se apropriam do esforço humano, sem a menor vacilação, existem também os que tentarão se apropriar do conhecimento formal ou inerente aos viajantes espaciais e seus veículos. E há ainda armas, evidentemente.
Sociedade fraterna – Qualquer indivíduo tem para si assegurado, no prólogo da Constituição Brasileira, “…o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como os valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida com a ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”.
A questão, quando relacionada aos ETs, é bastante complexa, como veremos. Em primeiro lugar, o que é preciso estabelecer frente aos alienígenas é sua verdadeira condição de ser humano – ou clonado, ou mesmo cibernético orgânico. Que entendemos por ser humano? Do ponto de vista biológico, o homem (o ser humano) desceu das árvores há seis milhões de anos, evoluindo até os tipos diversos com os quais hoje convivemos. No entanto, poucos considerariam homem os indivíduos experimentais produzidos pela natureza, até que foi obtido o Homo sapiens.
Para a filosofia materialista, o homem não passa de um animal aperfeiçoado, não existindo nenhum princípio imaterial regendo seus atos. Sua inteligência difere apenas em grau, e não em essência dos demais animais. Com sentido filosófico para pessoa humana, o homem pode ser, ao contrário, definido como um “ser corpóreo, do reino animal, formado por um princípio imaterial, inteligente e livre que se chama alma”, segundo a Enciclopédia Brasileira Globo.
Para a filosofia aristotélicotomista, o corpo é a matéria da essência humana, insubsistente sem a forma, donde vem toda a sua atividade vegetativa, animal e racional. Este princípio vital é a alma imortal, que é não dependente do aparelho corpóreo. Embora as religiões possam variar em seus fundamentos dogmáticos e filosóficos, todas convergem para admitir a diferença entre o corpo material e a alma espiritual, imortal.
E os indígenas, eles teriam alma? Esta pergunta, hoje, parece inadmissível, acreditando-se ou não na imortalidade da alma. Respondê-la negativamente seria negar a condição de ser humano dos habitantes das Américas. No entanto, este tema já foi seriamente discutido e depois, decidido pelos teóricos da religião católica. E os seres extraplanetários teriam alma? Considerações filosóficas à parte, bastaria determinar, para fins legais, se os indivíduos que se apresentam aos terrestres seriam portadores de inteligência humana. Mas como testá-los? Para complicar, hoje em dia o próprio conceito de inteligência fugiu ao domínio dos testes. A inteligência não se distribui de forma uniforme entre os homens.
Novos tipos de inteligência são admitidos, além da tradicional e reconhecida inteligência lógica e matemática (quantos sofreram nas escolas por não terem bom desempenho nas áreas abstratas, enquanto na vida prática se deram extremamente bem?). Já se admite inteligência pessoal (ajuda o indivíduo a se entender e a entender o outro), inteligência espacial (ligada à visualização de objetos no espaço), inteligência lingüística (comanda a habilidade de falar, ouvir e escrever), inteligência musical (quem duvidaria da inteligência de Mozart ou Bach?) e ainda outras, de maior interesse para viajantes espaciais.
Inteligência comunicativa – Para os visitantes interplanetários, deveriam, sem dúvida, ser escolhidos indivíduos com inteligência corporal ou habilidade de controlar harmoniosamente os movimentos, pois estariam, provavelmente, movimentando-se em ambiente de gravidade diferente do local de origem. Deveria haver também inteligência comunicativa que confere habilidade de manter comunicação ativa com os estranhos, pessoas que não falam a mesma língua, saber escolher as palavras corretas e ser sensível às diversas maneiras como as palavras são utilizadas, enfim, a simpatia e a capacidade de não provocar medo ou reações agressivas.
Na Terra, significaria ainda beleza física para submeter ambientes adversos ou seduzir os semelhantes. Evidentemente, a beleza criada fora da Terra talvez não sirva para o viajante como instrumento de simpatia. Para o tripulante de uma nave, seria imprescindível, também,
a inteligência experimental, que se destina a resolver problemas novos ou novas situações que demandem algum tipo de ação. E, sobretudo, existe uma outra, denominada inteligência interna, que é a habilidade mental de abordar um problema, avaliá-lo corretamente bem como as conseqüências práticas das ações, além da capacidade de mudá-las, se não estiverem adequadas. Provavelmente o comandante seria, nesta modalidade, o mais inteligente.
Identificaríamos como homens seres que, sem dúvida, demostrassem inteligência criativa. E emoções, é claro. E como detectá-las? A complexidade do assunto leva pesquisadores da Filosofia, Psicologia, Medicina, Informática e Bioquímica à corrida para identificar, no cérebro, as raízes químicas do pensamento e das emoções. Hoje a ciência tem diversos meios para identificar as atividades cerebrais. O magnetoencelógrafo (MEG), por exemplo, detecta campos magnéticos criados pelos impulsos elétricos do cérebro. A ressonância magnética nuclear (RMN) revela a emissão de microcampos magnéticos através do sangue, quando este libera sua carga de oxigênio nos tecidos.
Clones e seres artificiais – Até o ano 2000, informa um artigo publicado na IstoÉ – Tudo, o livro do conhecimento – que a técnica de referência será a tomografia por emissão de pósitrons (TEP). A TEP mede o fluxo sangüíneo das zonas cerebrais em atividade mediante a injeção de um produto ligeiramente radioativo no sangue do indivíduo. Com essas técnicas combinadas, garante-se que é possível mapear a mente. Seria possível assim diferenciar o ser humano vivo legítimo do clone ou dos seres artificiais? Changeux, arauto do materialismo, diz que, por mais excelsas que sejam as emoções e por mais refinados que sejam os pensamentos, eles têm origem em termos de química e eletricidade cerebral.
Assim, seria possível identificar estas atividades no cérebro do ser alienígena, mediante exames competentes. Isto – é claro – depois do pesquisador descobrir se o objeto da pesquisa tem órgão semelhante a cérebro, e ainda: onde este se situa. Seria possível imaginar, por exemplo, que deixassem a sede da inteligência na nave e viessem teleguiados? E no comportamento, como poder-se-ia identificar o ser humano como distinto dos demais animais e dos vegetais? O que ainda caracteriza o homem, além da inteligência e emoções?
Do ponto de vista negativo, são as qualidades que os animais não apresentam como a hostilidade, capacidade de guerrear, caçar além das necessidades e sujeitar seus semelhantes. Do ponto de vista positivo, qualidades como a hospitalidade, a honestidade, a investigação filosófica, o amor pelas crianças. Manifestando-se com indiferença, há o desejo sexual permanente, independente da necessidade de procriação. O ser vivo tem capacidade de sentir medo, agressividade e até mesmo dor.
Não importa a sua origem cósmica, muito menos sua raça, sobre a qual tudo desconhecemos. Nem importa seu sexo, idade, cor e religião. Extraterrestres verdes, azuis, cinzas etc, todos seriam iguais perante a lei brasileira e, caso praticassem algum crime, estariam expostos ao princípio do processo legal
Voltando aos apa-relhos, as tomografias de pósitrons podem rastrear o percurso da dor do cérebro. Estas, então, comprovam que os indivíduos expos-tos a situações de perigo têm um aumento do fluxo do sangue no cérebro tão abundante que borra as imagens. No caso dos humanos, isto acontece quando os músculos do pescoço se contraem fortemente no momento em que o indivíduo cerra os dentes por medo.
Caso contrário, como poderíamos identificar uma inteligência artificial, ainda que privilegiada? Seria a tomografia de pósitrons o meio para detectar seres artificias, isentos de motivação, esforço pessoal, capacidade de amor? A resposta para a identificação do homem parece vir da genética. As informações contidas nos genes humanos, segundo o pesquisador Jacquard, num artigo publicado na revista Veja, de 21 de novembro de 1990, são de apenas cerca de 50.000 – insuficientes para cuidar da formação integral de um cérebro com 100 milhões de neurônios.
Vale dizer que cada uma dessas células nervosas pode estabelecer centenas de conexões com as vizinhas. Segundo esse pesquisador, o homem nasce com apenas 30% de suas conexões feitas. O grande mistério do cérebro humano é que, a cada novo aprendizado, os neurônios se reorganizam. Não há limite para isso, pois o número de células nervosas é tão grande que nunca será utilizado no total, nem que o homem viva qua-trocentos anos.
Um ser artificial teria a capacidade de autoprogramação? O neurologista americano Sacks afirma categoricamente que não. Segundo ele, nada, nem a mais simples operação de somar, é feito no cérebro da mesma maneira. A cada operação entram sentimentos, percepções, memória, imaginação distintos, tornando cada pessoa maravilhosamente única. E assim, finalmente, identificamos o homem, como aquele capaz de autoprogramar-se. E a partir da identificação, distinguimos a aplicação da lei e das normas programáticas da Constituição Federal.
Um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é a dignidade da pessoa humana. Isto bastaria para, analogamente, situar o ser estranho, estrangeiro, de fora, como sujeito de direitos – ainda que seu molde não seja semelhante ao do homem terrestre. Embora ainda não reconheçam ou prevejam a ordem extraplanetária, as normas constitucionais têm como contemplar esses seres como sendo estrangeiros, sem diferença alguma, de acordo com o princípio da igualdade, expresso no Artigo 3°, IV, da Constituição Federal.
Processo legal – Não importaria, portanto, a sua origem, muito menos sua raça, sobre a qual tudo desconheceríamos, assim como sexo, idade, cor e religião. Dessa forma, verdes, azuis, cinza, todos seriam iguais perante a lei brasileira e, caso praticassem algum crime, estariam expostos ao princípio do “devido processo legal”. Estrangeiros ou extraplanetários estão, pois, sujeitos às penas admitidas em lei, como privação de liberdade, perda de bens e medidas de segurança, sendo assegurado, ainda que presos, do respeito à sua integridade física e moral.
E à extradição e expulsão? Nesse sentido, pode-se prever o asilo político, a celebração de protocolos e acordos interplanetários à maneira como existem hoje os acordos internacionais. Caso venham em paz – que é o que se espera –, portanto, os eventuais seres extraplanetários que chegarem à Terra não poderão ser detidos ou cerceados em sua liberdade. No entanto, se não vierem em paz, apresentando-se armados, estarão cometendo crime inafian&cc
edil;ável e imprescritível. Em caso de guerra declarada, poderiam ser condenados à morte. A Constituição Federal garante a todos – brasileiros e estrangeiros residentes no país – a inviolabilidade do direito à vida, liberdade, segurança e propriedade [Editor: as mesmas garantias são oferecidas por outros países a seus habitantes, com algumas variações].
São, portanto, invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Ninguém será submetido à tortura ou tratamento desumano ou degradante. Assim, nada de experimentos científicos com os corpos vivos de ETs! Algumas questões são interessantes. Pode ser que venham crianças e adolescentes nas naves. Se o ET for criança ou adolescente, aplicar-se-ia o artigo 227: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, como absoluta prioridade, o direito à vida e demais garantias individuais”, oriundas da sua cultura e planeta de origem.
Habeas Corpus celestial
Não há, no tratado do Direito Romano Ocidental e na cultura humana terrestre, artigos ou parágrafos que discorram sobre as garantias individuais dos seres vindos do espaço que invadem nosso planeta. Vivemos durante todo esse século fora da sociedade cósmica global, centrados apenas em nós mesmos e, por isso, faz-se necessário construir uma civilização com leis e ética não apenas aplicáveis aqui na Terra, mas no extraplanetário inclusive.
Face ao incidente ufológico ocorrido em Varginha, no ano passa-do, como ufólogo e presidente da Sociedade de Estudos Ufológicos Lauro de Freitas (SEULF), sugeri à advogada Vera Weigand que formulasse uma legislação de defesa aos extraterrestres, visto que é urgente que as entidades e instituições internacionais como a ONU, OEA, Tribunal de Haia e outras cortes discutam com credibilidade esta nova e complicada questão. Os senhores legisladores devem dar vôos mais ousados em busca do direito interplanetário, e as organizações não governamentais e a sociedade civil devem participar deste debate para que não apenas a inteligência militar trate da questão numa seara em que a competência se esgota.
Que a legislação terrestre crie mecanismos diplomáticos perante as leis do Cosmo – já que estas não são do conhecimento público –, dê jurisprudência a respeito desses direitos etc, não esquecendo que a recíproca é verdadeira e que a ética, a moral, o livre arbítrio, a liberdade, a fraternidade são valores universais, e não garantias de alguns. Além do que, por meio de vínculos legislativos, poderia se impetrar, por exemplo, um habeas corpus uranidas (celestial) para os infelizes náufragos espaciais, os ETs de Varginha. Que juiz ou magistrado iria negá-lo ou acatá-lo, se não existe o estado de direito interracial espacial?